«Eu e o Marco somos crescidos e está tudo ultrapassado» – Entrevista a Bruno de Carvalho

RECORD – Cumpre agora dois anos de mandato como presidente do Sporting. No projeto que idealizou, o que é que ainda não fez que gostava de ter alcançado?
BRUNO DE CARVALHO – Falta- me aquilo que ambiciono como presidente do Sporting e sportinguista: conquistar o título de campeão nacional. É uma forte ambição do clube, minha e de todas as pessoas que me acompanham. Já o disse uma vez e não vou desmentir: só me sentirei na minha plenitude de contentamento no Sporting quando conquistar o título pelo futebol.

R – No início da época assumiu que o Sporting lutaria pelo título, o que foi entendido, em diversas frentes, como um tipo de pressão desnecessária para a equipa. Vai manter esse discurso na próxima temporada?
BdC – Eu tenho de tomar uma decisão que, confesso, ainda não tomei. Na próxima época, quando me perguntarem sobre as ambições do Sporting, dar uma de duas respostas: somos candidatos ao título, ou que lutamos para ser felizes. Como nunca fui muito bom em poesia, acho que vou para a resposta do somos candidatos ao título. Mas isso é normal! Independentemente de plantel, questões financeiras, o Sporting é um clube que todos os anos tem de ter como ambição lutar por ser campeão. Se será ou não, isso é outra coisa.

R – Mas o facto de o Sporting ser um eterno candidato ao título, já se colocava, então, na época passada e o seu discurso foi bem mais cauteloso.
BdC – Houve outra preocupação. O Sporting vinha da sua pior época, financeiramente dentro da pré-falência, não ia às competições europeias, tinha uma reestruturação para fazer e uma nova direção a entrar. Por isso, apesar de tudo, era importante ter alguma inteligência. Agora, tendo nós conseguido a competência de, numa época, estabilizar o clube, o discurso tem de voltar a ser um discurso à Sporting. E o presidente que vier para o Sporting, quando eu sair, e que diga que o Sporting a não será candidato ao título, terá em mim, logo, um opositor.

R – Nesse caso, a conquista do terceiro lugar e um eventual triunfo na Taça de Portugal não o deixariam satisfeito?
BdC – Não.

R – E garantindo o acesso direto à Champions, via segundo lugar, com a conquista da Taça de Portugal?
BdC – Mais satisfeito, obviamente, mas não satisfeito. Eu não me escondo e o meu objetivo enquanto presidente, a nível de futebol, é ser campeão. Enquanto não for, nunca vou estar satisfeito. Aquilo que pretendo para o Sporting é a capacidade de, com regularidade ser campeão.

RECORD – Marco Silva é um treinador com quem fez um contrato de quatro anos, pelo que tem ainda mais três épocas de ligação ao Sporting. A continuidade do técnico está sujeita a algum tipo de avaliação, depende da conquista de algum objetivo, ou está garantido que será o treinador do Sporting na próxima época?
BRUNO DE CARVALHO – Nós vamos começar a preparar a próxima época e eu acho que os objetivos pelos quais estamos a lutar nesta fase vão ser cumpridos. Tenho achado engraçado ler algumas notícias que dizem depender disto e daquilo. Bem sei que a bola é redonda e que no futebol há 11 jogadores para cada lado, mas estes dois objetivos, o terceiro lugar e a Taça de Portugal, dentro da qualidade do nosso plantel, do trabalho que se tem feito, são objetivos que vamos cumprir.

R – Portanto, na sua cabeça está perfeitamente definida a continuidade de Marco Silva?
BdC – Sim. Nem consigo avaliar que esses dois objetivos não sejam cumpridos, mas claro que não vai cair do céu, temos de trabalhar, os jogadores têm de estar focados, há muito trabalho, os jogos tem de ser ganhos. Mas também não podemos utilizar para tudo o argumento que a bola é redonda; a nossa cabeça também é redonda e não andamos a dar-lhe pontapés.

R – E como é a relação do presidente do Sporting com o treinador Marco Silva? É a mesma do início da época?
BdC – É uma relação normal, igual ao que era no início.

