Ontem, o meu pai chamou-me a atenção para um artigo escrito por João Taborda da Gama e publicado no DN, que me parece a melhor de todas as homenagens que a Tasca podia fazer a esse grande Sportinguistas chamado Miguel Galvão Teles. Até sempre, Leão!
«Devia ser junho, julho, de dois mil quando ele me perguntou se eu era do Sporting. A conversa foi curta, depois me diriam quando é que o estágio ia começar, quanto ia ganhar. Mas o importante era saber se eu era ou não do Sporting. A pergunta não me surpreendeu, a resposta estava preparada. Sou do Sporting e do meu lugar cativo vejo-o lá em cima, na tribuna, em todos os jogos, a sofrer, de cigarro na mão. De imediato um sorriso abriu-se num dos rostos mais expressivos que vi. Estava feito.
Dois anos antes tinha metido na cabeça que ia ser estagiário do Miguel Galvão Teles. No segundo ano do curso, o seu artigo jurídico “A inconstitucionalidade pretérita”, recomendado pelo meu amigo João Geraldes, foi Bach depois de um ano e meio a música de elevador. Uma linha de Miguel Galvão Teles valia sete volumes de tantos tratados. Quem era este homem, fui perguntando. As respostas variavam pouco: génio, o melhor gajo, o maior, o máior, brilhante, um advogado como nos filmes. Seria este Galvão Teles o do Sporting? O do cigarro e do bigode? Sim, diziam-me, ele mesmo, fanático, doente por bola. Não precisava de ouvir mais. Foi uma escolha pouco convencional, os melhores alunos procuravam normalmente sociedades de advogados maiores, mas algo me dizia que era com ele que devia tentar aprender a ser advogado.
E assim foi, quatro anos com “il migliorfabbro”, como lhe chamou o António Araújo. Um virtuoso das leis, jurista total que com igual mestria driblava um regulamento da CMVM, um tratado internacional ou uma constituição revogada.
Duas histórias, dois exemplos entre dezenas que fui vivendo, coincidentes com tantas que ouvi, sobre aquele sabia mais, via mais, pensava melhor.
Um dia fui chamado ao seu gabinete, uma nuvem de fumo forrada a livros onde em cada minuto se aprendia mais do que em sete horas de aulas. Havia um problema. A Lei de Programação Militar tinha sido aprovada no Parlamento com menos votos do que a Constituição mandava e havia filmagens inequívocas sobre o número de deputados no plenário. O presidente Sampaio não sabia o que fazer e tinha pedido pareceres a vários juristas. Lembro-me de ter dito qualquer coisa como é inconstitucional, nada a fazer. O Dr. Miguel sorriu e disse que ia dar trabalho, mas que tinha uma ideia para salvar a coisa. A minha tarefa era sistematizar os resultados de centenas de votações parlamentares, após a leitura de milhares de páginas do Diário da Assembleia da República, à procura de um certo padrão – do resto, que era quase tudo, trataria ele. Ao fim de umas semanas – o Dr. Miguel trabalhava ininterruptamente – saiu um parecer brilhante que resolveu a questão onde antes parecia não haver solução.
Doutra vez, no início de novembro de 2000, o Dr. Miguel ia a sair do escritório, ia viajar para os Estados Unidos. O Dr. Miguel não entrava e saía simplesmente do escritório. No Imlláz sociedade chamava pessoas, dava recados, despedia-se, terminava umas conversas, iniciava outras, cumprimentava quem entrava, normalmente a porta já aberta e a puxar uma mala carregada de livros, tudo ao mesmo tempo. Ó Gaminha, sabe o que é que acontece nas eleições americanas se os candidatos empatarem? Veja-me isso. Mande-me dizer, preciso de saber isso. Não sabia a resposta e esqueci rapidamente a pergunta que me pareceu excêntrica-coisas do Dr. Miguel, pensei. Poucos dias depois, Bush e Gore empatavam. Quando regressou a Portugal, disse-me apenas: “Eu disse-lhe para me ver aquilo…”
Trabalhar com alguém assim, observá-lo, fazia os dias curtos demais. Várias coisas me marcaram para sempre, e por elas dou graças. Uma delas foi perceber que o cinismo não é inevitável. E isto foi muito bem detetado por Paulo Rangel, no Público. Miguel Galvão Teles sabia tudo, sobre o Estado, as empresas, o melhor, mas também o pior, e nunca senti que isso o tenha feito cair no cinismo, na descrença, no desamor. Outra, mais complexa, foi ver o reverso da grandeza. A superioridade de Miguel Galvão Teles era afável, prestável, generosa. Mas não deixava de ser intimidante, expondo a pequenez dos outros. E por vezes senti que o próprio, na sua modéstia, no seu verdadeiro amor e respeito pelos outros, carregava o fardo da sua superioridade. A grandeza não lhe trazia paz. Posso estar errado – tantos e tantos o conheceram mais e melhor do que eu -, mas em Miguel Galvão Teles havia, no fundo do sorriso, a angústia de uma vitória que era certa, fosse na luta das ideias, no campeonato dos processos ou do charme. E talvez por isto sempre me pareceu que era no futebol que se voltava a sentir mais humano, sem controlo, a poder ganhar ou perder como toda a gente, sobretudo perder, fruto da verde sina – num campo de batalha onde a sua racionalidade, os seus neurónios, o seu carisma de nada podiam valer.
