– Bom dia Sr. Presidente
– Bom dia. Ora…você é (?)…o..a…
– Bruno de Carvalho, presidente do Sporting Clube de Portugal
– Ah claro, claro. Figo, Ronaldo…claro. Grande Sporting!
– Pois…muito obrigado Sr. Michel por me ter recebido…
– Não é preeciso agradecer…os meus amigos portugueses são sempre bem-vindos
– Ah…pois, vamos evitar essa questão.
– Sim, claro, claro. O que o traz aqui à UEFA, posso tratá-lo por Bruno?
– Claro Michel. Bom, é muito simples. Na verdade só venho fazer-lhe uma pergunta.
– Uma pergunta?! O Bruno veio até cá só para fazer uma pergunta.
– Sim. É isso.
– Então e qual é?
– Eu queria perguntar-lhe Michel, para que raio é que a UEFA criou o FairPlay financeiro?
– Oh meu caro. A resposta é muito simples e receio que tenha feito tantos quilómetros para ficar despachado em 10 segundos.
– Óptimo, tenho uma agenda ocupada, se for assim, melhor…venha de lá então a resposta.
– Certo. Bom, a UEFA entendeu que há um perigo muito grande do futebol europeu falir. Muitos clubes (grandes, médios e pequenos) endividaram-se para lá do razoável e a pirâmide do futebol pode cair se orçamentalmente não existir maior restrições no acesso à divida. Além disso as SADs compradas por magnatas de leste ou árabes correm o risco de desregular as competições internas e internacionais. A solução passou por impedir (com multas, proibição de contratações e até proibição de acesso às competições europeias) que os clubes sejam invadidos por organizações que apenas se interessam em “lavagem” de capital. Um clube que não possa gastar mais do que recebe deixa de ser tentador para as máfias.

– Muito bem. E como é que eu, no Sporting cumpro o FairPlay financeiro?
– Bem, não querendo meter-me no seu cargo, suponho que tenha de gastar menos dinheiro em transferências e dedicar-se mais ao aproveitamento da formação do seu clube.
– Pois aí é que está o problema.
– Problema? Mas é essa a solução.
– Não. Esse é o problema.
– Como?! Não estou a entender…
– Eu sei que não está, foi por isso fiz milhares de quilómetros. Foi por o Michel e todos aqui na UEFA não “compreenderem”. Mas eu vou ajudar.
– Por favor, sentemo-nos…explique lá então como é que o que eu disse é o problema.
– Obrigado. Então…o Michel sabe quanto é que um miudo com 16 anos pede para assinar um contrato de formação? E depois aos 18…quanto é que pede para o 1º contrato profissional? Assumindo que consegui mantê-lo, quanto é que pede por renovar depois de estar 2 anos na equipa principal? Quanto é que pede para melhorar o contrato depois de ir à Selecção? Quantas vezes pede para renegociar depois de fazer uma boa época?

– A…não…mas será sempre mais barato do que gastar milhões em contratar outros jogadores?
– Será mesmo Michel? Já fez as contas? Já alguém na UEFA, ao longo destes anos todos, fez estas contas?
– Suponho que sim, tivemos muitas comissões de estudo sobre o tema…
– Sim, mas contas, números, comparações, onde estão?
– Não sei, posso ligar ao meu secretário e perguntar-lhe.
– Faça o favor, eu espero.
– Sim? Ok. Só um momento…”Sim, olha, temos algum estudo sobre o impacto das regras do FairPlay financeiro nos clubes formadores?”…ele diz que está à procura…”Sim…ah…certo…mas nada como?”…hum…ele diz que todos assumimos que formar jogadores era mais barato que comprá-los”.
– E as contas? Os números?
– “Aaa…mas não há números nenhuns?”…ele diz que não.
– Pois. Eu sei que não há.
– E então, não temos números, mas…
– Mas o que queria explicar ao Michel é que é insustentável pedir, por exemplo ao Sporting, que cumpra qualquer tipo de FairPlay financeiro quando não há nenhum FairPlay do lado dos atletas.
– Mas os atletas são o melhor do futebol!!! Eu fui jogador Bruno!!!
– Sim, e os empresários? E os fundos? E as apostas online? E o match fixing? E as empresas de lavagem de dinheiro/gestoras de carreira? Também são o melhor do futebol? Sabem o que os empresários me dizem quando eu uso palavras como “rigor financeiro”, “gestão racional” ou “fairplay”?
– Não. O que lhe dizem?
– Dizem-me para eu os meter na peida. Eles querem é mais dinheiro. Mas não é “só” mais dinheiro, é muito mais dinheiro.
– Mas os bons jogadores têm de ser bem pagos Bruno! Eu era dos melhores e sabia que valia muito dinheiro!
– Aí o Michel engana-se. Não são só os “muito bons” ou só “bons” que querem ganhar fortunas. Todos os outros querem o mesmo. Os empresários estão-se nas tintas se o jogador não centra bem para a área, se faz muitos penaltis ou se é menos rápido a fazer pressão sobre o condutor da bola. Eles querem é, sempre, sempre, sempre mais dinheiro. E depois se cedo a coisa escala. O x aumentou, o y quer aumentar, o z ouviu dizer e também quer o mesmo.

