Nestas alturas é comum escutar-se a expressão “por cada Leão que cair, outro se levantará”. A verdade é que, no momento em que Moniz Pereira ganha a eternidade, fica a certeza de que há Leões que, quando caem, deixam um vazio. E o melhor que temos a fazer é levantarmo-nos todos para aplaudir, primeiro, e para, em conjunto, servirmos o Sporting acreditando ser possível torná-lo cada vez maior. E sempre que duvidarem desse nosso desejo, usemos as palavras que o Professor Moniz Pereira usava quando duvidavam do seu sonho de ter atletas portugueses de nível internacional: «Deem-nos possibilidades de demonstrar!»
Até sempre, Mário. E obrigado por tudo.
Nos últimos anos, o ritmo de trabalho deixou de ser tão frenético e praticamente já não saia de casa, no bairro de São Miguel, em Lisboa. Quase se desligou do atletismo e teve tempo para voltar a ouvir música, como fado, de que era talentoso cultor. Um dos seus sucessos é o “Valeu a pena”, que Maria da Fé celebrizou.
“Sempre fiz o que gosto com muita felicidade”, assegurava aquele que Manuel Sérgio chamou de “maior treinador de todos os tempos”. E o caso não é para menos: ‘fez’ oito campeões de nível mundial e olímpico, a começar pelo lendário Carlos Lopes.
A ‘chama’ do “velho leão’, que Carlos Lopes abraçou logo que se sagrou campeão olímpico da maratona, em 1984, em Los Angeles, apagou-se hoje, suavemente, em casa.
Mário Moniz Pereira, nascido a 11 de Fevereiro de 1921, em Lisboa, foi a referência do atletismo nacional no pós-guerra, especialmente depois do 25 de Abril. Sempre ao serviço do Sporting, de que era sócio número 2, e muitas vezes com a ‘camisola das quinas’. Mas, fazendo da defesa do atletismo uma constante, próxima da intransigência.
Pelo Sporting foi, sucessivamente, atleta, seccionista, treinador e, por fim, vice-presidente, a partir da direção de Santana Lopes.
Acabado o Liceu, entrou para o INEF, actual Faculdade de Motricidade Humana. Já depois da II Guerra Mundial, dava aulas como assistente e iniciava os primeiros passos como treinador no clube.
O contacto com o estrangeiro, a partir de 1948, deu-lhe experiência. Aprender, sempre, era o seu lema.
A consagração, só veio depois de 1974, após muitos anos de luta e quando já centenas de atletas lhe tinham passado pelas mãos.
Conseguiu para os seus atletas a dispensa de meio dia de trabalho e isso foi o arranque para uma verdadeira “avalanche” de sucessos, com destaque para os títulos olímpicos e os recordes mundiais.
Duro e exigente no dia-a-dia, a ponto de ganhar fama de obstinado e fanático, era venerado por quase todos que com ele trabalharam.
Uma coisa não se lhe podia negar: o empenho militante com que defendia os interesses da modalidade, em contraposição com o futebol.
Portugal vive numa “ditadura futebolística”, dizia para quem o quisesse ouvir… ele que até foi preparador físico da seleção nacional e muitas vezes era visto na tribuna da direção ‘leonina’, a assistir a jogos do ‘desporto-rei’.
Irónico, mordaz, espírito vivo, apadrinhou iniciativas como a Associação de Amizade Portugal-Portugal, uma humorada ‘resposta’ às associações de amizade que profileraram a seguir à ‘revolução dos cravos’.
O comando direto do atletismo do Sporting deixou-o após Barcelona”92. Mas o ‘senhor atletismo’ – como já era chamado – não esqueceu a sua velha paixão. No seu gabinete na sede do ‘leão’ continuava a preencher os seus caderninhos de registo de resultados, instrumento de trabalho inseparável desde há décadas. E a seguir tudo o que se passava na modalidade.
De vez em quando, descia à pista, afastava com diplomacia o treinador e dava o treino, cronómetro na mão, como nos velhos tempos. E nos bastidores, tudo passava por ele e analisava ao pormenor os adversários do Sporting, decidindo em última instância quem competia.
Quando já lhe faltavam as forças para ir até ao estádio, teve o prazer de ver o atletismo do seu clube de sempre ser assumido por um dos seus discípulos principais – Carlos Lopes, com que conquistou duas medalhas olímpicas.