R – Aquele período conturbado que ocorreu durante o mês de dezembro não deixou sequelas?
BdC – Acho que tem sido claro e evidente para toda a gente como nós temos trabalhado de forma normal, como no início. Nenhum episódio destes é bom, é lógico que não é bom, a quantidade de notícias que foram sendo veiculadas para a comunicação social não é agradável, mas somos os dois crescidos e isso já foi completamente ultrapassado… pelo menos do meu lado, e acredito que do Marco também.

entrevistarec1R – Qual a razão por que não foi mais rápido a vir a público refutar as acusações de José Eduardo a Marco Silva, uma vez que depois fez questão de dizer que não concordava com elas?
BdC – O mês de dezembro foi uma aprendizagem forte, e às vezes na vida precisamos dessas aprendizagens. Posso dizer que fui completamente surpreendido com a rapidez e proporções que as coisas tomaram. As pessoas só se lembram da minha segunda intervenção, mas eu tive uma primeira intervenção a que ninguém deu credibilidade, o que é estranho.

R – Mas quando começaram a associá-lo às declarações do José Eduardo, quando começaram a dizer que este estava mandatado por si para diversas questões, qual a razão por que não se apressou a desmontar esse cenário?
BdC – Isso é quase o mesmo de quando eu fico chateado com os jornais porque há pessoas nas colunas de opinião que dizem disparates. As pessoas dos jornais depois dizem-me sempre que não podem fazer nada, porque se trata da opinião de alguém. Eu tenho de vos dizer que fui absolutamente surpreendido, porque faço uma declaração e venho a saber que depois da minha declaração houve outra, e as pessoas dão mais peso a uma do que a outra. Acho que as pessoas foram em direção àquilo que lhes dava mais jeito. Eu falei e disse que não havia problema, depois vem alguém e diz outra coisa. A partir daí, na minha ética estava tudo dito.

R – Vamos ser então mais diretos: em momento algum lhe passou pela cabeça rescindir contrato com Marco Silva?
BdC – Em momento algum o Marco Silva foi demitido, em momento algum isso lhe foi transmitido. Mas posso dizer o seguinte: há pouco perguntaram-me se eu alguma vez pensei em deixar o meu cargo, ou seja, se eu alguma vez pensei em demitir-me de presidente. Se eu vos disse que seria hipócrita se dissesse que tal nunca me tinha passado pela cabeça, tenho de vos dizer que esta cabeça fervilha, eu quero ganhar, vencer, quero tudo. Há uns dias que estou mais contente, outros menos. É normal. Depois temos de saber trabalhar, melhorar, com o Marco e com toda a gente no universo Sporting. Acontece com toda a gente que tem uma forte ambição. Uma coisa é sermos comedidos, outra é saber que temos um caminho para percorrer, outra que temos condicionalismos financeiros, que o nosso ADN é a formação, e outra é querer esconder que o Sporting é candidato ao título. Não há presidente nenhum, não há diretor nenhum, não há treinador nenhum, vice-presidente ou administrador, que pense que pode viver no Sporting sem sermos campeões durante não sei quantos anos. E não podem, porque é por isso que os presidentes, os treinadores tem caído. Um clube com esta dimensão tem de ter na parte da glória algo com bastante, ou pelo menos com alguma, regularidade. Se nós quisermos fingir que isto não é importante, pois já passámos 18 anos sem vencer, agora já estamos há 12 sem ganhar o campeonato, se calhar não queremos equacionar um projeto com estabilidade. Quando você representa 3 milhões de pessoas, isto apenas em Portugal, tem de ter a coragem de admitir aquilo que é percecionado: tem de vencer. A partir daí tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para vencer. Quem se defende, quem não tem este discurso: primeiro, não devia ser presidente do Sporting, depois é cobarde e depois não entende que assim, mais cedo ou mais tarde, leva um chuto no rabo dos associados.

R – Desde que assumiu a liderança do Sporting já contratou dois treinadores, ambos portugueses: Leonardo Jardim e Marco Silva. É um princípio seu, que deseja, ou no futuro poderá equacionar contratar um técnico estrangeiro?
BdC – Neste momento o Marco Silva tem contrato por mais três anos, eu só estou assegurado como presidente do Sporting por mais dois, em princípio será assim (risos). O Sporting precisa sempre de alguma ponderação e da escolha de um perfil que se enquadre naquilo que é o projeto que os responsáveis do clube entenderam trabalhar. Por enquanto, a escolha do treinador tem recaído, sempre, num técnico português, mas um dia poderá perfeitamente não ser assim.

R – Hoje em dia, até por tudo aquilo que tem aprendido e evoluído, acha que as famosas críticas à equipa no Facebook após a derrota em Guimarães (3-0) podiam ter sido feitas de outra forma? Foi um erro de gestão ou voltaria a fazer o mesmo?
BdC – Temos de ter estratégias. Uma das coisas importantes é que havia uma tendência de se querer gerir o clube de fora para dentro. O que quero dizer com isto? Muitas vezes havia aquilo a que se chamava de tribunal de Alvalade, que tentava fazer pressão para que se conseguisse resolver alguns problemas que não eram muito bem percecionados. Agora a gestão é feita internamente. Para isso é importante as pessoas perceberem que não temos medo de admitir as coisas. Foi aquilo que se fez. Por intermédio do presidente, admitiram- se as coisas. Ponto. O que se obteve de retorno do tribunal? Continuaram a apoiar, a bater palmas, a estar ao lado da equipa. Isso não era uma realidade antes de eu entrar! Seja qual for o tipo de questão, não temos medo de dizer “fomos dignos, não fomos dignos”. Não há esse problema. Há capacidade crítica interna. Acho que, antes de haver empolação, as pessoas perceberam bem isso. Depois, foi tudo o que se debateu à volta de um ato que é normal em qualquer país evoluído. Depois é que lá vieram os velhos do Restelo (e isto não tem nada a ver com o Belenenses) começar a ter teorias sobre o que pode ser uma aparição ou não no Facebook… Factualmente: a coisa correu bem. Estamos a falar de um “post” que teve milhares de “likes”. As pessoas concordaram com o que foi dito. Depois de tanta conversa, entendi que começaram a ficar divididas, mesmo as que acharam bem na altura. Por isso é que achei que não devia voltar a fazer…

R – Quer dizer então que não o preocupou o impacto que tudo isso possa ter tido internamente?
BdC – Não, não, não…! Até porque as coisas foram entendidas. Como no jogo a seguir a moldura humana aumentou e o apoio foi maior, ainda mais compreendido foi.

R – E não teve de esclarecer tudo isso internamente?
BdC – Falámos muito. Isso também é uma das vantagens da aproximação. As pessoas sabem quais são as estratégias traçadas.

R – O Facebook é uma “arma” que vai optar por abandonar?
BdC – Se calhar já não há necessidade, pois as pessoas já entenderam que somos exigentes e que não deixamos de fazer uma avaliação interna. Aliás, se houve coisa que fiz nesse “post” foi colocar todo o ónus do que estava a dizer também em mim. No momento em que assumo que o presidente também não foi digno… Criar um “fuzuê” à volta disto só mesmo num país que não está habituado a uma realidade existente na maior parte dos países. Não vou voltar a dar azo a mais programas de televisão e debates só por causa de um “post”. Isso de certeza que não vou fazer. Percebo que as televisões tenham de ganhar o seu dinheiro, mas escusam de o fazer tão declaradamente com o Sporting. Mas não deixarei de fazer por considerar que estrategicamente foi mau. Deixo de fazer porque acho que os sócios e adeptos já entenderam essa parte. Que somos humildes e não temos medo de reconhecer o que fazemos de bem ou de mal.

RECORD – Em relação a Jefferson, pode explicar-nos o que passou concretamente?
BRUNO DE CARVALHO – Não posso mas vou explicar porquê. Também é algo que ouvi muito e que é totalmente falso. Isto que aconteceu no Sporting com o Jefferson acontece no Benfica e no FC Porto com frequência. O que aconteceu é perfeitamente normal. O que se passou é que, realmente, o Benfica e o FC Porto têm uma estrutura montada a nível de comunicação e de controlo interno que o Sporting está a melhorar. Os bastidores do futebol sabem que esta é uma situação comum. Por exemplo, há histórias nos bastidores de computadores que são atirados contra as paredes e isso nunca aconteceu no Sporting. Acho que é um bocadinho mais grave…

R-…
BdC – Há, também, relatos de tentativas de agressão, com empurrões dentro de instalações dos clubes e hotéis, coisa que nunca aconteceu no Sporting a esse nível. Tudo aquilo que se passa no Sporting é sabido e é dado como notícia, algo que eu até entendo. Foi uma questão normal, resolvida e bem resolvida, que neste momento está mais do que ultrapassada. Não vale a pena aflorar mais esse tema. Há é uma coisa que vale a pena dizer e que não faz sentido nenhum: ter opinadores do Sporting que falam sobre algo, quando nunca passaram sequer pela necessidade de gerir uma situação deste género. O que quero dizer com isto? Vamos imaginar que tudo aconteceu conforme foi escrito nos jornais…

entrevistarec2R – Mas não acha que era importante as pessoas saberem concretamente o que se passou?
BdC – Nada, nada, nada…! O que é importante é dizer isto: Vamos imaginar que um funcionário de uma empresa se vira para o patrão de uma forma perfeitamente ofensiva. Qual é a capacidade cerebral de alguém fazer esta separação: “Se fosse na minha vida pessoal castigava; mas no futebol não o devia fazer! Isto é uma decisão horrorosa! Devia esperar.” Mas esperar pelo quê? Há coisas que não se esperaram na vida. Ou se fazem, ou não se fazem. Lá está, são princípios de vida adaptados àquilo que é o nosso modelo de gestão.

R – Mas é uma questão totalmente resolvida, ou inevitavelmente Jefferson vai embora no final da época?
BdC – Está tudo totalmente resolvido. Além do mais o Jefferson tem contrato com o Sporting [até 2017]. Agora, continuo a dizer: ouvi tantas pessoas a questionar se o assunto teria sido bem resolvido, ou mal resolvido… Não podemos separar aquilo que são as nossas regras sociais do meio em que estamos envolvidos. Se for um jogador pode ser ofensivo, se for um funcionário de uma empresa, já não pode… Isto não faz sentido absolutamente nenhum. Não pode, ponto final! Quando queremos passar uma mensagem de que, no fundo, as pessoas têm de ser profissionais e cidadãos exemplares, não podemos colocar a questão se há jogo ou se faz falta à equipa.

R – Mas admite que Jefferson teria sido um jogador importante para o Sporting naquele período….?
BdC – [longa pausa]… Meu amigo, nem que fosse o [Cristiano] Ronaldo! Isso são os princípios básicos da vida. Se nos rendemos àquilo que é politicamente correto, se devemos ser hipócritas e tirar fotografias com os clubes todos quando não perfilhamos os mesmos valores, que os jogadores são muito importantes e têm de jogar… Dessa forma não conseguimos implementar uma política de nada nas nossas vidas! Qualquer dia tenho um jogador que é um bandido, que assalta, que mata e que tira, mas tem de jogar porque é muito importante… Está fora de questão.

R – Com o final do castigo, vai regressar ao banco de suplentes?
BdC – Vou voltar ao banco! Isto tem a ver com uma forma de gerir, algo que já tenho há mais de 20 anos. Sempre geri muito próximo do negócio, pois acredito que o sucesso está aí. Podemos ter uma visão estratégica e implementá-la, podemos ter uma visão organizativa e implementá-la, mas depois, se os resultados não aparecem… Prefiro muito mais viver a “coisa”, do que estar a receber inputs de vários lados que não sei se correspondem perfeitamente à verdade. Sabemos que, às vezes, estar no poder da informação certa pode ser a forma de tomar uma boa decisão. Continuo a acreditar que esta é a fórmula certa, pois é a forma que eu tenho de conseguir perceber aquilo que é o “negócio” Sporting, para poder intervir enquanto presidente, quando achar que é necessário.

