Talvez não saibas, mas tens-me reensinado a ser do Sporting. E eu, que sempre me esforcei por não deixar o lado racional sobrepor-se ao do gaiato que só quer uma camisola listada e uma bola, bebo esse regresso às origens sem tu dares conta. Observo-te, sorrio, explico-te o que me perguntas, ouço-te entoar os cânticos com genuína emoção e aquele toque de ingenuidade que faz crescer paixões dentro de nós. Sei que és do Sporting por minha causa, mas vejo-te ser do Sporting à tua maneira.

Tens aquele brilho no olhar sempre que dizes de que clube és, quase sempre seguido de um “e tu” lançado em tom de desafio e que praticamente obriga quem não tem as tuas cores a pedir-te desculpa. A tua curiosidade em saber mais e mais sobre o nosso clube é contagiante. As camisolas, as bolas, os equipamentos, do Sporting, claro, passaram a fazer parte das tuas listas de presentes, sejam de aniversário ou de Natal. E entusiasmam-te mais do que uma PSVita. Qualquer altura é boa altura para usares a camisola do Leão Rampante. “Pai, sabes o que é que eu gostava de levar vestido…”, dizes naquele tom tão próprio de menina que tenta convencer-me. Eu sei o que vais dizer, mas finjo que não. E acabo a rir-me, quando a camisola do Sporting é a tua escolha para levares a um baptizado.

Sei que chegarias a esse baptizado com aquele ar que fazes de cada vez que vestes a camisola do Sporting: é como se crescesses mais uns centímetros e quisesses que todos pudessem ver-te assim vestida. Orgulho, acho que é isso que sentes ainda antes de perceberes bem o significado da palavra. “olha, pai!”, beijoca no símbolo a imitar os crescidos quando marcam golos, mesmo que ainda confundas nomes e caras daqueles que não são os teu preferidos (e mesmo que não o sejam, quando joga a selecção sabes o nome dos nossos e o do Ronaldo). Vais ser guarda-redes como o Patrício, dizes tu, enquanto tentas convencer-me a calçar-te as luvas e que a receita perfeita para ficares com sono depois do jantar é jogar à bola no teu quarto (o que vale é que a vizinha de baixo é do Sporting).

Agora que a nova época está a começar em várias modalidades, vais querer ver o hóquei, o andebol, o futsal. E mesmo que o teu zapping apanhe um jogo que esteja a dar em loop na SportingTV, vais vir a correr-me dizer que o Sporting está a jogar e vais festejar os golos que já foram. Na rua, vais fazer uma festa de cada vez que passarmos, de carro, perto do Estádio de Alvalade, coisa que nós, adultos, absorvidos pelo raio do relógio onde cada volta tem hora marcada, tendemos a transformar em rotina. “E o Sporting é o nosso grande amor!”, cantas tu, seja no estádio, seja quando ouves o cântico através de uma transmissão, seja porque apanhámos trânsito quando vou levar-te à escola e aproveitamos para ensaiar. Allez allez allez oh, allez allez allez oh, Sporting allez!

Enquanto me vais contagiando com essa tua felicidade pintada a verde e branco, dou por mim a pensar que tu és uma verdadeira guardiã do Sportinguismo. Tu e centenas de milhares de outras crianças que, sem se esforçarem, nos mostram como deve gostar-se de um clube. E percebo que a minha tarefa e que a tarefa de todos os Sportinguistas crescidos, é tudo fazerem para alimentarem e preservarem essa paixão tão pura. A mesma paixão que nos trouxe até aqui, ao que somos hoje. Sportinguistas convictos, capazes de enfrentar qualquer batalha em nome do seu clube, mas, também, Sportinguistas com cicatrizes que nos inquietam e nos fazem questionar estes anos de esforço, de dedicação e de devoção. Ao olhar para ti percebo que, quando essas questões se levantam, é esse lado de criança que nos faz seguir em frente. Relativizamos os problemas, as dúvidas e o que mais seja porque, no fundo, o que importa é o prazer e o orgulho de vestir aquela camisola e voltar a ser uma criança desejosa de mandar um chuto numa bola. Obrigado, filha.