1 Agosto, 2016 at 13:25
RIP Prof. Moniz Pereira, perda irrecuperável de um grande homem que tanto fez pelo atletismo nacional.
1 Agosto, 2016 at 13:27
A lenda vive!
… E perdurará.
1 Agosto, 2016 at 13:28
Não existem palavras suficientes que possam fazer o elogio ao Senhor Atletismo.
O Sporting e Portugal ficaram mais pobres. Um obrigado do tamanho do mundo, pelo que fez ao longos dos anos e ajudou a engrandecer o nosso Sporting.
Descanse em paz.
1 Agosto, 2016 at 14:24
Alguém consegue decifrar que de que ano é o casaco do professor, que hoje aparece na capa do jornal Record?
1 Agosto, 2016 at 14:30
Não anda por aí o fanático do verdebranco.net? Alguma pista sobre o casaco?
1 Agosto, 2016 at 14:38
Trolha, bem vindo de novo. E desculpa lá qualquer coisa que tenha dito. Também faço minha culpa no que se passou naquele dia. Saudações Leoninas.
1 Agosto, 2016 at 15:08
Texto da Sara Moreira:
Cresci a vê-lo aparecer na minha televisão, vi-o como treinador de grandes campeões, a primeira vez que o vi ao vivo, foi uma enorme emoção.
Uma altura numa final de clubes sentei-me ao seu lado e fiquei deliciada ao perceber como assistia ao atletismo, rapidamente começou a falar comigo e a ensinar-me tanta coisa, sonhei fazer parte do seu projecto e em 2007 quando o telefone tocou e do outro lado ouvi “é o Professor Moniz Pereira” acho que tudo em mim parou, acabou por não se cumprir naquela altura o seu desejo mas a minha admiração e o meu respeito mantiveram-se, celebrei os anos de vida que orgulhosamente assisti sempre que coincidiam com campeonatos nacionais e o meu carinho por Si foi sempre Enorme. Se há coisa que lamento é não ter sido atleta no seu tempo de treinador… Quando em 2013 foi homenageado na Gala dos Globos, senti um enorme orgulho pertencer á família que ele tanto amava, á família do Atletismo, pedi-lhe esta fotografia e ele com aquela voz doce olhou para mim e disse-me “a menina vai longe”
Felizmente ainda ingressei no seu Clube a tempo de lhe dedicar juntamente com toda a equipa a Taça dos Clubes Campeões Europeus, assim quis o destino!
Recordarei-o sempre com muita saudade Professor, forme muitos campeões lá no céu e Cuide do seu Atletismo e do seu Sporting.
Até sempre Sr. Atletismo.
1 Agosto, 2016 at 15:09
Obrigado por tudo Sr. Atletismo! Descansa em Paz. Até Sempre! ……………………………………………………………………………………………………………..
1 Agosto, 2016 at 15:19
Fico triste que o Professor tenha partido sem que alguma vez a SCP TV se tenha lembrado de entrevistá-lo, sabendo que estaria próximo o dia da sua partida. Já nem digo entrevistá-lo, mas sim começar a compilar trabalho, documentários, sobre esta grande referência leonina! Não me recordo do nome do responsável pela SCP TV antes da vinda do Rui Miguel Mendonça, mas estava mais que visto que o gajo não dava uma de jeito. A vaidade, ou a boa imagem não chegam para se trabalhar nestes postos, onde a responsabilidade é enorme. Que sirva de lição, para aqueles que agora chegaram à nossa TV.
Ando a dizer isto desde o 1º dia de emissão. Ide à procura das nossas referências, tratem de entrevistá-los! Fazer documentários! Porque um dia vão fazer muita falta!
Já chega de babacas como esse ex-director da SCP TV. Só de ouvir a voz dele já ficava com a cabeça cheia de dores.
1 Agosto, 2016 at 15:33
Quem era o gajo? Ainda está na Sporting TV?
1 Agosto, 2016 at 15:11
WOW!!!!
1 Agosto, 2016 at 15:25
Ao ler as vossas homenagens, faltam-me as palavras, rolaram-me umas lágrimas. É a melhor homenagem que vos presto, sportinguistas da Tasca,
a si Professor Moniz Pereira.