E depois há outra coisa. Se não tivesse lido aquele artigo, se não tivesse ido atrás daquele jurista genial e sportinguista feroz, se ele não me tivesse querido a trabalhar com ele, se, se, se, não tinha conhecido a minha mulher, não tinha os meus filhos. Em tudo isto pensava, agradecido, no Alto de São João, perante a urna coberta com a bandeira do Sporting, quando topei, ligeiramente afastado do grupo daqueles que lhe prestavam a última homenagem, um rapaz novo, de sobretudo, que segurava, emocionado, um ramo de flores brancas. Por dentro do sobretudo reparei que vestia uma camisola do equipamento do Sporting. Talvez uma camisola da equipa de noventae nove-dois mil, daquele ano em que me perguntou, em junho, julho, se eu era ou não do Sporting, poucas semanas depois de termos sido campeões ao fim de tanto tanto tempo.»
30 Janeiro, 2015 at 13:40
Saliento o título do post. Boa malha, Cherba.
30 Janeiro, 2015 at 13:53
Só tenho uma palavra para este ENORME Homem…Cidadão e…SPORTINGUISTA…
SPORTING…!!
Que descanse em Paz…!!
30 Janeiro, 2015 at 13:53
Certo, certo, não ponho em causa, mas ” 1000 advogados no fundo do mar não passam de um bom princípio “. Ninguém estagia com o Galvão Teles sem uma valente cunha… É a elite, da qual tantas saudades temos à frente do nosso clube…
30 Janeiro, 2015 at 16:31
Aí sim? Então porquê? Não digas asneiras. Não sabes do que falas…
30 Janeiro, 2015 at 13:54
Extraordinário texto. Sempre tive grande simpatia por este senhor que conheci enquanto ainda estava na Faculdade e ele foi dar uma das 100 palestras com que se assinalou os 100 anos da Universidade de Lisboa. Foi lá, humildemente, na qualidade de antigo aluno e falou do processo de Timor-Leste, onde o seu escritório litigou em representação de Portugal. Eu, que ainda hoje continuo um leigo absoluto em matéria de leis, fiquei fascinado ao ouvi-lo falar.
DESCANSA EM PAZ, ENORME LEÃO!
SPOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORTING!
30 Janeiro, 2015 at 13:55
Justissima homenagem ao Homem e Leão, Miguel Galvão Teles!
que descanse em paz onde estiver neste momento!
30 Janeiro, 2015 at 13:58
Uma merecida homenagem.
RIP.
SL
30 Janeiro, 2015 at 14:03
Sou sincero…conheço pouco (ou nada) da vida profissional dele.
Identifico-o como uma figura publica sportinguista e era essa a imagem que tinha dele.
De cada vez que morre um Leão fico sempre com pena…dizem que cada vez que um tomba, outro se levantará (ou coisa do género…) e assim espero que seja!
Pelo que fui lendo nos últimos dias e agora ainda mais com este post, o MGT era não só um grande sportinguista, mas um brilhante jurista…
Que descanse em paz!
30 Janeiro, 2015 at 14:27
Por cada Leão que tomba, outro se levantará.
30 Janeiro, 2015 at 14:44
Já te respondi ao mail se puderes ir lá ver sff…
30 Janeiro, 2015 at 17:47
Respondo-te hoje sem falta…desculpa lá o atraso!
