Era uma vez um menino que queria ser alguém. Todos lhe perguntavam “mas alguém como?”. O menino não sabia responder, ele só tinha como certo que um dia os seus pequenos caracóis pretos dariam lugar a um nome que todos repetissem com veneração. Não era especialmente inteligente, não era assim tão alto e corpanzudo, a beleza nunca lhe tinha sido gabada e muitos menos os pais tinham posses para o governar num futuro de estudos e escalada social.

Mas isso não deteve o menino. Nem o jovem fura-vidas que espreitava sempre qualquer oportunidade para almejar mais do que uma vida de operário. Aqui e ali colhe insucessos mas muita aprendizagem na arte da sacanice e oportunismo. Os subúrbios de Lisboa são terra fértil para os golpes de algibeira. Um conto do vigário hoje, um desvio de materiais de construção na semana seguinte…o sucesso é contado em dias onde a universidade da rua não obriga a pensar em novos esquemas e os cafés são salas de aula para a malandragem.

Sem espaço nos grupos mais hardcore e entendendo que o crime violento à séria não é para gente com esperteza, o jovem decide fazer qualquer coisa com as horas que lhe sobram de uma idade onde o descanso não chama. Os pneus eram coisa que se vendia sem arte, mas com muita manha. Habitat natural para um moço com queda para a mentira de ocasião, o nosso herói colecciona aldrabices e vai aplicando o conhecimento adquirido em vistas mais amplas, ou se quiserem, em aldrabices com mais rentabilidade. Construção civil. O oásis da especulação. Aqui o nosso jovem mais adulto tinha espaço e foi um tiro até ter amealhado o suficiente para se aventurar a especular sozinho em vez de fazer o trabalho sujo dos outros.

O negócio das “obras” é irmão gémeo do poder politico e primo torto do futebol. O adulto já tinha atingido a bonança financeira, mas o sonho de criança continuava por atingir. Para politico não mentia bem durante muito tempo e nem tinha paciência para voltar a estudar, restava o futebol. Em menino não gostava, como jovem tinha passado ao lado e como adulto achava uma perda de tempo, mas era um território onde muitos palermas conquistavam nome na praça e à nossa vedeta faltava plano para conseguir isso mesmo. Na verdade tinha de “entrar” por algum lado, mas ao contrário dos poucos amigos que não tinha aldrabado pelo caminho, não tinha qualquer preferência clubística. À falta de amor, o interesse apontava o caminho do Porto, clube que coleccionava tris e pentas. O azar é que num subúrbio de Lisboa não há pontes aéreas para ser um afamado portista, a coisa teria de começar mais atrás, bastante mais atrás e mais a sul. Na falta de melhor ideia fez-se sócio dos 3 grandes, logo se veria mais tarde qual lhe daria escadas para subir.

Para um construtor civil, hábil na gestão de influências a entrada só poderia ser feita no seu “território de acção” e num subúrbio de Lisboa existem muitos clubes decrépitos à mingua de uma colher de açúcar. O nosso herói escolheu o mais próximo, como seria de esperar. Havia um problema, para colocar aquele clube a gerar fama para alguém era preciso dinheiro, muito dinheiro…pois não há fama sem vitórias, nem vitórias sem jogadores e muito menos existem jogadores sem dinheiro. A cabeça pensou e pensou e sem tempo para dedicar a presidir um clube, aposta no financiamento de contratação de jogadores. É um território à sua medida. Comprar barato, usar favorecimentos e lucrar escandalosamente…quase com 40 anos esta alma descobre o seu metier…afinal o futebol tinha espaço para as duas coisas que mais queria: continuar a aldrabar meio-mundo e amealhar o seu quinhão de fama.
O mecenato de trafulhices foi tão bem feito que a idolatria das gentes mal informadas da vila viu na nossa personagem um Boss à medida dos poucos valores que se vão promovendo em famílias humildes e cada vez menos preocupadas em condutas morais. Estamos em plena era do “whatever it takes” e nos arrabaldes de Lisboa a crise prometia fazer selecção natural às pequenas agremiações, cada vez mais satélites dos dois monstros desportivos da capital.
Ninguém sabe se foi alguma vez preciso fazer promessas ou campanha e ainda bem. Não há coisa que este “patrão” odeie mais do que ter de pensar nos retroactivos das aldrabices que promove e muito menos entende como isso deve ser olhado como uma “promessa efectiva”. Nasce o presidente. Um presidente peculiar, que gere o clube como se fosse dele, nunca o tendo comprado…na verdade ninguém queria mesmo saber de onde vinha o dinheiro para as promessas que ia resgatando para os planteis e muito menos alguém fazia perguntas para onde ia o dinheiro quando desapareciam.

Foi muito cedo que a habilidade deste jovem presidente captou a atenção do aldrabão-mor do reino do futebol. Pinto da Costa viu no já promissor clube dos subúrbios de Lisboa uma proto possibilidade de roubar “sangue” aos grandes de Lisboa e foi educando o nosso homem na arte dos negócios à futebol português. A pós-graduação foi rápida e bem cedo o clube e o homem já estavam na grande roda dos esquemas, dos roubos e dinheiros do desporto-rei cá do burgo. Foi através de muitos apadrinhamentos, lucros e chico-espertices que o clube outrora decrépito, continuava decrépito mas a “fachada” dos bolsos do seu presidente chegavam à primeira divisão.
O ego do nosso herói estava nas sete quintas. A bajulice, mentira e corrupção eram à barda neste novo patamar e as horas passavam felizes nos telefonemas de compadrio sobre isto e aquilo contra este e aquele.