R – Custou-lhe mais ver os jogos na tribuna ou ter sido “silenciado” durante um mês pelo CD da FPF?
BdC – Detesto tudo o que são injustiças. Por isso, não posso estar contente com um castigo que não corresponde ao que se passou. Vi os jogos ao pé dos presidentes dos outros clubes. Foi uma experiência diferente, mas sem dúvida que prefiro estar perto daquilo que é a realidade, pois no dia a dia tenho de tomar decisões e não é o conhecimento da tribuna que me dá essa possibilidade. É o estar perto.

entrevistarec3R – Sofreu mais na tribuna?
BdC – E completamente diferente. Entenda-se: não me custa e as pessoas foram de uma simpatia total. Mas a nível de comportamento, o ambiente na tribuna é bem mais hipócrita. Não são as pessoas! É mesmo o comportamento, pois não podemos dar azo ao facto de estarmos chateados ou contentes.

R – Essa é também uma das razões para se sentar no banco? Para poder manifestar-se da forma que entende que o deve fazer?
BdC – O futebol e o desporto são emoção. Estar a canalizar a emoção para a razão é estranho, até porque toda a gente diz “isto é emoção pura”. Mas na tribuna toda agente sabe que não é emoção pura. E a razão a sobrepor-se à emoção, pois temos deveres de cortesia, de cavalheirismo. No fundo, temos o dever de tudo, menos o de viver o jogo na sua plenitude! Acho estranho…

R – Depois de ter sido castigado durante 30 dias [devido a alegados acontecimentos registados no intervalo do jogo com o Gil Vicente], no futuro vai ser mais contido nas suas declarações e manifestações?
BdC – A partir do momento em que acho que este castigo não foi justo… não. Mas, se até hoje, não tinha sido castigado, não tenho dúvida de que, independentemente de não ser politicamente correto, tenho rido algum cuidado nas minhas intervenções. Mas, percebo que não seja politicamente correto, mas há uma coisa em mim que nunca vou mudar por ser presidente do Sporting: digo o que acho e o que penso, com conta, peso e medida. Digo a verdade do que se vai passando, independentemente dessa verdade poder chocar as pessoas e derivar em algum castigo. As pessoas comigo saberão com o que contam. Um presidente que não pactua com jogos estranhos. Gosto de desporto, gosto muito de ganhar, gosto de ver as coisas por meritocracia, mas não gosto de jogos de bastidores e as pessoas já perceberem isso. Vou continuar a dizer a verdade, mas já percebi que há muita gente que gostava que me calasse ou que tivesse algum género de vergonha. Não o vou fazer, pois dizendo a verdade consigo ir dormir cansado, mas de consciência tranquila.

RECORD – O facto de ter cortado relações com Benfica e FC Porto não prejudica o caminho que o Sporting quer trilhar no que diz respeito às alterações no futebol português?
BRUNO DE CARVALHO – Isso tem a ver com os valores e regras que, felizmente, os meus pais me deram. Sempre me ensinaram que não vale tudo na vida. Sobretudo, que nos devemos reger por valores e que nos devemos movimentar por ideias e convicções. Se começamos a falhar nas nossas ideias e convicções, dizendo que tudo é possível porque há um fim determinado, então não vale a pena sermos seres humanos com princípios e convicções. Temos de ter a capacidade para vermos o seguinte: sem hipocrisias, quando os clubes não se respeitam e não mostram a dignidade que deviam ter perante vários assuntos, as pessoas devem ser claras e, institucionalmente, terem relações com aqueles que perfilham valores, pelo menos, humanos e éticos. Em tudo o resto, o Sporting já se sentou dezenas de vezes após o corte de relações com o Benfica e o FC Porto. E isso que tem de fazer. O caminho é trilhado aí. Agora, recuso-me a estar com pessoas que maltratam o meu clube e que me maltratam.

entrevistarec4R – Mas não era mais fácil se seguissem todos o mesmo caminho?
BdC – Uma coisa é a questão institucional, e ainda não houve uma quebra de relações que fosse provocada por nós. Declaradas pelo Sporting foram, provocadas é que não. No entanto, nunca deixamos de trabalhar com todos os grupos, quer tenha a ver com competições, disciplina, marketing, direitos televisivos, justiça, violência, apostas online… E, às vezes, custa-me ouvir que o Sporting se isolou, que a estratégia é errada. Não estamos isolados. Não podemos é deixar de dizer claramente o que achamos e ter relações institucionais com quem achamos que trata o clube e o futebol com dignidade. Não serei hipócrita e não direi que tenho relações institucionais. E quem faz isso, para mim, tem um nome. No entanto, é engraçado, pois, na nossa vida, lutamos contra esse tipo de pessoas, que vivem da hipocrisia. Um clube onde há um indivíduo que chama nomes ao presidente de outro clube, que ameaça agredir elementos da direção e que achou que nunca devia pedir desculpa, pergunto: devíamos ter relações institucionais porquê? E outro clube que a grande estratégia foi estar sempre a falar da restruturação financeira do Sporting, mandar recados que o Sporting podia não estar a pagar ordenados, isto tudo durante meses e meses, que culminam com uma entrevista do vice-presidente e depois do presidente, [pausa]… Devemos nivelar-nos por cima. A partir daí, enquanto pessoas, não tem interesse nenhum haver convívio. E é isso que são as relações institucionais. É dizer: “Não te quero ao meu lado. Não gosto de ti como pessoa, não gosto dos teus valores, não gosto das tuas regras. Não há relações institucionais contigo. Ponto final.

R – Mas vê uma ação concertada de Benfica e FC Porto para fragilizar o projeto que preconiza para o Sporting e para o futebol português?
BdC – Isso toda a gente viu! É das poucas coisas que concordo com os opinadores. É claro que a escolha foi só essa…

R – Isso deixa-o preocupado ou, por outro lado, valorizado?
BdC – Por um lado até me sinto valorizado, pois é sinal de respeito. Como pessoa do futebol, fico horrorizado. Não se tomam decisões para algo tão importante no futebol de uma forma tão pessoal e com a vontade de atingir especificamente um clube e um presidente.

R – O que precisa de acontecer para o Sporting reatar relações com FC Porto e Benfica?
BdC – O importante está a acontecer. Os clubes sentados a conversar sobre aquilo que é o futuro do futebol. Tudo o resto são “faits divers”. Não é preciso acontecer absolutamente nada. O tempo pode limar alguma impetuosidade, pode até , dar-nos novas visões de caminho. Mas não muda traços de perfil. Ninguém muda aquilo que é na sua essência. A partir deste facto, não estou a ver ser possível haver um reatar de relações. A essência está errada, a meu ver. E com a anuência de toda a direção, de forma unânime, chegámos à conclusão de que deveríamos ir ao ato mais grave, que é o corte de relações. Tem a ver com traços de perfil, com caráter, e isso ninguém muda.

R – A homenagem a Pedro Proença foi uma manifestação de apoio a uma eventual candidatura à presidência da Liga?
BdC – Foi uma inequívoca demonstração de que este clube gosta daqueles que se esforçam por serem os melhores nas resperivas áreas.

R – Mas veria com bons olhos essa possibilidade?
BdC – O Pedro [Proença] tem todas as capacidades para continuar ligado ao futebol, seja na UEFA, na Liga ou na Federação. Veríamos com bons olhos, porque lhe reconhecemos capacidade. Foi alguém que lutou (e eu gosto disso) e que foi considerado o melhor do Mundo na sua área. Acho que tem todas as condições.

R – Ficaria confortável se o Pedro Proença candidato a presidente da Liga tivesse também o apoio de FC Porto e Benfica?
BdC – Independentemente das nossas posições institucionais, nunca abandonamos um grupo de trabalho ou uma proposta. Antigamente o que é que o Sporting fazia? Zangava-se, virava as costas e acabou. Comigo é diferente. Um candidato apoiado pelos três grandes? Sem drama. Temos é de confiar no candidato.