1 Agosto, 2016 at 15:32
Muito obrigado Professor Mário Moniz Pereira, por tudo que deu ao nosso SPORTING, ao nosso país mas sobretudo por ser o Homem que foi. Houve -se mais Moniz Pereira em Portugal e seriamos com certeza um muito melhor país. Eterno como todos os enormes.
1 Agosto, 2016 at 17:33
Uma pequena história pessoal (tenho várias, a última das quais com o TITÃ já nonagenário mas todavia mais lúcido que 90% da população local) com o Professor: idos de 1979, eu miúdo praticante (de outra coisa que não de Atletismo) que vou a Alvalade 3 vezes por semana, chegando um par de horas antes dos meus treinos, tal era o meu gosto por ali andar. Uma tarde cruzo-me com o próprio e, com o descaramento dos pirralhos, pergunto-lhe “sou Sportinguista, sócio e ‘atleta’ do clube; posso ir correr para a pista?” “Sportinguista do futebol ou dos desportos todos?” retorquiu ele. “Dos desportos todos”. “Então, podes”.
A alegria que um dos Maiores Leões de todos os tempos me proporcionou ao permitir-me correr “ao lado” de Lopes, Mamede e de todos os grandes campeões de corta-mato de então, irá comigo para o túmulo.
1 Agosto, 2016 at 18:07
Mário Alberto Freire Moniz Pereira, o Senhor Atletismo. O SCP ficou mais pobre. Foi atleta, desportista, professor, treinador, director do SCP, escritor, poeta, músico e um Grande Sportinguista. Paz à Sua Alma.
1 Agosto, 2016 at 19:51
O Sr. Atletismo será, juntamente com o “eterno” Presidente João Rocha, com Agostinho, com os cinco violinos, e muitos outros (!) mais um anjo no céu, a gritar pelo nosso SPORTING!
Saibamos honrar a sua memória e nunca deixar cair o atletismo, ou perder o ecletismo, neste nosso grande clube!!!
Infelizmente fomos na conversa dos croquetes e não fizemos um estádio, mas sim um campo de futebol.
Saibamos no futuro corrigir tais erros!
Descanse em paz Sr. Mário Moniz Pereira!
Saudações leoninas!!!
1 Agosto, 2016 at 20:25
Descumpem os meus amigos, mas li no “Expresso”
E achei muito interessante…e por isso aqui deixo para que quem tiver paciencia possa ler…acreditem que vale a pena…:
“… “Tive muitos desgostos, como toda a gente, mas acho que a vida compensa tudo”
01.08.2016 às 16h480
Tive-muitos-desgostos-como-toda-a-gente-mas-acho-que-a-vida-compensa-tudo
“Transpira optimismo e boa disposição. Considera a falta de pontualidade uma ofensa pessoal. Praticou quase todos os desportos, foi professor e é a grande referência do século XX no atletismo português.” Assim foi apresentado Mário Moniz Pereira, uma das personalidades ouvidas para a série “O que a vida me ensinou”, pelo jornalista do Expresso Valdemar Cruz, em texto publicado na Revista Única em fevereiro de 2005. Leia ou recorde o relato na primeira pessoa feito pelo Senhor Atletismo, então com 84 anos
Valdemar Cruz
VALDEMAR CRUZ
(texto)
João Carlos Santos
JOÃO CARLOS SANTOS
(fotos)
JOÃO CARLOS SANTOS
Gostei muito de ter nascido. Não sei se sou otimista. Sou realista. Ao contrário dos portugueses, que estão sempre a queixar-se, eu gosto muito do fado. Sou muito fadista, mas sou um fadista feliz. O fado não é só tristezas. Toda a minha vida fiz aquilo de que gosto. Nunca precisei de ninguém para me motivar. Eu é que motivo os outros. Tive muitos desgostos, como toda a gente, mas acho que a vida compensa tudo. Nós não damos valor nenhum ao que temos. No jornal só dizem que somos os piores nisto e naquilo. Parece que têm vergonha de dizer que somos melhores em algumas coisas. Sempre disse que o Carlos Lopes e a Rosa Mota eram os melhores do mundo. Não temos amor-próprio. Somos muito mauzinhos para os portugueses.
Não sou político. Nunca fui adepto de nenhum partido. Disso sei pouco. No 25 de Abril senti que todas as pessoas estavam muito satisfeitas, e eu também, mas tenho de dizer que nunca tive grandes problemas na época passada. Talvez porque não sabia nada de política. E, no entanto, o meu amigo de infância é o Mário Soares. A polícia entrava por minha casa para ver se apanhava o João Soares, pai dele. Nós escondíamo-lo. O meu pai e a minha mãe eram os primeiros a protegê-los. Nasci na Rua Gomes Freire, em Lisboa. A rua está quase igual. É mesmo ao lado do Hospital Miguel Bombarda. Mário Soares morava no segundo andar. Assistia às competições, de atletismo, salto em cumprimento, corridas de barreiras e salto à vara que eu fazia no meu quintal, que era muito pequeno. Não dava para fazer nada de especial. O Mário Soares, que será mais novo que eu uns cinco ou seis anos, assistia ao colo da minha mãe.
Foi uma infância divertida. Sempre gostei muito de açúcar. Ainda hoje ponho três colheres no café e quatro no chá. Como eu tinha a mania do atletismo e a Ovomaltine, por cada X número de invólucros de tabletes de chocolate dava um cronómetro, eu comprava chocolates para ter cronómetros em casa. Quando ia para a praia, na Costa de Caparica, enquanto os outros miúdos levavam uma bola, eu levava uma corda para o salto em altura e o cronómetro. Punha o meu irmão e as minhas primas e primos a correr e saltar. Eu é que organizava, mas também fazia tudo. Fez-me muito bem para o meu futuro de professor de educação física. Entrei nos campeonatos universitários de futebol, andebol, basquetebol, hóquei em patins, natação. A nível oficial, estive no hóquei em patins, no ténis de mesa, no atletismo, no basquetebol. Não sou uma pessoa normal. Aos 10 anos era vizinho de Salazar Carreira, a sumidade máxima do atletismo português nessa altura. Era um homem de grande cultura desportiva. Nas traseiras do nosso prédio, já na Avenida da República, havia um vaivém com um cestinho. Ele punha o «L’Équipe», um livro referente ao atletismo ou jornais da época. Quando havia alguma coisa, tocava-se uma campainha, e lá ia buscar as coisas. Isso influenciou-me muito. Após a sua morte, e por sua indicação, a família doou-me muitos livros.
O atletismo continua a ser a minha vida. Estou há dez anos na direção do Sporting. Nesse período estive em 331 provas de atletismo, 173 jogos de andebol, 92 encontros de ténis de mesa, 40 campeonatos de natação e 80 jogos de futebol. Não sou sócio da seção de futebol do clube. Sou o sócio n.º 2 do Sporting Clube de Portugal. Entrei para sócio em 1922, antes de o Gago Coutinho e o Sacadura Cabral terem atravessado o Atlântico. O atletismo é a única modalidade em Portugal em que os seus campeonatos não são televisionados, apesar de, até hoje, mais nenhuma outra ter ganho medalhas de ouro olímpicas. Desportivamente falando, o nosso país é uma ditadura futebolística.
O meu pai foi o primeiro português a dar a volta a Portugal em automóvel. Tinha uma garagem chamada Auto-Lisboa, na Avenida da Liberdade, muito perto dos Restauradores. Era o representante dos automóveis FN – Fabrique National, que era belga e hoje em dia só fabrica armas. Quando chegava um carro novo, íamos experimentá-lo para o Campo Grande, onde aparecia um carro de 15 em 15 minutos, a ver se dava 100 km por hora. Ele era do Automóvel Club de Portugal e entrava em concursos hípicos. Era um desportista. A minha mãe nunca se opôs a nada. Facilitavam tudo o que fosse preciso.
Recebi uma educação bastante boa, do tipo nem oito, nem oitenta. Não é como hoje. No meu tempo oferecia-se o lugar às senhoras no autocarro. Ainda faço isso. A rapaziada de agora não liga nenhuma a essas coisas e tem uma linguagem que eu, mesmo entre os homens, nunca utilizei. A educação é fundamental. Entre as coisas importantes da vida estão o casamento, a família, a profissão. É todo um conjunto de coisas que fazem a vida.
