nogueira_2013Malcolm Allison, treinador campeão nacional no Sporting, dizia que a equipa tinha dois génios: António Oliveira e este antigo médio, que cansava só de ver jogar. Ao longo de duas temporadas, verteu suor sem parar ao serviço do nosso Clube, tornando-se num dos preferidos do público de Alvalade. NOGUEIRA teve uma passagem marcante pelo Sporting, apesar deste antigo médio ter representado o nosso Clube apenas durante duas temporadas (1981/82 e 1982/ 83). Tempo suficiente para ter deixado uma marca indelével no futebol de grandes equipas «leoninas», que ganharam as três competições nacionais referentes à época de 1981/82.

“Foi maravilhoso ter tido a possibilidade de representar o Sporting. O grupo de trabalho era extraordinário, éramos todos muito amigos e unidos e tínhamos muita raça. A equipa era madura e eu era dos mais velhos, a seguir ao Meszaros, pois cheguei ao Sporting quando estava quase a fazer 30 anos. Havia outros jogadores muito experientes, como o Manuel Fernandes e o Jordão e «malta» nova, como Inácio, Litos, Carlos Xavier, Mário Jorge, Barão, Ademar, Virgílio… Era uma mescla muito interessante”, começa por referir, acrescentando os nomes de Malcolm Allison, “um verdadeiro líder que era um treinador e um psicólogo extraordinário e João Rocha, um presidente fantástico”. O meio-campo daquela altura era formado por três operários: Nogueira, Ademar e Virgílio, cuja forma de jogar facilitava a vida aos «génios» António Oliveira, Manuel Fernandes e Rui Jordão. “Se não fosse aquele trio no meio do terreno não teríamos tido tanto sucesso. Para além de exímios «ladrões de bola», tínhamos boa técnica e fazíamos bons passes à distância. Era um meio-campo rotativo, sem posições fixas”, conta, reconhecendo que “lá na frente havia três foras-de-série”, destacando Rui Jordão, que considera “um dos melhores pontas-de-lança de todos os tempos, com uma classe inigualável e marcador de golos de todas as formas e feitios”. Quanto a Manuel Fernandes, diz que “é um grande homem, das melhores pessoas que algum dia existiram no mundo”. E como jogador, “um grande talento e um avançado com grande sentido de oportunidade”. Outra característica daquela fantástica equipa era o espírito de união. “A nossa amizade fora e dentro do campo era impressionante, como nunca mais vivi no futebol. À terça-feira, que normalmente era o dia da nossa folga, íamos almoçar todos juntos”, sublinha.

Mas evidentemente que o sucesso só seria possível se a equipa tivesse qualidade. “Éramos possivelmente a equipa que na altura melhor futebol praticava na Europa. Marcávamos muitos golos e Malcolm Allison dizia-nos para darmos espectáculo. Ele preferia ganhar por 5-4 do que 1-0… Para além de termos ganho tudo em Portugal, não fomos às meias finais da Taça dos Campeões Europeus, em 1982/83, por um triz, depois de termos sido afastados pela Real Sociedad, devido a um livre estranho dentro da área apitado por um árbitro romeno, que marcou falta ao Meszaros a pedido do público. Ele nem viu o lance, pois estava de costas! Mas teve medo dos adeptos e marcou falta. Infelizmente, foi golo”, lamenta.

Para Nogueira, entrar em Alvalade com a camisola do Sporting vestida era sempre especial. “O Estádio estava cheio em todos os jogos, com cerca de 50 mil espectadores nas bancadas. Uma vez, com o CSKA, joguei com cerca de 90 mil pessoas! Até adeptos na pista de tartan havia… Era um grande público, sempre a puxar por nós durante os 90 minutos”, elogia. Um dos jogos que recorda com mais saudade foi o da consagração do título de campeão nacional. “Ganhámos ao Rio Ave, por 7-0, com cinco golos do Jordão, depois de na jornada anterior termos vencido no Estoril, por 3-0. Foi uma festa indescritível no Estádio, quando me recordo desse dia até me emociono”, confessa.

Nogueira era um homem de poucos golos, não hesitando na escolha do melhor que marcou. “Foi com a Espanha, na minha estreia como internacional A de Portugal, em 1981. Peguei na bola a meio-campo, passei a bola por baixo das pernas do Camacho [que, anos mais tarde, seria treinador do Benfica], à entrada onde área, voltei a pôr a bola por entre as pernas de um adversário e à saída do Arconada, que na altura era o melhor guarda-redes do mundo, meti-lhe a bola também por baixo das pernas!”, descreve. Os jogos que mais o motivavam eram disputados com o Benfica. “Atenção que eu entrava sempre motivado, mas com o Benfica havia mais entusiasmado, pois costumo dizer que tenho dois clubes em Portugal, o Sporting quando ganha e o Benfica quando perde. Não gosto nada, nada do Benfica e, felizmente, nunca perdi com esse clube ao serviço do Sporting”, enaltece.

Nogueira revela que podia ter chegado mais cedo ao Sporting. “Ao longo da minha carreira, errei ao assinar contratos longos, de três anos. Quando estava no Boavista, recebi um convite do Sporting. Lesionei-me no joelho e fiz a minha recuperação em Alvalade, com o médico Branco do Amaral. Foi o próprio Sporting que me operou e estava previsto que assinasse pelo Sporting na época seguinte, mas o Valentim Loureiro (presidente do Boavista, na altura) pediu muito dinheiro. Acabei por chegar a Alvalade com quatro anos de atraso, tendo assinado em Fevereiro, quando ainda faltava disputar muito da época de 1980/ 81”, conta. E jogar no Sporting foi o concretizar de um sonho. “Estamos a falar do maior Clube português, o mais ecléctico e o que tem mais títulos conquistados. Por outro lado, não entra em guerras e tem uma massa associativa pacífica”, considera.

Depois de uma época de tanto sucesso, em 1981/82, causou surpresa a ausência de títulos na temporada seguinte. Nogueira explica o que correu mal. “Tínhamos a melhor equipa, mas o Malcolm Allison saiu e o António Oliveira passou a jogador-treinador, não rendendo o que deveria como futebolista. Esse foi um dos nossos males, na minha opinião. O Oliveira raramente treinava, por isso, como poderia chegar aos jogos e render?”, questiona.

No início da temporada de 1983/84, Nogueira foi dispensado e acabou por representar o Recreativo de Águeda nas suas últimas quatro temporadas como futebolista. “Já tinha 32 anos, mas na época anterior até tinha sido titular indiscutível e o meu contrato só terminava um ano depois. Mas disseram-me que o António Oliveira não contava comigo. Isto apesar do treinador até ser o Joseph Venglos, só que o Oliveira tinha muito poder… Se calhar, ficou com ciúmes por eu ter sido considerado o melhor médio do campeonato quando fomos campeões e a ele não lhe ter sido entregue qualquer prémio!”, atira, não escondendo que ficou mal impressionado com Venglos: “Treinou-me poucas vezes, mas foi dos piores técnicos com quem trabalhei”.

O ANIMADOR DE SERVIÇO
Hoje em dia, é usual Nogueira juntar-se a muitos dos seus ex-colegas do Sporting, em almoços de confraternização. “Dou-me com todos, pois eu era a animação do balneário. Quando eles, por vezes, estavam tristes ou nervosos, eu chegava e conseguia fazê-los rir, pois eu estava sempre «na palhaçada» e a contar anedotas. Só de olhar para mim, eles já se riam”, confessa. Nogueira gostava muito de brincar com o guarda-redes húngaro Meszaros. “Ele ficava no mesmo quarto do que eu e o António Oliveira e fui eu quem lhe ensinei quase tudo daquele português mais… especial, o dito calão da Alcântara. A sopa, o Sumol e a água tinham outros nomes, pelo menos quando era o Meszaros a fazer o pedido aos empregados (risos). Meszaros que era conhecido por fumar, até nos jogos. “Ele, ao intervalo, dava sempre umas «passas» e à noite no quarto, levantava-se e fumava”, confirma.

