Os recentes negócios dos direitos televisivos demonstraram várias coisas. A mais relevante, para mim, é a queda de um mito repetido ad nauseum de que o Carnide tem que receber, por decreto, um valor absurdamente superior ao dos seus rivais. A justificação que as lamparinas dão para este “decreto” tem a ver com o número de adeptos de cada clube. Antes de mais, não há estudos recentes credíveis que demonstrem essa tão grande superioridade e, depois, o número de adeptos é irrelevante para este tipo de negócios. Passo a explicar, o mercado dos telespectadores de futebol está dividido em dois tipos: os adeptos dos clubes e os adeptos de futebol. Os adeptos dos clubes, na minha opinião, são a maioria pelo que um adepto do Sporting vai aumentar o share dos jogos do seu clube mas também vai dar share aos jogos dos seus rivais. Qual o adepto dos Fruteiros que na jornada em que passou para líder não tirou os olhos do jogo do Sporting na Madeira? Quantos lampiões não fizeram o mesmo na esperança de reduzir distâncias? Por outro lado, os meros adeptos de futebol só vêm jogos do campeonato português se os mesmos forem apelativos. Trata-se de pessoas que até podem simpatizar com um determinado clube mas que estão mais interessados em ver futebol pelo lado lúdico do jogo, ou seja, se o jogo for bom abrem uma cerveja e vêm até ao fim, senão, ou mudam de canal ou vão jantar fora porque pura e simplesmente estão-se a cagar para a competição. Estes são os telespectadores que as operadoras querem agarrar porque os outros estão, naturalmente, conquistados.

Aspectos como o potencial da marca, o número de adeptos ou a grandeza do clube sendo sempre considerados estão muito mais relacionados com os patrocínios e publicidade do que propriamente com os direitos televisivos. Nos direitos televisivos estamos a falar exclusivamente de telespectadores e um conteúdo televisivo. É para eles que as operadoras trabalham e esses não aderem a um serviço por clubismo, aderem pelo preço e pela qualidade de todos os conteúdos que o operador oferece, entre eles, o futebol. E se existem 3 clubes a lutar por títulos que, naturalmente, geram mais ou menos o mesmo número de viewers seja pelo acompanhamento do seu clube ou pelo acompanhamento de quem compete directamente contra ele, faz todo o sentido oferecer condições semelhantes aos 3 para que a qualidade aumente e para que a competitividade seja semelhante. Nenhum operador está interessado em diminuir a competitividade entre os 3 grandes porque sabem que quanto mais próximos estiverem entre si, maior será o número de jogos em que conseguem prender os adeptos dos 3 clubes ao ecrã.Tão simples como isto. Como dizem os americanos, “it’s good business”. E foi por isso que a NOS valorizou os direitos do Sporting nos mesmos moldes em que valorizou os direitos do Carnide. Em relação ao conteúdo televisivo, por maior que seja o clube, o que interessa é o espectáculo que ele produz. Como disse acima, existe um mercado por explorar, o dos apreciadores de futebol ou das pessoas que simpatizando ou não com determinado clube, não se interessam pela competição e simplesmente preferem ver um bom jogo de futebol em vez da repetição de um filme que deu há 10 anos ou uma telenovela. E para ganhar esse mercado, o futebol tem de ser de qualidade e o jogo interessante. No fundo, o que as operadoras querem, e faz todo o sentido, é agarrar todos os segmentos de mercado e maximizar o share de cada jogo.

Estes negócios provaram que a propaganda lampiónica apenas serve para enganar os seus próprios adeptos que vão alinhando na mesma, elevam as suas expectativas, incham o peito de bazófia e depois chocam de frente com a realidade. Pelas contas deles, o Sporting devia receber menos de metade das suas receitas apenas porque eles são mais, são bicampeões, etc. Flashnews: ninguém quer saber disso, sobretudo os operadores. O que eles querem é oferecer a maior quantidade possível de conteúdo atractivo para o maior número de telespectadores possível. É aqui que entra o potencial do Sporting. A grande conquista do Sporting neste mercado foi ter contratado o melhor treinador português a treinar em Portugal e ter contratado jogadores de classe como Bryan Ruiz, o que aumentou não só a qualidade do seu futebol como a competitividade em relação aos rivais. Hoje, ver um jogo do terceiro classificado do último campeonato é bem mais atractivo do que ver um jogo do bicampeão. E esta tendência pode perfeitamente aumentar se considerarmos que os treinadores de ambos os clubes se vão manter e que as políticas de contratações não vão alterar. Ou seja, o Sporting investiu na qualidade do seu futebol, ou seja, no produto final que oferece aos telespectadores e o Carnide desinvestiu. E esta é a principal razão do aumento brutal que o Sporting teve das suas receitas televisivas e de publicidade. Os operadores, neste caso a NOS está confiante que o Sporting vai continuar esta trajectória e que vai continuar a produzir bons espectáculos de futebol.

Posto isto, tudo se resume a quem gastará melhor o dinheiro. É por isso que o volume de negócio é irrelevante. Por exemplo, por 2M o Sporting contratou um jogador como Bryan Ruiz que vai espalhando classe pelos relvados portugueses. Pelo mesmo valor, o Carnide contratou um gordo que ainda nem se estreou e pelo triplo desse valor contratou um italiano que já foi recambiado para o seu país. Não quer isto dizer que o Sporting contrata sempre bem ou o rival contrata sempre mal, mas parece-me óbvio que o Sporting está a crescer neste aspecto, muito por influência de Jorge Jesus ao invés do rival que parece ter perdido o norte depois da saída do mesmo. Mais a Norte, a maior transferência de sempre em Portugal vai variando entre o banco e a bancada.

No fim de tudo, o melhor investimento será aquele que apresentar o melhor futebol, logo, o conteúdo televisivo mais atractivo. E quantos mais clubes atingirem as melhores performances e os melhores resultados, melhor para o operador. Imaginemos que o Braga entra na luta pelo título de forma regular. O que é que acontece? A somar aos viewers adeptos do Braga, a operadora conquista todos os outros viewers dos 3 grandes que dão por si a assistir com toda atenção um Braga – Moreirense, porque lhes interessa o resultado. E de repente, um Braga – Moreirense acaba por ter um share parecido a um jogo dos 3 grandes. Portanto, o grande erro do Carnide é pensar que é do interesse das operadoras cavar um fosso entre um grande e os outros dois. Nada mais falso, o interesse é precisamente o contrário, ou seja, torná-los cada vez mais próximos e, preferencialmente, até juntar um Braga ou um Guimarães à festa.

Ora, é isto que o nosso rival não só não entende como também tem dificuldade em aceitar. A sua arrogância é tão grande que acha que todos os negócios se devem fazer por decreto da sua propaganda. E utilizam o número de adeptos como se fosse apenas esse o critério dos operadores (ou o mais importante) ou como se fosse adquirido que o seu clube vai estar sempre forte, sempre a praticar um futebol de qualidade e sempre competitivo. Nada na vida é adquirido ou imutável, nem o número de adeptos, nem o sucesso desportivo nem as crises dos concorrentes. O Sporting é a grande prova disso.

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!