Hoje há uma leviandade muito grande com o casamento. As pessoas não sabem o que é que querem, de que é que gostam. Os meninos namoram uns meses, poucos, depois casam, exigem à família um casamento que custa pelo menos três ou quatro mil contos. Vão passar a lua de mel a Cuba, ao Brasil ou ao México e passados três meses divorciam-se. Comigo é assim: andava no Instituto Nacional de Educação Física, acabei o curso, depois fiquei lá como professor, porque me convidaram para ser assistente da parte do atletismo e do voleibol. Havia uma colega minha, que entrou comigo, que conheci nessa altura. Começámos a namorar no 2.º ou 3.º ano, andámos juntos ano e meio ou dois anos e ao fim desse tempo casámos. Já lá vão 58 anos. Temos cinco filhos, 11 netos e uma bisneta. Passámos a lua de mel em Campo de Ourique. Isto não é uma brincadeira. E dada a minha vida, estive muito fora do país.
Participei em 12 Jogos Olímpicos. São mais de 48 anos de olimpismo. No verão ia para os Jogos. A família ficava cá e eu não acompanhei como devia ter acompanhado a educação dos filhos. Nisso, a minha mulher foi excecional. Para compensar a minha falta em momentos importantes, passei a organizar os Congressos da Família Moniz Pereira. Foi um êxito. Aquilo é bem organizado, com um plano horário para cumprir. Há horas para o ténis de mesa, para a natação ou para o rali pedestre. Falo-lhes das férias grandes em Sintra, casa do avô paterno, um homem muito irascível. Não nos deixava andar de bicicleta ou sair, nem para ir ao cinema. Era solicitador encartado. Quando ia a Lisboa, íamos acompanhá-lo à estação. Íamos para o comboio das nove, mas ele saía com tanta antecedência que apanhava o anterior. Aí, fui influenciado por ele. Sou pontualíssimo, não só por causa do atletismo, onde um segundo atira um atleta do primeiro para o oitavo lugar. Para mim, chegar atrasado é como uma ofensa pessoal.
No fim de cada Congresso há um exame escrito sobre a família. Eu é que faço o ponto. No último estávamos 86, alguns vindos dos Açores.
Sou um felizardo. Ainda hoje não me trocava por um qualquer menino de vinte e tal anos. Deus me livre. Andam por aí todos podres. Sou capaz de saltar para cima de uma mesa, mas tenho a noção das minhas capacidades. Fui ao Campeonato do Mundo de Veteranos, na Suécia, e fiquei em 3.º lugar. Só me ganharam os americanos. Depois também participei nos Europeus, mas a partir de determinada altura disse que não podia fazer mais aquilo, porque podia ter uma rutura muscular ou cair para o lado. Mas gosto muito de andar. Faço uns exercícios de ginástica em casa. Há pessoas que nunca fizeram desporto e quando chegam aos sessenta anos é que se lembram de começar a correr. Isso não. Digo-lhes que morrem. Nunca fui um atleta excepcional, mas fiz um bocadinho de tudo.
JOÃO CARLOS SANTOS
SOU UM SENTIMENTAL
Fui fazer o serviço militar na Cavalaria. Nunca tinha andado a cavalo. Foi ótimo para mim, porque fiz a cavalo coisas que nunca sonhei que seria possível fazer. Se hoje não tenho medo de nada é por causa disso. Cometi as maiores barbaridades por todos os campos do Vale do Tejo. É inacreditável o que se fazia em Torres Novas com os cavalos. Fiz as piores coisas que se possam imaginar, e nunca caí, salvo no primeiro e no último dia. Tive uma sorte medonha. Nunca mais andei a cavalo.
Não gosto de viajar. Não é bem o não gostar de viajar. Não gosto de sair daqui. Não tenho tempo para visitar nada, porque faço sempre a vida do atleta. Quando saio de Portugal, ao fim de oito dias estou ansioso por voltar para casa. Por muito bem que esteja quero voltar, porque acho que tivemos uma sorte tremenda de nascer num país à beira-mar plantado. Basta abrir a televisão para vermos as desgraças que há por todo o lado. Além disso, para mim, Sintra é o sítio mais bonito do Mundo.
A minha primeira grande viagem foi aos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. Estive quase três semanas em Inglaterra. Foram três atletas do Sporting e um do Benfica. Não foi nenhum técnico. Como eu era treinador do Sporting, escrevi uma carta ao Comité Olímpico, oferecendo-me, sem me pagarem nada, para ir, colaborando com eles na preparação. Com muita admiração minha disseram que sim.
Comparar os Jogos de Londres com os atuais é qualquer coisa de inacreditável. Tinha acabado a guerra, havia grandes dificuldades em Londres com a alimentação e parte da cidade estava arrasada. Não é nada comparado com o que se passa hoje, em que o vencedor ganha um Mercedes. Nos Jogos de Londres tive a dez metros de mim o lançamento de disco, por uma senhora francesa, pianista profissional. Pela primeira e última vez na vida levei uma máquina fotográfica do meu pai. Foi uma chatice, porque andava sempre agarrado àquilo. Resolvi tirar-lhe uma fotografia. Estou na bancada central, há uma vedação, atravesso a pista, chego ao pé da senhora, tiro a fotografia, o polícia olha para mim e pronto. Isto hoje não se pode fazer em Portugal, quanto mais nos Jogos Olímpicos. O hino comove-me logo. Sou um sentimental. Tive cenas em que chorei perdidamente, de alegria. Ainda hoje, se for rever o recorde do Mundo dos 10 mil metros, em Estocolmo, com o Carlos Lopes e o Fernando Mamede, estou a ver as imagens e comovo-me.
Emociono-me da mesma maneira a ver um filme. O que me emociona mais não é ver alguém morrer. É, por exemplo, um maestro que tem uma orquestra formidável e ver toda a gente de pé, a bater palmas. A consagração de uma pessoa que é homenageada por fazer coisas extraordinárias, emociona-me. Eu só podia ter sido duas coisas: ou o que sou, ou qualquer coisa ligada à música, como pianista ou maestro.
ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
TENHO BOM OUVIDO
Fiz o hino da família. Tenho 124 músicas na Sociedade Portuguesa de Autores e não sei nada de música. Não sei uma nota. Tenho muito bom ouvido. Toco piano, mal, mas toco tudo. O meu avô tinha um piano lá em casa. Eu ia ver os filmes do Vasco Santana, chegava a casa e tocava as músicas. Não sei explicar como é. Nisso sou bom. Tenho um ouvido muito grande.
Posso ser muito patriota ou nacionalista, não sei. O que sei é que sou muito português. Isso de certeza. Quando começam a dizer que a música portuguesa é pimba, rio-me e pergunto o que chamam àquelas músicas inglesas com uns versos inacreditáveis. O texto da música portuguesa é o melhor da Europa. Não fui eu que fiz, foi o Ary dos Santos, o Vasco Lima Couto, a Rosa Lobato Faria. Todos os dias ouço na rádio o “My Way”, do Sinatra, o “Night and Day”, do Cole Porter. Isto é antigo.
A palavra que mais vezes se diz na rádio é o “ai”, mas não é o “ai Mouraria”, nem o “o ai ó linda”, é o “I am”, “I go”, “I believe”, “I love you”. Ouve-se uma música inglesa e aquilo é só “ai, ai, ai” e as pessoas acham bestial. Gosto de toda a música, exceto a música de 220 volts com guitarras de arame farpado, acompanhada de tambores de cavalaria 7. Essa não gosto. Sou muito conservador em muitas coisas.
O que me dá mais prazer na vida é a vida. Acho que as pessoas não sabem viver. Lamentam-se constantemente. Uma pessoa tem que estar sempre apaixonada por qualquer coisa. Por um livro, por uma mulher, por uma causa. E não pode desistir ao primeiro contratempo. Caso contrário, a vida não tem interesse nenhum….”
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Mais uma vez…
Obrigado Professor…por tanta lição de vida…!
SL
1 Agosto, 2016 at 20:49
Que entrevista formidável. Muito obrigado por partilhar senhor Max.
1 Agosto, 2016 at 21:38
Que classe! Meus amigos, isto é puro Sportinguismo da primeira à ultima linha. Um verdadeiro manual do que deve ser um Sportinguista: está lá tudo, esforço, dedicação, devoção e glória. De facto, somos (mesmo) um clube diferente!
1 Agosto, 2016 at 20:33
Descanse em paz professor.
Obrigado por tudo o que deu ao Sporting.