Ontem já tinha conseguido esclarecer o que me pediste.
30 Janeiro, 2015 at 22:00
Sem problema…
30 Janeiro, 2015 at 14:15
Belíssima e justa homenagem. Comovo-me sempre com quem se comove com o Sporting. Se existirem camarotes lá em cima para ver o nosso Sporting jogar, ele lá estará de certeza. R.I.P
30 Janeiro, 2015 at 14:28
RESPECT! Excelente história e uma bonita homenagem!
Que descanse em paz!
30 Janeiro, 2015 at 14:34
Descanse em paz!
30 Janeiro, 2015 at 14:36
Off (Sorry, por ser neste post)
Pimba
http://www.sporting.pt/Noticias/Futebol/Fut_Prof/notfutprof_comunicadosadabel_300115_139722.asp
E pumba
http://www.sporting.pt/Noticias/Futebol/Fut_Prof/notfutprof_comunicadosad_ricardocosta_300115_139726.asp
30 Janeiro, 2015 at 14:46
O que é que o Abel disse?
A resposta ao R.Costa era excusada visto que (quase) nenhum Sportinguista o queria…
30 Janeiro, 2015 at 14:54
http://rr.sapo.pt/bolabranca_detalhe.aspx?fid=45&did=176621
Desculpem lá se este link for dos proibidos.
30 Janeiro, 2015 at 15:06
Obrigado… O Abel deveria ter ficado calado…
30 Janeiro, 2015 at 14:49
A resposta ao Ricardo Bosta é qq coisa digna de ser emoldurada…
30 Janeiro, 2015 at 14:53
Mesmo!
30 Janeiro, 2015 at 15:02
O comunicado sobre o Abel peca por ser reactivo.
O do Ricardo Costa é um grande toma lá e embrulha.
30 Janeiro, 2015 at 15:04
pessoal, passem lá para a outra mesa que já levei as cervejas!
30 Janeiro, 2015 at 15:23
🙂
Z
30 Janeiro, 2015 at 14:43
que descanse em paz.
30 Janeiro, 2015 at 14:51
“A grandeza não lhe trazia paz. (…) E talvez por isto sempre me pareceu que era no futebol que se voltava a sentir mais humano, sem controlo, a poder ganhar ou perder como toda a gente, sobretudo perder, fruto da verde sina – num campo de batalha onde a sua racionalidade, os seus neurónios, o seu carisma de nada podiam valer.”
Esta parte do texto está simplesmente divinal.
Grande homenagem, sem dúvida.
30 Janeiro, 2015 at 14:52
Já faltava esta homenagem. Ainda bem que surgiu. Tarde, mas surgiu.
E muito bem, por sinal.
30 Janeiro, 2015 at 14:55
Já há uns dias que não comento. Mas agora não posso deixar de aqui vir para prestar homenagem a um grande Sportinguista e também ao Cherba escolheu brilhantemente o post.
30 Janeiro, 2015 at 15:04
Que grande e bonita homenagem.
( esta Tasca ja precisava de uma limpeza a sério. Numa semana, é a segunda vez que me entra pó para os olhos. )
30 Janeiro, 2015 at 15:31
Grande Sr.
30 Janeiro, 2015 at 16:36
Bonito gesto da Tasca. Respeito pelo homem, honra ao sportinguista, reconhecimento ao profissional. Que descanse em paz, como disse o Max, na savana eterna.
30 Janeiro, 2015 at 18:37
Mais um grande sportinguista que se foi, paz à sua alma.
30 Janeiro, 2015 at 20:21
Grande Jurista e Enorme Leão…paz à sua alma.
30 Janeiro, 2015 at 20:37
Bonita homenagem!
30 Janeiro, 2015 at 21:16
É no respeito pelos grandes Sportinguistas que se forma a grandeza do Sporting.
Que na savana do Alem possa repousar entre os grandes que passaram e deixaram a sua marca neste clube maior entre os maiores.
Paz à sua alma
30 Janeiro, 2015 at 22:46
Obrigado Leão Galvão Teles!!! Que descanse em Paz!
SL
30 Janeiro, 2015 at 22:52
Que grande homenagem.
Confesso que nao conhecia quase nada de MGT mas este texto fez-me querer estar no lugar do autor