– Mãe? – O quarto ainda estava escuro e eu procurei o telemóvel, desenfreadamente, pela cama. Com o coração aos saltos, acendi a luz do ecrã e fixei os olhos na data: 3 de Janeiro de 2016. Eu só queria que fosse verdade… – Mãe? Mãe, vem aqui. Por favor!

– São 7:00 da manhã… O que é que se passa? – Olhou-me com um misto de sono e preocupação e sentou-se na minha cama.

– Mãe, promete que não foi um sonho…

– O quê, filha?

– Alvalade. Alvalade estava cheio! Eu nunca vi algo tão bonito em toda a minha vida, mãe. As filas para entrar no estádio pareciam comboios intermináveis e repletos de pessoas felizes. Todos riam, todos entregavam o sportinguismo necessário para criar uma atmosfera inenarrável.

– E tu? Também estavas na fila? – A minha mãe esboçava um calmo sorriso. Tive a sensação de que não me queria deixar nervosa com aquela pergunta, apenas continuar a ouvir-me.

– Sim… Eu entrei muito antes de o jogo começar, mas as bancadas já estavam bem compostas. Estranhamente, estava mais calma do que o habitual. Claro que tinha o corpo ligado a uma corrente eléctrica, mas quando me sentei no topo Sul e comecei a olhar à minha volta, houve algo que me tranquilizou: a comunhão. Entre os jogadores. Entre os adeptos. Entre os jogadores e os adeptos. Entre os adeptos e o treinador. Entre… tudo! Quando tu amas um clube, sentes-te bem quando não há um ponto de conflito, quando não conseguem desestabilizar o teu castelo. O facto de ser possível estarmos focados numa única guerra torna-se uma arma importantíssima.

– Vestiste a armadura? – Brincava com a minha mão, na tentativa de acalmar os meus descontrolos de voz causados pela ansiedade.

– Espera, tenho de te contar uma coisa: no meu sonho, as equipas entraram em campo ao som daquela que é, na minha opinião, a canção mais bonita do Sporting Clube de Portugal… O mundo sabe que

– A mãe viu o vídeo…

– O quê?

– Nada. Continua… Isso tem assim tanto significado?

– É a nossa identidade a transbordar pelos poros e pelas nossas gargantas. É tudo aquilo que queremos que os jogadores sintam, que estaremos sempre a empurrá-los para os manter na frente. É tudo aquilo que queremos que o mundo saiba, que somos doentes pelo amor ao Sporting. No meu sonho, todos os adeptos colocavam bem alto a voz e os cachecóis e eu não quis chorar, mas os arrepios controlaram-me o corpo e, sinceramente, não me recordo se deixei fugir algumas lágrimas. As tarjas cobriam grande parte da Curva Sul. Enormes, possantes. Fizeram-me sentir tão pequenina… Nos primeiros minutos do jogo, andava desesperadamente à procura de uma pequena fenda para conseguir visualizar os nossos guerreiros pela primeira vez. A descarga de energia foi enorme: a magia do cântico, os aplausos ensurdecedores e o início frenético do jogo.

– E a batalha, como correu?

– O Adrien, mãe. O nosso capitão! Sonhei que ele tinha feito a melhor exibição de sempre com a camisola do Sporting Clube de Portugal. Caía em cima dos adversários como uma seta, adornava constantemente as jogadas com pequenos toques de magia, “comia a relva” na tentativa de ganhar e recuperar todos os lances e ainda mandou uma bola ao poste, naquele que teria sido o golo mais merecido da noite, que teria coroado o soldado incansável. O Adrien foi o protagonista do meu sonho, embora os dois golos tivessem sido marcados pelo Slimani e embora o João Mário se tenha apresentado como um autêntico todo-o-terreno. Muito esforçado a apoiar o João Pereira e inteligentíssimo a levar a bola para o ataque. Mãe, promete que não foi um sonho…

– Ganharam por dois a zero? – Questionou-me, tentando demonstrar surpresa.

– Acho que o meu subconsciente me quis contrariar, fazendo-me compreender que o Naldo merece uma oportunidade. Sou fã do Ewerton, mas os arquitectos do meu sonho não o lançaram no onze inicial. Lançaram um Naldo imperial, irrepreensível e com uma leitura de jogo muito acima da média. Ele e o Jefferson conseguiram anular as investidas pelo lado direito com exibições extraordinárias. Claro que adicionaram duas fantásticas defesas do Rui Patrício, para alimentarem a minha paixão pelo verdadeiro herdeiro de Vítor Damas. Sim, ganhámos por dois a zero.

– Ontem chegaste a casa a dizer que tinha sido um sonho e hoje acordas-me e pedes-me para eu te garantir o contrário. Em que ficamos?

Sinto que, ao longo do tempo, começamos a ver a realidade como o primo pobre dos nossos sonhos. Eu acho que os nossos sonhos e as nossas realidades virtuais são parte da realidade. Talvez todos os níveis de realidades sejam válidos”, Christopher Nolan.

 

Texto escrito por Rugido de Uma Leoa, in As Redes do Damas
* “outros rugidos” é a forma da Tasca destacar o que de bom se vai escrevendo na blogosfera verde e branca