Sob o manto de Pinto da Costa, começa a receber jogadores em trânsito do Benfica para o Porto e sempre que possível cola-se ao poder nortenho apunhalando Lisboa de qualquer maneira e feitio. É um comparsa do sistema e conhece tudo o que há para conhecer dos podres do mesmo. A carreira como protegé do papa do futebol português cai num marasmo e é de certa forma repetitiva a tarefa de ser mais um dos lacaios do Porto, e há tantos espalhados pelo país. A fama emperrava.

O Benfica cai de repente numa convulsão natural. Outro aldrabão, este com mais estudos mas muito menos cuidado tomara de assalto o clube de Lisboa e com o tempo a sua ascensão messiânica seria um preâmbulo para a hecatombe. O nosso intrépido presidente via uma janela de oportunidade que poderia fazer continuar uma aproximação gerada com negócios muito lucrativos para si mesmo e à custa de capital benfiquista. Para dispersar colagens não convenientes a Pinto da Costa e ao Porto, o cartão de sócio benfiquista já tinha saltado da carteira várias vezes e não menos que muitas admitia ser agora uma águia “desde o ninho” e um aliado contra…pois é…Pinto da Costa. No vazio de poder que levaria o fantoche Vilarinho ao poder, o nosso sequioso presidente ponderou uma candidatura, mas a “nata” dos, esses sim já famosos barões vermelhos, chumbara-o contundentemente. Aquilo foi a gota de água. O pior que se pode dizer a um ressabiado de carteira é que ele não poderá ter ou ser alguma coisa que outros têm ou são. Meteu na cabeça que ia ser mesmo presidente daquele clube e vingar-se da desonra, custasse o que custasse.

Os negócios da empresa de construção civil começavam a perder fulgor à medida que a especulação perdera as margens de lucros pornográficas e só bancos ávidos de contrair dívida suportavam as enormes operações e ritmo da construção. Os sucessivos governos iam ajudando mas estava na cara que a bolha rebentaria a qualquer momento. A necessidade juntava-se ao desígnio de toda uma vida. Ao chegar a presidente do Benfica, o nosso “velho” macaco de “velhas” aldrabices atingiria um estatuto complicado para a justiça e poder politico ameaçarem e seria o ponto-chave para a consagração do seu nome.

Se não foi à primeira, foi à segunda. O presidente de clube decrépito com fachada de competência ganharia umas eleições ao seu gosto – fáceis. É verdade que teve de prometer muitos proveitos a muitas pessoas, mas o tempo dar-lhe-ia a oportunidade e sobretudo o poder de humilhar todos os barões dando-lhes posição hierárquica à vez e arquitectando mentiras servidas de uns contra outros, criando uma espécie de corte onde a sua figura seria incontestável à medida das promessas de “pão” e “vinho” plantadas por toda a família benfiquista. Quem aceitasse sombra comeria, quem não o fizesse estaria fora. Nada de muito diferente de vender pneus a tolos.

Os primeiros tempos não foram fáceis e precisou de bastante tempo para descobrir que o amigo Pinto da Costa nunca lhe daria colheres de chá de forma gratuita. Apesar de todas as promessas o nosso já não tão jovem presidente estava entre a espada e a parede. Ou renegava o seu mestre ou aceitava o protectorado nortenho. Tentou ir pelo meio, como fazem os bêbados e tal como um…constatou que as visões de glória eram apenas coisas efémeras, o chão continuava sempre a fugir por debaixo dos pés e as quedas eram amnésicas o suficiente para nunca conseguir entender onde falhara. O sistema continuava a ser indomável e inexplicavelmente incoerente. Não havia volta a dar. Para dividir havia que conquistar primeiro. Foi o que fez e durante 3 anos. Jorrou dinheiro para cima do sistema e o mesmo esquema de promessas que lhe tinha garantido o poder no clube. Demorou, mas chegou lá. E ao atingir o Olimpo dos podres mecanismo de poder, chegou às vitórias. As continuadas paradas de vitória estimulariam a vontade de garantir, sempre a qualquer custo, a saciedade das próximas. O poder e o dinheiro são viciantes, mas não há nenhuma droga mais aditiva que o sucesso. O nosso herói conquistara o seu nome, a sua eternidade supérflua, mas descobrira ao chegar ao topo da montanha que a placa com o seus 3 nomes demoraria pouco tempo a suster-se sozinha. O seu sucessor herdaria um clube ou dívidas? Receberia um projecto ou um fracasso? O seu nome seria imortalizado pelo mérito ou pela má gestão?

Colocar um nome na história daria um pouco mais de trabalho e sobretudo necessitaria de legar cofres mais cheios. Pois que sempre soube que o dinheiro é o carimbo universal que sela todas as felicidades, o nosso astro maior resolveu fazer o que nunca ninguém tinha feito, vir do nada e chegar ao tudo, abandonando a montanha em homenagens em vida…com ainda alguma que lhe restasse. Os cafés de outrora na faculdade da malandragem seriam agora resorts de hotéis caribenhos e conversas com árabes ou russos sobre golpes de milhões…mas o engenho por detrás da preguiça estaria sempre lá, intacto. A mentira e o engano teriam de manter-se por mais algum tempo, desta vez com um desígnio diferente…ao nosso herói interessa agora conquistar o lucro de sair do casino ainda com algumas fichas e há todo um clube alicerçado na imundice para lavar. Apenas “lavar” que mudar seria demais, até para as rotinas do nosso destemido e ocioso rapaz dos subúrbios.
Continua…

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca