Nem de propósito… Pouco antes de entrar no barbeiro para a “tosquia” do mês, leio de forma apressada mais uma marmitada do nosso Leão Plastificado. No barbeiro um gajo sujeita a ouvir de tudo. Geralmente ouvimos sempre falar de bola, política, bola, bola, bola, politica, religião, bola, bola bola. Hoje até calhou de ouvir falar dos “pretos” que andam a tomar conta do Martim Moniz, e de como deviam voltar para a terra deles! Giro… A pensar assim, Gil Eanes, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Diogo Cão nem tinham passado das docas. Tempos em que este pequeno país foi, de facto, uma potência mundial. Enfim, ouve-se de tudo.

Regra geral (11 em cada 10 vezes, pelo menos…) vou ao mesmo barbeiro há anos (aliás, arisco dizer que a maioria do pessoal troca mais vezes de parceiro que de barbeiro. Fidelidade maior que ao nosso barbeiro, só mesmo ao nosso clube). Hoje não foi excepção… Não será por acaso… também ele é Leão dos sete costados. Estamos em casa, como diria o outro.

Chego cedo e já tenho duas/três pessoas à minha frente. Tudo normal. Já pouco antes de chegar, começo a ouvir um sujeito a falar em “alta voz”… Penso para comigo “Eishhhh… Oh sorte, temos lampião. Só pode. E logo de manhã?! Enfim… Coragem, Sampaio!”. Não me enganei.

Toca de “abancar” no exterior do estabelecimento de forma a não ferir a minha sensibilidade auditiva com tamanhas “bujardas” matinais. Um homem não é de ferro… e levar logo de manhã com lampiões a zurrar já é indicio que não augura nada de bom.

“Boa!” – penso eu… o “infame” lãzudo retira-se (aparentemente vai buscar o jornal da casa para os clientes lavarem as vistas enquanto não lhes toca a vez). “Finalmente, um pouco de sossego” – murmuro comigo mesmo enquanto me esgueiro para o interior onde vislumbro um lugar para me sentar, e aguardo a minha vez.

“Bom… já era o sossego!” – Lampião de volta. Pelo menos traz dois jornais. Assim evito passar cartão e vou-me entretendo enquanto aguardo para me sentar no “trono”…

Folheando o JN… «Adelino Caldeira ganha processo contra BdC» (lembram-se da supertaça de andebol jogada no Algarve?! É isso). Penso comigo: “Safoda… percamos nós muitas dessas. Tem mesmo cara de grunho o fdp do Adelino…”

Folheando o Rascord (Foda-se, esqueci as pinças em casa. O gajo aqui tem luvas mas é para lavar cabeças. Ora, porra. Vai ter mesmo de ser à mão. Paciência)… «Jesus controla tudo», capa de jornal. “Olha a novidade! Claro que sim, controla tudo… e o despota do BdC fica a assistir e a bater palmas. Estes fdp sempre com a mesma merda de conversa” – Isto enquanto o lampião ia-se entretendo com os outros fregueses. Sim, que eu, nem olhar direito para ele conseguia… e bem que me aguentei para não lhe dar o nó cego no Teco e no Tico (Sim, sou um optimista… ainda sou daqueles que pensa que os lampiões tem dois neurónios). Mas para isso está lá o amigo Tonito… Ele não corta só cabelo. Às vezes corta orelhas e rabos, quando a faena se proporciona…

Bem, folha para atrás, folha para a frente, lá vou ouvindo em pano de fundo (nem tão fundo, porque quando se trata de lampiões eles adoram ouvir-se a eles mesmos, por muita merda que digam), a verborreia que teima em sair da boca do bicho. Chega a ser impressionante, de facto… enfim, como diria o Octávio: “Vocês sabem do que estou a falar”…

Não esperem que vos diga o que o tipo ladrava… não me peçam isso. Tenho a “estranha” reacção de, assim que identifico e confirmo a presença um jactante lampião, deixar de ouvir. Não sei se vos acontece, mas comigo é quase fatal. É quase tão inevitável como eu não poder encostar uma peça vermelha ao corpo. Não consigo. Deixa-me com os nervos em franja e irritado mais depressa que um Aventador vai dos 0 aos 100…

A minha mulher diz que o vermelho me ficava bem porque como sou para o clarinho… “Tu queres ver-me doente, é?!” – questiono sempre que vem com essa conversa. Eh pá, não me ofereçam nada – PORRA, MESMO NADA – que seja vermelho. A não ser que me queiram ver a ser desagradável convosco… ai sim.

Eh pá, não consigo… Há quem seja intolerante à lactose, ao glúten, ao pólen, etc, etc… Eu sou intolerante ao vermelho. Ponto. A minha sogra ficou a saber da pior maneira… Ela não sabia que a coisa era tão extrema mas eu, munindo-me duma extraordinária faceta diplomática, tendo em conta a “gravidade” da situação (estamos a falar de sogras, vocês sabem), consegui, sem perder a cabeça, agradecer mas recusar o presente (polo vermelho). Posso-vos dizer que passados uns tempos, a querida (não estou a ser irónico!) ofereceu-me um polo verdinho, verdinho, com um Leão amarelo no lado esquerdo do peito. E vocês acham que foi fácil para ela encontrar? Nada! Interessa é que ela percebeu a mensagem… 😀

Voltando ao lampião…

É impressionante. É impressionante quão facilmente (e justamente, acrescento) se consegue estereotipar o lampião. Geralmente é um gajo rude, irritante, mal e hiper falante (falante, não… gritante), mal informado, desagradável, faccioso, irascível, egomaniaco, megalomano, sem capacidade argumentativa, autoritário… Olhem, tudo o que um gajo não quer encontrar pela manhã.

Apesar do meu défice de atenção subir à medida que a intensidade de lampionice se agudiza no discURSO, consegui identificar alguns temas tão do gosto do “common lampion”. A saber… Cornos, putas, Carnide, paneleiros, deitar abaixo Sporting… Estão a ver a capacidade discursiva do animal? É isto… Então quando lhe ouvi dizer que o Abramovich queria ir para o Manchestar… ali, perdeu-me de vez.
Entrei em modo autista…

E é nestas alturas que eu penso: “Eh pá, Sampas… como é que tu ainda consegues viver num país com tantas aves raras destas?!”… Ao que me respondo: “Sabes, camarada,… só mesmo gostar muito deste país e do Sporting para conseguir. Há muito para fazer de bom. Mas tens razão, quando dizes que este país é do melhor que há neste mundo, só precisava de menos uns milhões para ser um paraíso”.

Despeço-me do Tonito com ar condescendente. Agradeço-lhe a tosquia e desejo-lhe um bom dia de trabalho. Ao que ele retribui e solta, revirando os olhos para cima mas com um sorriso malicioso, um discreto: “É preciso ter muita paciência…”

Como eu te compreendo, Tonito…

Bendita camisola que o meu pai um dia se lembrou de comprar numa feira qualquer em Portugal e levou para a Venezuela para eu usar ainda era eu muito puto… Esta será certamente uma das coisas a que terei de ficar grato para toda a vida. Foi o empurrão que viria a ser determinante para ser o homem que hoje sou. O Sporting não é só um Clube… É uma maneira de viver e de estar diferente. Tenho provas disso TODOS os dias. E quem vos disser o contrário, ou não sabe o que diz ou é pura inveja. Claro que há umas ovelhas tresmalhadas… mas esses são certamente lampiões não assumidos que tem dificuldade em assumir-se.

Por mim, sou Leão por dentro e por fora. Lagarto… o caralhilho (leva logo um sermão quem me tratar assim)… LEÃO!

 

ESCRITO POR Ricardo Sampaio

*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]