O futebol está cheio de chavões que são quebrados de forma natural. Um dos que mais oiço é: “Ainda têm de crescer!” ou “Ainda estão verdes!” ou qualquer outra expressão que defina qualquer jovem talento que surge nos nossos viveiros.

Toda a gente conhece a história da Classe de 92 do poderoso Manchester United e todos os sucessos alcançaram quer a nível interno, quer a nível europeu sob a orientação de Sir Alex Ferguson. O que se calhar nem toda gente se lembra é como ela surgiu, como foi lançada e como foi acarinhada seja pelos adeptos, pelos jogadores mais velhos ou pelo treinador.

A história começa em 1994, quando os Red Devils conquistam o campeonato com uma equipa de monstros como: Peter Schmeichel, Steve Bruce, Paul Ince, Eric Cantona ou Mark Hughes. Já antes dessa época, ouviam-se histórias sobre um conjunto de miúdos que andavam a dar espectáculo na equipa de reservas. Na ressaca do título e, na preparação do ano seguinte, três titulares indiscutíveis abandonaram a equipa: o lateral esquerdo Kanchelskys, o médio Paul Ince e o avançado Mark Hughes. Quem se lembra, sabe que estou a falar de três jogadores importantíssimos no ManUtd. Toda a gente dentro do clube pensava que os seus substitutos seriam contratados, sobretudo porque falamos do poderoso Manchester United, recém campeão e com grandes responsabilidades no futebol inglês. Toda a gente menos um, Sir Alex Ferguson.

O manager escocês decidiu, em vez de contratar os tais substitutos, promover os tais jovens da Classe de 92. As reacções não se fizeram esperar. O “nosso” Grand Danois (pausa para vénia), um dos mais influentes do plantel e, já naquela altura, o melhor guarda redes do Mundo, chegou a questionar Sir Alex sobre essa opção. Muitos apelidaram o escocês de “louco”. Antes de continuar, convém dizer de quem estou a falar: os irmãos Neville, Nicky Butt, Ryan Giggs, Paul Scholes e David Beckham. E, atentem o que vou escrever, não foram promovidos para ir para o banco, para “aprender” ou para “ganhar calo”. Saltaram directamente para o onze inicial por indicação do treinador.
O primeiro a subir foi Ryan Giggs, ainda na época em que se sagraram campeões. No ano seguinte, Gary Neville substituiu Kanchelskys, Scholes substituiu Paul Ince e, à medida que outros foram saindo, Beckham, Butt e Phill Neville também ganharam o seu lugar. Em pouco menos de 2 anos, praticamente todos eles passaram a ser titulares e guiaram o Manchester United ao domínio do futebol inglês.

Tentando fazer um paralelismo com o nosso clube, com as devidas distâncias, até porque estamos a falar de um conjunto de jovens em que, salvo uma ou outra excepção, atingiram o topo sendo considerados dos melhores do Mundo nas suas posições. Ainda está para nascer um lateral direito tão equilibrado a defender e a atacar como Gary Neville. Paul Scholes, ainda hoje é considerado um dos melhores mèdios ofensivos que a Premier League já viu. David Beckham atingiu o estrelato sendo, ainda hoje, um dos melhores (senão o melhor) passador da história do futebol. E isto são epítetos difíceis de alcançar, mas, na minha opinião acho que é possível fazer no Sporting aquilo que Alex Ferguson fez no Manchester United.

Será que Sir Alex sabia que eles iam atingir esse estatuto? Duvido muito. O manager, como qualquer comum mortal, terá visto os “lads” a jogar e ficou com os olhos a brilhar com tamanha qualidade. Depois, foi “só” acreditar neles. Acreditou tanto que chegou ao ponto de promovê-los da equipa de reservas directamente para o onze inicial. Teve resistência? Muita! Sobretudo das “vacas sagradas” como Schmeichel e, até dos adeptos tremendamente exigentes que adivinhavam uma catástrofe.  Mas também é por isso que Sir Alex é especial. Tem um instinto apuradíssimo para o futebol e foi esse instinto que lhe permitiu, não só ganhar aquilo que ganhou, mas também tomar este tipo de decisões que, à primeira vista, seriam incompreensíveis. Segundo Schmeichel, bastaram uns quantos treinos para todo o plantel se render à qualidade daqueles miúdos insolentes que chegaram ali e jogavam como se estivessem nos lamaçais do campeonato de reservas. O resto da história, toda a gente conhece. Campeonatos em barda e época memorável do “treble” onde conquistaram a Premier League, a FA Cup e a Champions League. Este é o legado da Classe de 92 que, até hoje, nenhuma outra equipa inglesa conseguiu igualar.

putos2Sinceramente, nåo entendo porque raio andamos nós, Sporting, cheios de receios e desconfianças acompanhados por chavões ridículos quando vemos talento puro mesmo à frente do nosso nariz. Quantos mais exemplos precisaremos nós para realmente perceber que nossa formação ainda é o caminho mais rápido, mais seguro e menos dispendioso para sermos competitivos? Porque raio dizemos nós, tantas vezes que já perdi a conta, que “com os miúdos não vamos lutar por títulos”? As provas mais recentes são João Mário, Tobias Figueiredo e Carlos Manè. Foram todos eles chamados em circunstâncias difíceis e nenhum deles desapontou, bem pelo contrário. Se a geração anterior com Patrício, Cédric, André Martins, William e Adrien se revelou uma boa base para nos reerguermos, será que devemos parar por aqui? Logo agora que vem aí a fornada do Iuri Medeiros, Wallyson, Esgaio ou Chaby? E quando outra imediatamente a seguir corre o risco de superar esta com Matheus, Podence, Gelson e Palhinha? Que faria Sir Alex com esta “classe”?

Olhando para os seis miúdos que Sir Alex promoveu naquela altura, nós podemos escolher os nossos. E a palavra chave é mesmo essa: “escolher”. Porque a qualidade é tanta e tão evidente que e dificuldade é precisamente escolher. Obviamente que nem todos poderão ser promovidos ao mesmo tempo e, se calhar, poucos saltariam para o onze inicial. Mas será que não chegam nem para estar no banco? Será que é obrigatório ter de fazer apostas de risco, dispendiosas, com jogadores estrangeiros, não adaptados e com total desconhecimento sobre o que é o Sporting? O que temos a perder? Um campeonato? Já alguém experimentou para ver se é mesmo assim?

Eu recuso-me a acreditar nessa ideia. Por várias razões: Primeiro, porque nunca tivemos uma geração deste nível em quantidade e qualidade. Segundo, porque se eles limparam tudo nos escalões jovens, significa que já nessa altura eram os melhores. E, se o trabalho for correcto, ser o melhor nos júniores é meio caminho andado para ser o melhor nos séniores. Terceiro, porque cresceram com sportinguismo entranhado nas veias e, mais importante, foram consistentemente ganhadores com a nossa camisola vestida (algo que os séniores não podem dizer). E quarto, porque…porra, já os viram jogar????

palhinhawallyTer um 11 totalmente da formação que seja capaz de lutar por títulos é uma utopia para a maioria. Talvez seja. Só que simplesmente recuso-me a rejeitar uma ideia sem a tentar colocar em prática. Talvez tivessemos uma surpresa. Ou não. E, na verdade, nem é bem isto que queremos (ninguém é obrigado a partilhar os meus delírios). É apenas acreditarem neles. Um, três, cinco ou dez, tanto me faz quantos sobem, quantos ficam ou quantos jogam. Tenho plena convicção que a maioria não desapontará. Porque haveriam, com tantos exemplos de sucesso que já tivemos?

Portanto, quem me diz que a miudagem está verde eu respondo que ainda bem porque é verde (e branco) que os queremos. Ou então, como o Ronaldo fez com o Queirós, direi: “Perguntem ao Ferguson!”

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!