– Pois estou a ver…mas ainda assim, poupará sempre nas contratações que não faz.
– Ah sim! O Michel acha isso?! E se eu lhe disser que para renovar ou assinar contrato o Sporting tem de pagar uma comissão de “fidelidade” ao jogador e ao empresário? E se eu lhe disser que essa comissão, chega facilmente ao valor de uma transferência se o jogador tiver alguma qualidade, estiver a ter boa imprensa (muita dela paga)  ou for muito acarinhado pelos adeptos?
– Hum…claro…aí você tem razão.
– Tenho, pois tenho. Mas ainda não acabei. O Sporting não entende como é suposto ser um clube competitivo e cumprir as regras do fairplay financeiro?
– Mas o Benfica e o Porto cumprem…portanto…
– Você acha, Michel, pense lá um bocadinho…
– Ah…não estou a entender, eles têm SAD com bom desempenho, transferem muitos jogadores por muito dinheiro…
– Ok, o Michel sabe o que é o match fixing certo?
– Sim sei, claro.
– E se eu lhe dissesse que existe um Match Fixing gigantesco a acontecer neste preciso momento, a influenciar quase todos os resultados de quase todas as ligas europeias
– Eu diria que o Bruno está louco.
– Eu não estou louco, nem o Michel. Mas você não quer ou ainda não quis chegar onde todos sabem que já chegámos. Os empresários e os fundos não combinam resultados de jogos. Eles combinam resultados de ligas inteiras.
– Como?
– Como? Fácil. Imagine que eu sou empresário. Tenho 5 grandes jogadores que eu sei que vão ter um bom desempenho no futuro. Quero valorizá-los muito. Onde os coloco?
– Em bons clubes. Clubes com boas equipas e com bons treinadores?
– Sim, mas essencialmente em clubes que vendem e compram. Clubes que “me” vendem e…”me” compram a mim. Para que quero eu um clube “formador”?! Um clube que não me dá comissões permanentes? Um clube que não serve de entrada ao meu portfólio de jogadores porque não contrata para cumprir o fairplay financeiro? Um clube que não precisa de mim, ou precisa menos de mim? Eu quero que esse clube tenha sucesso? Isso não será totalmente contra o meu lucro?

– Upa…nunca tinha visto as coisas dessa maneira…mas o por exemplo o Jorge Mendes, português, ele não ira hostilizar um clube como o Sporting…que já lhe deu tantos jogadores…olha o Cristiano Ronaldo, ele não era capaz…
– “…disso”? Não mesmo? Quer saber quanto é que o Mendes deu a ganhar aos nossos rivais nos últimos 4 anos e quanto é que nos deu a ganhar a nós?
– Mas isso é porque o Sporting não tinha provavelmente os melhores jogadores para transferir
– Não Michel, o Sporting tem os valores emergentes quase todos da selecção nacional. Não. O Mendes como todos os outros desvaloriza e hipervaloriza quem quer.
– Mas desculpe, o que isso tem a ver com o FairPlay financeiro?
– Se eu vender um jogador que vale 5 milhões por 15 milhões fica mais fácil não fica?
– Sim claro.
– E se eu fizer relatórios de contas cheios de “negócios falsos”?
– Mas nós auditamos os clubes!!
– As vossas fiscalizações não valem nada e o Michel sabe disso. A maior parte dos clubes bem relacionada com fundos e empresários como o Mendes, cria movimentações de capital só para iludir os adeptos dos clubes, os impostos dos governos e…claro…a UEFA.
– Não posso acreditar nisso. Isso seria catastrófico!
– O Michel não acredita, mas se realmente investigar, vai entender porque fiz tantos quilómetros por uma simples pergunta.
– A…sim…vou investigar, é claro que vou investigar! Isso é um grande problema para vocês clubes…
– Não. É um grande problema para a UEFA!
– Para nós?!
– No dia em que o Sporting desistir de ser “formador” e juntar-se a todos os que se estão nas tintas para os Fairplays do futebol, o desporto fica um pouco mais pobre, mais previsível, mais obscuro. Nesse dia, muitos outros clubes, federações e paises deixarão os empresários, os fundos e as máfias tomar ainda mais conta do futebol e destrui-lo para engordar as suas contas bancárias. A UEFA vai ser o que os donos do dinheiro quiserem que seja.
– Obrigado Bruno. Nem sei por onde deva começar…
– Começe por proibir os TPOs. É por aí…
– A…vou ver…o que são TPO´s ?
– Oh diabos…isto vai demorar…

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca