Uma derrapagem a rondar os 75% nos custos com a construção do Alvalade XXI. Na Academia de Alcochete gastou-se mais 24% do que o inicialmente previsto. Nas empreitadas dos terrenos envolventes ao novo estádio, houve também um desvio à volta dos 60%. Estas percentagens significam uma coisa — que o Sporting, entre 1995 e 2013, gastou muitos milhões de euros a mais do que era suposto ter gastado. Quem o diz, ou concluiu, foi a auditoria que há anos Bruno de Carvalho prometera e que, finalmente, o presidente leonino vai mostrar, no domingo, aos sócios do Sporting.

O Observador teve acesso a um documento no qual constam vários slides com resultados da auditoria que o clube encomendou à Mazars, uma consultora, e à Cuatrecasas, uma sociedade de advogados. As duas empresas detetaram irregularidades ocorridas nos últimos 18 anos, como contratos que não existem em papel, indemnizações que não se pediram, bónus transferidos para empresas, sem justificações, ou comissões pagas ilegalmente a empresários de jogadores. Já se sabia que os resultados desta auditoria seriam revelados no domingo, 28 de junho.

Para esse dia está marcada uma Assembleia-Geral Ordinária do Sporting. O clube chamou os sócios a irem a Alvalade para verem, lerem e ouvirem várias coisas. Uma delas, que está no quarto ponto da ordem dos trabalhos, são as conclusões da tal auditoria, que sempre foi uma das bandeiras içadas por Bruno de Carvalho desde que chegou à liderança do clube de Alvalade. Serão os sócios a decidir o que fazer com estes resultados, que implicam os mandatos de seis anteriores presidentes leoninos: Pedro Santana Lopes (1995-1996), José Roquete (1996-2000), António Dias da Cunha (2000-2005), Filipe Soares Franco (2005-2009), José Eduardo Bettencourt (2009-2011) e Luís Godinho Lopes (2011-2013). Existe até um relatório focado apenas na presidência de Soares Franco, mas já lá vamos.

E o que podem o Sporting e os sócios fazer com estes resultados? Poderá levá-los à justiça, ao Ministério Público, já que o clube tem o estatuto de utilidade pública desportiva. No início deste mês, aliás, fonte da direção leonina, ouvida pelo Observador, dizia que o presidente, Bruno de Carvalho, estava disposto a recorrer à justiça caso houvesse provas que o justificassem. Ora, é uma decisão dessas que poderá ser decidida no domingo, na Assembleia Geral que reunirá os sócios do Sporting.

As derrapagens nas obras e negócios com o património
Primeiro, o imobiliário. Um dos relatórios preparados pelas duas empresas focou-se nos negócios que levaram à construção, sobretudo, do Estádio Alvalade XXI e da Academia de Alcochete. A 27 de abril de 2000, pouco mais de três anos antes da inauguração do recinto, o clube estimava que a sua construção fosse custar quase 106 milhões de euros. Quando se fecharam as contas, contudo, o investimento no novo estádio rondava os 184 milhões de euros — ou seja, uma derrapagem de 75%.

Porquê? A auditoria diz que, em grande parte, se deve aos contratos que o Sporting tinha com os 21 empreiteiros da obra, nos quais também se verificou um desvio de cerca 24 milhões de euros. As três maiores discrepâncias entre o valor que se esperava e o que realmente se registou deram-se com as construtoras Alves Ribeiro (8,1 milhões de euros), Efacec (3,2 milhões) e a Martifer/Simi (2,1 milhões).

Também no centro de estágios e na Academia de Alcochete houve mais dinheiro gasto do que o previsto. O plano da obra estimava um investimento de 5,9 milhões de euros e, no final, o clube gastou mais de 18,5 milhões. Estes foram os maiores desvios contabilísticos registados pela auditoria, mas não foram os únicos: o Sporting fez vários negócios em que lucrou milhões de euros a menos do que deveria ter lucrado.

Um deles, o da adjudicação de terrenos à MDCI, deu aos leões perdas a rondar os 13,1 milhões de euros, devido, por exemplo, a atrasos nas autorizações necessárias da Câmara Municipal de Lisboa. Outro, com a Silcoge, previa que o Sporting encaixasse uma verba “não inferior” a 50 milhões de euros com a venda de cinco parcelas de terreno e, mesmo apresentando um lucro de 50,9 milhões, o clube acabou a perder dinheiro — pagamentos de comissões e de rendas fizeram com que a SAD lucrasse apenas 44,9 milhões de euros.

E o resto?
O resto está no outro relatório que, no domingo, será apresentado aos sócios do Sporting. O tal que apenas se focou nos quase quatro anos de mandato de Filipe Soares Franco, que presidiu ao clube entre janeiro de 2006 e abril de 2009. Durante a sua presidência, a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do Sporting, diz a auditoria, assinou vários contratos cujas condições não favoreceram o clube e, aliás, lhe causaram prejuízos financeiros. Eis alguns deles:

Corbroker
A SAD leonina assinou um contrato com esta corretora de serviços, para cobrir acidentes de trabalho dos jogadores e dos restantes trabalhadores. Até aqui, tudo ok. A auditoria vasculhou, mas não conseguiu encontrar uma versão escrita deste contrato, a não ser um documento de uma proposta que a empresa enviou ao Sporting para as épocas 2006/2007 e 2007/2008.

Phedra Sport
A 6 de julho de 2007, alguém no Sporting pegou numa caneta para assinar um contrato com a Phedra Sport, uma empresa de eventos desportivos. Nesse papel estava um acordo para os leões jogarem um amigável contra o Hertha de Berlim, que serviria para a equipa se apresentar aos sócios e adeptos. Mas o clube alemão terá mudado de ideias e, na semana seguinte, a Phedra dizia ao Sporting que estava complicado haver jogo.

A SAD leonina não gostou. Exigiu a “restituição dos montantes pagos”, que deviam ter sido 30 mil euros, o valor do contrato, mas a auditoria só encontrou vestígios de um pagamento de 24.760,23 euros. Contas feitas, ninguém sabe o que aconteceu aos 5.239,77 euros que faltaram.

E há mais, porque o clube teve de utilizar “meios internos” — leia-se, mais dinheiro — para convencer o Recreativo de Huelva a ir a Alvalade empatar (1-1, golos de Carlos Paredes e Sinama-Pongolle). O Sporting até teria direito a exigir uma indemnização que, a par de uma cláusula penal que constaria no tal contrato, poderia culminar no clube receber mais de 100 mil euros. Mas a direção nada fez.

New Next Moves
A auditoria também não encontrou uma versão escrita do contrato que a SAD do Sporting assinou com esta empresa de assessoria de recursos humanos, que foi contratada para reorganizar do Grupo SCP.

Hipostadium
Além de o contrato não existir por escrito, Pedro Batalha Ribeiro, sócio único da empresa, foi despedido a dezembro de 2007 do cargo de Diretor dos Projetos Mobiliários do Sporting. Esta dispensa terá sido feita contra as recomendações da NNM. Seria de novo contratado em janeiro de 2009, já depois de o clube lhe ter pagado quase o dobro a que tinha direito a receber, por lei, como compensação pela rescisão do contrato.

Care
Não estava “reduzido a escrito”. Parte dos funcionários que tinham contrato com a Care, uma empresa de prestação de serviços, também tinham um vínculo com o Sporting. Os pagamentos eram feitos diretamente do dinheiro das vendas em bilheteira. Um “procedimento incorreto”, diz o relatório, por parte da SAD.

Casa do Marquês
O contrato com esta empresa previa a cedência de espaços, com a respetiva concessão e exploração, com serviços decatering. O contrato foi firmado com a Sporting Património e Marketing (SPM), em março de 2003. Nesse mês, o clube faz obras nas zonas da cozinha e gasta quase 500 mil euros quando, segundo o vínculo, estes trabalhos eram da responsabilidade da empresa.

Em junho de 2005, o Sporting atribui bonificações de quase 190 mil euros à Casa do Marquês, o que a auditoria considerou “um ato de gestão discricionário à margem dos termos e condições contratuais estabelecidas entre as partes”. Em junho de 2007, novo contrato é celebrado, no qual fica estipulado que a Casa do Marquês tem de pagar uma remuneração mensal à SPM como contrapartida pelos espaços. No total, o clube teve prejuízos a rondar os 3,2 milhões de euros com este contrato.

As comissões pagas a empresários de jogadores
Por último, e no que toca à presidência de Soares Franco, o relatório da Mazars e da Cuatrecasas aponta que, durante três épocas, o clube pagou 21 operações (compras, vendas, renovações de contrato, etc.) nas quais gastou mais de 1,7 milhões de euros em comissões com representantes/agentes de jogadores. O relatório indicou que em 10 destes negócios, os leões acabaram por pagar montantes “acima do valor de mercado”.

Cinco desses casos, lê-se no documento a que o Observador teve acesso, “podem ser considerados nulos por inobservância de forma legal”, porque não existia qualquer contrato que implicasse o pagamento dessas verbas. Foi isso que terá acontecido nas operações que o clube fez com os direitos económicos de Simon Vukcevic, Rodrigo Tiui, Rabiu Ibrahim, Leandro Grimi e Marian Had — nenhum destes jogadores está hoje vinculado aos leões.

(artigo publicado no Observador)