Nogueira era um dos preferidos dos exigentes adeptos «leoninos», como o próprio reconhece. “Gostavam muito, muito de mim! Uma vez, num jogo com o Benfica que ganhámos por 3-1, saí a cinco minutos do fim, para receber os aplausos. Foi todo o Estádio de pé, em êxtase! Nessa altura, nem liguei muito, mas hoje em dia, reconheço todo o carinho que tinham por mim e que fez com que eu me sentisse tão bem no Clube”, diz. Sem falsas modéstias, reconhece que foi importante para o sucesso do Sporting. “O Malcolm Allison costumava dizer que havia dois génios na equipa do Sporting: eu e o António Oliveira. Lembro-me de que comecei muito bem a minha primeira época no Sporting, estive em grande plano no estágio na Bulgária, antes de começar o campeonato. Além de ser bom tecnicamente, era alguém que estava os 90 minutos a lutar. Jogava na direita, na esquerda, no centro, ia à frente, ia atrás, enfim, não parava… E metia bem a bola a 20, 30 metros, os meus colegas diziam-me que nunca tinham visto alguém que metesse bolas com tanta precisão, ao milímetro”, refere.

Reconhecendo que era um jogador duro “mas não maldoso”, Nogueira tinha um adversário que o tirava do sério. “O Rodolfo Reis, médio do FC Porto, era muito maldoso, pior do que o Paulinho Santos! Uma vez, deu um soco ao António Oliveira, que ficou a sangrar. Logo a seguir, quando o árbitro estava de costas, dei uma cabeçada ao Rodolfo Reis, que ficou no chão, sem se conseguir levantar”, confessa.

NEGOCIANTE DE PEIXE
Depois de acabar a carreira de futebolista, treinou algumas equipas secundárias, antes de trabalhar no jornal «O Jogo». “Era chefe de expedição e trabalhava à noite, controlando as tiragens do jornal. Fazia a contagem e indicava para onde as várias edições deviam seguir. Só me deitava às 4 da manhã, mas, às 14 horas, já estava pronto para o serviço outra vez”, recorda. Entre 2001 e 2006, esteve desempregado, até encontrar outra vocação: é negociante de peixe e, mais uma vez, «vive» à noite. “Eu compro aquilo que vendo, tenho sempre tudo controlado. Desloco-me a três restaurantes, para ver o que eles precisam e se sobrar alguma coisa, vendo no meu bairro, Alcântara”, conta.
E como é uma noite normal de trabalho?
“Saio de casa à meia noite e meia, regresso às cinco e durmo apenas duas horas até às sete, altura em que vou aos restaurantes. Mas antes, durmo entre as 21h30 e a meia noite”, reconhecendo tratar-se de “uma vida muito cansativa”. E se durante o Inverno trabalha apenas três vezes por semana, nesta época, fá-lo todos os dias, por ser a época da sardinha.

RINAUDO
Quando questionado sobre o jogador do actual plantel do Sporting mais parecido com a sua forma de jogar, Nogueira não hesita na resposta. “O Rinaudo, sem dúvida. Luta durante os 90 minutos, sem desistir e já é mais jogador. Agora já não dá tanta «pancada» e sabe definir muito melhor as jogadas. E deve ser um bom amigo dos colegas, de outra forma não seria capitão”, defende. A época da nossa equipa de futebol esteve muito longe de corresponder às expectativas, mas a evidente melhoria verificada nos últimos meses faz com que Nogueira acredite numa boa prestação em 2013/14. “Temos muitos miúdos com grande qualidade e a equipa já mostrou classe, parando ou acelerando o jogo, conforme as situações. Bruma, Eric Dier, Tiago Ilori, André Martins, Ricardo Esgaio, Zezinho, Betinho, João Mário… não nos faltam futebolistas de enorme valor e por isso, acho que vamos fazer uma boa campanha na próxima temporada”, antevê, considerando que “se não houver revoluções e com a aquisição de um bom ponta-de-lança, em dois ou três anos o Sporting pode ser campeão nacional, porque temos ouro na nossa Academia”. Nogueira dá o exemplo do Ajax. “Acabaram de se sagrar campeões holandeses pela terceira temporada consecutiva, com imensos miúdos da formação. A história deste clube é sempre a mesma: uma aposta enorme nas escolas e mesmo que durante alguns períodos de tempo fiquem alguns anos sem ganhar e até em quinto ou sexto lugares, mais tarde ou mais cedo a qualidade vem ao de cima e eles ganham”, realça.

Jornal Sporting – 22/05/2013

 

 

 

ESCRITO POR Nogueira82
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