R – Chegando a este ponto, acha que Luís Duque tem feito um bom trabalho à frente da Liga?
BdC – Acho que a Liga, a partir do momento em que não tem clubes a fazer reuniões na bomba de gasolina da frente, está muito mais calma…

R – Mas acha que a Liga de Clubes está mais bem servida agora do que com Mário Figueiredo?
BdC – Acho que tem menos reuniões na bomba de gasolina em frente. E só isso já é muito bom…

R – É mais profissional?
BdC – Não acho nada disso. Tem menos reuniões na bomba de gasolina em frente. Isso é o que eu acho…

entrevistarec5RECORD – Ao longo destes dois anos, qual foi o momento que mais o marcou como presidente do Sporting? Se tivesse de escolher uma situação negativa e outra positiva, quais seriam?
BRUNO DE CARVALHO – Em primeiro lugar, olhar para estes dois anos é, sobretudo, entender aquilo que em tão pouco tempo conseguimos construir. E gostava que isto ficasse bem frisado: é um trabalho não apenas do presidente, mas de toda a equipa, neste caso da SAD e da administração. Em primeiro lugar, a reestruturação. Foi algo extremamente importante, pois definiu regras e a hipótese de sustentabilidade para todo o grupo Sporting. Todas as reestruturações anteriores tinham visado a SAD, mas esta visou aquilo que é o Mundo Sporting: o facto de não termos tido necessidade de fechar modalidades (antes pelo contrário, até trouxemos mais); o facto de termos conseguido manter a maioria na SAD; o facto de termos conseguido, dependendo da execução do dia a dia, a manutenção de uma estabilidade financeira que é absolutamente fundamental; a possibilidade de recuperação de passes de jogadores; a possibilidade de conseguirmos fazer alguns investimentos no momento em que se conseguíssemos atingir o equilíbrio que se atingiu… Foi um momento extremamente importante para nós. O recuperar do orgulho sportinguista também foi importante. Começarmos a ver que o sportinguista que estava acomodado, frio, cada vez mais distante, tem acompanhado todas as equipas e modalidades, nos bons e maus momentos, a dar um apoio tremendo, numa onda verde que se faz sentir e que acaba por ser o reflexo do que temos feito. O facto de mal entrarmos termos apresentado propostas para o futuro do futebol português. Acreditamos num desporto com mais credibilidade, mais transparência, mais rigoroso, no qual a competência seja mais importante. Podemos dizer que isto é resumo daquilo que foram os últimos dois anos.

R – Mas, por enquanto, ainda só falou da parte positiva…
BdC – Tudo aquilo que são títulos, para nós, é visto como o mais positivo dentro do Sporting. Porque no fundo, para além do todo o profissionalismo, somos um clube. Um clube eclético e que está virado para vencer. As Taças de Portugal no andebol, os títulos no futsal, os títulos nas diversas modalidades que, felizmente, acontecem diariamente, sejam eles regionais, distritais, nacionais, europeus ou mundiais. Tudo o que são títulos é o mais importante, e não podemos dizer o contrário. O momento mais negativo… [pausa] Infelizmente, não temos ganho tudo em todo o lado. Isso, só por si, já é negativo o suficiente, levando em conta os nossos objetivos. Mas, talvez, este último dezembro. Pela verificação de que, por vezes, não basta o trabalho que estamos a fazer ou a realidade que se vive dentro do clube. Ganhamos a noção de que aquilo que é percecionado, mesmo não tendo nada a ver com a realidade, pode tomar proporções como as que se verificaram em dezembro. Isso talvez tenha sido o mais negativo, mas também o mais importante em termos de aprendizagem, para podermos começar a trabalhar de uma forma diferente na comunicação.

R – Provavelmente, esse terá sido o momento mais difícil que viveu…?
BdC – Até agora sim. Sobretudo a nível de aprendizagem. Foi uma forte aprendizagem, mas num momento difícil. Ainda para mais, estava a tentar ter um pouco de tempo com a minha família, que infelizmente foi terrível. Este Natal e fim de ano não o desejo a ninguém, mas tomo-o como uma aprendizagem para o futuro. Dentro do negativo, devemos tomar as coisas pelo lado positivo. Isto, claro, sem contar o facto dos títulos, pois isso é o mais importante para mim e para toda a direção.

R – Falou no âmbito familiar. Em algum momento questionou as razões que o levaram a assumir o desafio de ser presidente do Sporting?
BdC – Vou tentar ser muito sincero. Sinto-me exatamente com a mesma força do início. Agora, seria hipócrita se dissesse que há coisas que envolvem o mundo do futebol que não me têm deixado extremamente desagradado e que já não me obrigaram a reflerir várias vezes. A força é muita. Não tenho dúvidas de que sou um homem de convicções. A nossa direção é igualmente de convicções e a nossa administração também. Sabemos aquilo que queremos e vamos lutar até ao fim por isso. Mas que não haja dúvida nenhuma de que há vezes em que paro, olho para o mundo onde estou inserido – e não estou a falar do Sporting, pois já tinha noção do bom e mau que acontece no clube – e já me veio à cabeça se vale a pena, enquanto indivíduo, viver num mundo que tem tanto que não aceito, que não faz parte da minha maneira de estar, no qual não acredito. Ambiciono um futuro melhor, mas há muitas coisas no futebol e no desporto que são quase contranatura à minha maneira de estar. Isso, às vezes, faz-me parar durante breves segundos e questionar se fiz bem em aceitar este desafio. Mas, passado esse tempo, toda a convicção vem ao de cima e continuo feliz a abraçar este projeto de alma e coração.

R – Vislumbra algum tipo de oposição dentro do Sporting?
BdC – Não. Mas seria hipócrita se não dissesse que não há uma parte ínfima de sportínguistas que teimam em… é a velha frase do “eu não quero que isto continue como está”. Mas depois, se formos esmiuçar, isto quer dizer “não quero que continue como está, sem eu lá estar”. É um grupo pequeno, mas mói. Principalmente através das redes sociais ou dos opinadores. Criticam tudo. Tudo. Seja o que for. O que de facto… é estranho. Mas porque é que digo que não há oposição? Estive dois anos com esse papel.

R – Era inclusivamente rotulado como o rosto da oposição…
BdC – Exatamente. Se as pessoas forem ver tudo o que foi dito, chegam à conclusão de que eram coisas específicas: a fusão; a reestruturação; dizendo o que não concordava; dizendo o que faria. O que se passa neste momento não merece relevância. Renovou-se com o Matheus [Pereira] é mau. Não se renovou com o Matheus é mau também. Não se renovou com o [Bubacar] Djaló é mau. Renovou-se com o Djaló é mau também… Não pode haver oposição, quando não há uma ideia nova.

R – Mas, nesta altura, consegue identificar um rosto da oposição?
BdC – Não existe nada, porque simplesmente não há oposição! Para ser oposição é preciso ter alguma dignidade, ideias, saber avaliar aquilo que está a ser feito e dizer aquilo que faria diferente. A partir do momento em que é a crítica pela crítica… muito pequena e limitada… não é nada.

R – Tudo isto deve-se ao facto de a atual direção estar a apresentar resultados, ou por outro lado, trata-se de uma oposição silenciosa que está à espera do momento certo?
BdC – Para mim, oposição é uma pessoa que tem uma ideia concreta, que não se revê em alguém e, a partir daí, dá a cara e diz “sim senhor, vamos”. Esperar um mau resultado não é oposição, é cobardia. Os sportínguistas querem soluções. Os sócios querem estabilidade e, sobretudo, querem a garantia de que este projeto tenha consequências. Parar estas medidas, todas estas propostas, todas estas filosofias… tudo isto não pode ser destruído em cada eleição. Nunca disse que vai demorar anos até sermos campeões, mas o clube tem de trilhar um caminho e tem de ser forte ao fazê-lo.

R – O que o fará não se recandidatar à presidência daqui a dois anos?
BdC – Neste momento, absolutamente nada. Vou recandidatar-me. Mas muitas vezes olho para o futebol e não o consigo assentar nos princípios por que me rejo. Não me agrada ir ao café e perceber que há um estigma com as pessoas que estão no futebol. Somos todos uns aldrabões, uns vigaristas, vivemos num mundo que já está decidido. Tento passar esta realidade e não consigo perceber que as pessoas que estão à frente do futebol não tenham uma grande preocupação com isto. Eu não consigo viver com isto e vou continuar a lutar. Um dia o futebol será reconhecido como um conjunto de pessoas que tentam trabalhar em prol do futuro. Mas isso não acontecerá por obra e graça do Espírito Santo. Só acontecerá quando os presidentes dos outros clubes entenderem que têm de criar regras.

R – Está colocado de parte o cenário de eleições antecipadas? Só vai mesmo a votos daqui a dois anos?
BdC – De certeza absoluta!