Se estão recordados, há uns tempos escrevi um texto com o título “Sistema 2.0” onde desmontei o novo Sistema que domina o futebol em Portugal. Este texto acaba por não ser muito diferente desse, contendo apenas algumas alterações e actualizações. Porque o Sistema não dorme, reinventa-se e, praticamente todos os dias, surgem situações bizarras no futebol onde se envia para o fundo do poço toda e qualquer ideia de competição justa. Todas essas situações têm um denominador comum: o benefício do clube do Sistema e o prejuízo dos que o tentam enfrentar seja nas instâncias federativas ou dentro do campo.

A arbitragem em Portugal encontra-se, neste momento, no seu ponto mais baixo desde o Apito Dourado. E só sou capaz de fazer a distinção com o Apito Dourado porque neste caso houve condenações (embora demasiado leves). Em termos de qualidade dos árbitros, da sua honestidade (ou falta dela) e da sua personalidade para apitar jogos não tenho dúvidas: estamos mesmo muito pior. E atenção, um árbitro não é apenas um dos 4 elementos responsáveis por apitar um jogo de futebol, é todo o agente desportivo ou institucional que tem a responsabilidade de arbitrar ou seja, ajuizar situações que envolvam os clubes e decidir justamente conforme os regulamentos.

Há razões para esta crise e passo a enumerar:

1) Impunidade criada pelo Apito Dourado
O Apito Dourado, mesmo tendo produzido condenações a nível desportivo, criou um sentimento de impunidade e todos sabem disso, sejam eles árbitros ou dirigentes. Hoje, é mais fácil ser corrupto embora o tipo de corrupção tenha sofrido um upgrade o que que torna cada vez mais difícil prová-la. Se antes se aliciava com prostitutas e viagens, hoje alicia-se com emprego e com promoções de carreira

2) Sistema de carreiras dos árbitros
Hoje, é muito fácil chegar a árbitro do primeiro escalão, sobretudo se obedecer determinadas “directrizes”. Não faz qualquer sentido um árbitro como o Fábio Veríssimo chegar a internacional sem ter feito um único jogo no principal escalão. Não sei se é o único nestas condições mas a verdade é que, de repente, começámos a ver uma série de novos juízes como o que referi, o Tiago Martins ou o Luís Ferreira a apitarem jogos da Primeira Liga e, imagine-se, jogos importantes como a eliminatória da Taça em Braga ou o jogo do Sporting com o Tondela. Obviamente que estes árbitros não têm a experiência suficiente para estas andanças mas a verdade é que cá andam e apitam jogos importantes. E há um padrão: se olharmos para as carreiras desta nova vaga de árbitros verificamos que antes de chegarem à Primeira Liga andaram a “espalhar classe” na Segunda e no CNS. E no caso da Segunda Liga, com as equipas B dos grandes, existe um padrão que se mantém agora que estão no maior escalão. As tais “directrizes”. Diria que esta nova vaga de árbitros fez o seu derradeiro teste na Segunda Liga, e como passaram com distinção, subiram. Isto seria perfeitamente normal se o teste se baseasse nos seus méritos. Aqui o “teste” não é mais do que beneficiar a equipa B do clube do Sistema e prejudicar os seus rivais. Porque é preciso, desde bem cedo, deixar bem claro que há claras vantagens para os árbitros se seguirem as tais “directrizes”. Uma espécie de aquecimento para o que lhes espera no principal escalão.

3) Observadores
O observador é uma peça chave na nova corrupção porque é ele que valida a estratégia montada. Ninguém sabe quem são, ninguém sabe como são escolhidos e ninguém sabe as avaliações que dão. Está aqui uma enorme zona cinzenta para a desonestidade. Reparem, estamos a falar de pessoas que têm o emprego dos árbitros nas mãos. As suas avaliações influenciam directamente o futuro de um árbitro. Talvez por isto é que um inexperiente Fábio Veríssimo chega a internacional num piscar de olhos e um dos bons árbitros como o Marco Ferreira teve de se reformar por ter sido despromovido. Ora, se ninguém sabe de nada, que garantias é que as pessoas têm de que as avaliações são honestas? Nenhumas. A falta de transparência na observação e avaliação dos desempenhos dos árbitros é o maior convite para a corrupção. E é de uma tremenda ingenuidade pensar que em Portugal, pátria de Camões mas também do Apito Dourado e do Calabote, que todo este obscurantismo não gera oportunidades de aliciamento ou corrupção. Ou que essas oportunidades não estão a ser exploradas por quem manda no Sistema.

4) Liderança
Vítor Pereira é o líder da arbitragem e ainda não lhe ouvimos uma palavra sobre o que se está a passar e que levou a que Portugal não tenha sequer um árbitro no próximo Europeu. Parece claro que nem a Uefa confia na arbitragem portuguesa e o maior responsável é ele. Estamos a falar de um indivíduo que tem as piores características que um líder pode ter. Não assume responsabilidades, é parcial, não defende os árbitros e deixa os melhores queimarem em lume brando em detrimento de outros que ainda têm tudo a provar. Por causa de Vítor Pereira já perdemos Pedro Henriques e Marco Ferreira que, na minha opinião, eram do melhor que tínhamos e que apenas tinham um grande defeito: eram independentes (leia-se, não seguiam as dirctrizes). Estamos a falar de dois árbitros que tecnicamente eram bons, beneficiavam o jogo com um critério largo e acabaram “excomungados” por intervenção directa do clube do Sistema. É incrível como os Veríssimos, os Ferreiras, os Santos, os Capelas e os Motas por cá vão ficando e os que falei tiveram de abandonar. Porque é que isto acontece? Porque uma ferramenta importante do Sistema são as nomeações. E quando todo o sistema de nomeações é baseado na premissa “os melhores árbitros para os melhores jogos” e depois vemos que é raro ver um internacional a apitar um jogo do Sporting ou mesmo do Porto, verificamos que as nomeações servem dois objectivos: o primeiro é não expor em demasia os melhores árbitros, o segundo é promover esta nova vaga ávida de demonstrar que foi bem ensinada.

5) Corrupção
Com tantos problemas e tanto terreno para a impunidade, é óbvio que tinha de haver corrupção. Mas é uma corrupção muito sofisticada embora, bastante fácil de desmontar. Quem é que corrompe? O Benfica. Quem é o alvo da corrupção? Vítor Pereira. O que é oferecido? Poder. Quanto a dinheiro ou outros benefícios, parece-me que não, tendo em conta o facto do Apito Dourado ainda ser muito recente. Mas também nem era preciso já que poder é e sempre será a melhor commodity do futebol portugués. Quem o tem controla outros, mantém um cargo importante e acalenta o sonho de subir na pirâmide. Portanto, o Benfica oferece o seu apoio e de todos os clubes e instituições que lhe prestam vassalagem para o manter no cargo. O VP faz o resto. E o que é o resto? Controlar os observadores e os árbitros instruindo-os para apitar e a avaliar de determinada forma. E como as avaliações são confidenciais e só o dito é que tem acesso, a recompensa ou o castigo é feita por critérios definidos por si e mantidos na penumbra até, no final da época, subitamente aparecer uma lista de promoções e despromoções incompreensível para o senso-comum. Depois, o medo dos árbitros faz o resto. Medo de perder um emprego muito bem remunerado numa altura de crise e medo de ir contra um Sistema que, no fundo, fez deles aquilo que eles são hoje. Ao mesmo tempo, o clube do Sistema vai dando uns “miminhos” a todos os intervenientes dos jogos (4 jantares de luxo entregues a árbitros, delegados e observadores em todos os jogos que participa) apenas para reforçar a instrução de Vítor Pereira.

Para alguns, creio que uma minoria, já que tudo isto é visível e desmonstável por qualquer criança que ande atento ao futebol português, é capaz de surgir agora um pensamento do tipo “Eh, lá! Grande teoria da conspiração que para aí vai!”. Será? Os factos dizem o contrário:

1) Vítor Pereira tem o apoio público do Benfica a ponto de ter dado uma entrevista que bem podia ter sido dada pelo seu presidente. E já nem sequer tentam esconder esta promiscuidade. Já no passado, numa das raríssimas aparições públicas do dito, foi para justificar erros e fazer “mea culpa” sobre arbitragens que envolveram o clube do Sistema. Em mais nenhuma ocasião fez o mesmo com qualquer outro clube.

2) O Benfica, durante pelo menos 2 anos, ofereceu jantares a árbitros, delegados e observadores num pack que ultrapassa, em valor máximo possível, os limites impostos pela Fifa. Tudo isto foi escondido ou mantido em segredo até BdC denunciar em directo na televisão. Este facto foi ocultado dos relatórios dos árbitros durante este tempo todo.

3) Olhando para este ano apenas, o Benfica é o único clube da Primeira Liga ao qual não foi assinalado um penalty ou mostrado um cartão vermelho durante 19 jogos do campeonato. Por exemplo, o líder do campeonato já teve 2 expulsões e, salvo erro, 4 penaltys contra. E se juntarmos o ano anterior, estamos a falar de quase um ano inteiro civil sem assinalar penaltys contra o clube do Sistema.

4) Marco Ferreira acusou publicamente Vítor Pereira de pressão aos árbitros, incluindo a ele próprio antes dos jogos contra o Benfica antes de ser despromovido. Depois de o ser, deu uma entrevista a reforçar essas denúncias. Nenhum árbitro veio desmentir.

5) O próprio Marco Ferreira foi um dos raros árbitros que no ano passado assinalou penaltys e/ou expulsões contra o Benfica motivando um linchamento público do clube do Sistema ao mesmo. Acabou despromovido e teve de abandonar a arbitragem.

6) As únicas avaliações de árbitros conhecidas esta época foram apenas em 4 jogos. Três do Sporting e um do Porto. Em todos eles foram especificados os lances que motivaram a má nota e todos esses lances representaram um benefício para os dois rivais do clube do Sistema. Outros lances dos mesmos jogos que prejudicaram os mesmos não foram sequer mencionados. (eis o papel do observador). Por exemplo, no Sporting- Tondela, o árbitro teve nota negativa não pelo lance do penalty e expulsão de Rui Patrício ou pela dualidade de critérios que demonstrous mas, imagine-se, por ter assinalado erradamente um penalty a favor do Sporting e corrigindo a decisão após indicação do assistente. Ou seja, errar e corrigir o erro no momento é mais penalizador do que errar e seguir em frente, desde que o objectivo seja cumprido: demonstrar que se na dúvida o Sporting for beneficiado, a cabeça do árbitro é decepada no relatório do observador. Em mais nenhum outro jogo foi divulgada a nota do árbitro, em particular o Guimarães-Benfica, um dos jogos mais polémicos desta temporada e que resultou num benefício escandaloso do clube do Sistema.

7) A maioria dos clubes da Liga votou a favor do sorteio, o que condicionaria em grande parte o poder de Vítor Pereira. A vontade da maioria não foi respeitada porque a FPF não ratificou a decisão e VP manteve intactos os seus poderes.

8) O resultado prático de toda a influência exercida, ao nível da disciplina, visível neste link (O meu agradecimento ao Mister do Café)

Mas a influência do Benfica não começa nem acaba na arbitragem em campo. Esse é apenas um dos braços do Sistema. O outro, quiçá mais importante, são os órgãos de disciplina. Reparem que no mesmo dia em que se instaura um processo ao Slimani a pedido do clube do Sistema, processo esse que é aberto através de uma situação sem precedentes (nas competições da FPF não estão previstos processos sumaríssimos), o Conselho de Disciplina arquiva o processo do Kit Cortesia. Já a participação do Sporting relativa a agressões dos jogadores do Benfica no mesmo jogo foi arquivada de imediato. Já não se trata de desconfiar de coincidências, já se ultrapassou há muito essa fase. Neste caso específico, o CD abriu um precedente. Veremos se vai ser coerente no futuro.

Portanto, se antes era oficioso, agora tornou-se oficial:
O BENFICA É O DONO DO NOVO SISTEMA, CONTROLA TODOS OS ÓRGÃOS ARBITRAIS DO FUTEBOL EM PORTUGAL E UTILIZA-OS PARA RETIRAR VANTAGENS DENTRO E FORA DO CAMPO.

Para terminar, tenho de deixar uma mensagem a todo o adepto benfiquista que se digne a ler este texto. Eles reclamam para si a denúncia do Apito Dourado, numa altura em que ainda nem haviam escutas no youtube. Todos sabemos que a denúncia partiu de Dias da Cunha mas até dou de barato o facto de terem dado continuidade à luta que o Sporting iniciou e, justiça lhes seja feita, de forma muito mais eficaz. Não me causa espécie nenhuma reclamarem esses louros. A pergunta que deixo no ar é simples: que factos, situações, ocorrências, incidências, etc..é que eles tinham ao seu dispor para darem seguimento à dura batalha do Apito Dourado? Não faço ideia, mas suponho que se tenha baseado fundamentalmente nas arbitragens dentro do terreno de jogo em benefício do Porto e em prejuízo dos seus rivais. Suponho que nessa altura repito, ainda sem escutas disponíveis, não existiam provas concretas de corrupção. Pois bem, o padrão repete-se. Tudo aquilo que o Benfica combateu no passado está a acontecer agora com factos e indìcios muito, mas muito mais evidentes. Aliás, já não são apenas “indícios”. É factual e unanimemente aceite pela imprensa e restante comunidade futebolística que o Benfica controla os órgãos de decisão do futebol português. Porque raio é que o Sporting (ou qualquer outro clube) não pode combater isto? Porque agora é o Benfica que está no poder? Porque é que a luta de há 10 anos era necessária e esta já não é? Porque é o Sporting que a faz? Que gozem enquanto podem. Mas que nunca se esqueçam do seguinte: aqueles que, outrora, conseguiram derrubar um Sistema, também eles podem cair. Nenhum Sistema corrupto perdura na eternidade. A sua queda é uma inevitabilidade.

PS: O novo argumento do clube do Sistema vai ser dizer que tudo foi arquivado. E é precisamente aqui que lhes cai a máscara. Porque os mesmos órgãos que criticavam antes acusando-os de parcialidade e até de corrupção são os mesmos que hoje defendem para justificar o arquivamento dos processos. Subitamente, o futebol português está limpo, os órgãos são todos isentos e devemos todos confiar nas suas decisões. E é aqui que percebemos todos que, efectivamente, o Sistema mudou de mãos.

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!