Assim que me sentei tirei-lhe a pinta. O olhar de soslaio como quem diz “porra…isto são horas” anunciava que a convivência durante o jogo não ia ser memorável. Não me enganei. Anúncio das equipas. Não bateu palmas a ninguém, nem sequer pestanejou…(porra nem ao Tanaka?)…o nome André Martins deu-lhe um vaipe de quem tinha inalado cola de sapatos fora de prazo, mas fora isso, aquele 11 titular só lhe mereceu o curto desabafo “Foda-se…”. A apatia do bicho (vamos chamar-lhe Adolfo, só porque sim) deu-me ainda mais ganas de aplaudir os nomes (sim, até o André Martins), o que somado ao meu atraso “dentro de horas”, fez com que o Adolfo não ficasse com a melhor opinião da minha pessoa. E disse-o. “Pfff….daqui pouco perdem as palmas…” saiu-lhe assim fininho, entre dentes. Aquilo assou-me o zen e não fiz puto de esforço para lhe perguntar “Disse alguma coisa?”. Fez de conta que não ouviu. Ainda bem. (Caladinho é que estás bem).

As equipas entraram em campo ao som do hino e, claro, o Adolfo ficou sentado a olhar para o telemóvel a rezar, provavelmente, que a Valério cantasse mais depressa. A festa da entrada das equipas passou ao lado do bronco, ao lado, por cima e por detrás…aquilo não lhe disse absolutamente nada. Olhei para ele umas quantas vezes e para aquela tromba de “ocupado”, mas ignorei o mais possível o que quer que viesse daquela cadeira ao lado da minha (deves ser muito fino, ó pra mim, empresário de sucesso…meia branca, ah pois é…tou-te a ver).

A equipa entrou lenta, segura mas lenta, o Guimarães parecia que vinha afinal jogar mesmo à bola. O Adolfo ria-se num sarcasmo idiota de quem se dá palmadinhas nas próprias costas. Eu, como sempre, faço os meus comentários telegráficos bem audiveis e a besta validava os maus e bufava com os bons. Já esperava. Passei a filtrar os maus e só sairam os bons. Desabafei eu a uma certa altura “…já estamos a acordar…boa!”. O Adolfo respondeu “sim…e depois de sofrer um golo então é que vamos mesmo acordar…pfff!”. Tipo Matrix, evitei aquela rajada de azedo nem sei como, mas segundos depois o João Mário marcou. Explosão nas bancadas. Implosão no ego do Adolfo. Aquilo caiu-lhe mal. Enquanto toda a gente repetia com o Botas o resultado do marcador a abécula olhava para o telemóvel enquanto a pipoca lhe saltava nos confins da vergonha. Nem piou.

Slimani atrapalhou-se numas quantas bolas no ataque…foi a oportunidade do Adolfo voltar à vida “Caralho! Granda besta!” gritou. Foi a gota de água. A minha. Disse-lhe “calma homem…ainda vai marcar, esteja descansado”. O Adolfo matou-me com os olhos, nos recantos da sua mente escura e fria ensaiou umas boas 12 maneiras de me aviar. Aposto que uma cabeça do Slimani na minha espinha dorsal estaria entre as primeiras. Por isso mesmo, na jogada seguinte em que o argelino tocou na bola fiz questão de comentar “boa….grande Slimani!”. Pensei que ia incendiar o tipo, mas para minha surpresa ficou impávido.

Já não me lembro muito bem da jogada, mas o árbitro apitou…penalty! Lá ia o Adrien…eu disse para outro colega de bancada “já está…este não falha!”. O Adolfo ia para dizer qualquer coisa mas gritei por cima dele “Vá lá caralhoooo!!” Golo!! 2-0! “Toma! Vai buscar!” disse-o a olhar para o Adolfo, que ficou baralhado, podia mesmo jurar que o bigode, que não tinha, realizou um 360º sincronizado com a suástica no braço. Estava a minha pessoa ainda no auge do contentamento, de pé a bater palmas quando me pediu “sente-se…”. Pensei imediatamente (secalhar estou-te a tirar uma visão impecável do espectáculo, sim, que te estás a divertir imenso, ainda perdes uma asneira de um jogador nosso). Sentei-me.

Slimani…Golo!! Porra!!!! 3-0!!! Xiça que festa! Gritei “Incha porco!!!” e disse ao Adolfo “Já devolvemos o resultado de lá…agora…” não me deixou acabar e respondeu rápido “tou-me a cagar para o Guimarães! Não valem um peido, não vê que não jogam nada?!”. Fiquei a olhar para aquele homem pequeno e triste e tive pena dele. Tive pena de quem não sabe saborear o futebol, de quem não retira alegria genúina dos segundos em que este desporto nos devolve uma magia quase infantil, centelhas de uma enorme energia, uma onda vulcânica de emoção e profunda, intensa e ancestral força.

Intervalo. O Adolfo retirou-se e eu fui encontrar fôlego para uma segunda parte, esperava eu, ainda melhor que a primeira. Quando voltei, não encontrei o meu céptico e azedo colega de bancada. O jogo recomeçou, nem sinal do Adolfo e do seu telemóvel. Ninguém reparou talvez, mas a mim fez-me diferença. Aquele diálogo tipo bateria, com o mais e o menos era quase interessante. Juro que já apanhei muita coisa em Alvalade, mas nada que se compare com o Adolfo. Já me ofereceram “porrada”, já me mandaram calar, já tive até de mudar de lugar para evitar dar uma “coisinha má” a um sexagenário. Mas o Adolfo ficou para a história. Para a minha história.
Este post é dedicado a todos os que como eu suportam os Adolfos e nunca perdemos a esperança que se reencontrem com a felicidade do jogo. Fica aqui um retrato robot da pessoa, se o virem ou se tiverem a “sorte” de ficar sentado ao lado dele num jogo, por favor, tratem-no bem e digam-lhe que lhe mando um forte e ternurento abraço.

Adolfo

 

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca