Numa das suas mais trauteadas músicas, Caetano Veloso canta «gosto muito de te ver, leãozinho, caminhando sob o sol». E foi, precisamente, para matar saudades do Leão Rampante que, numa tórrida tarde de verão, mais de 42500 pessoas marcaram presença em Alvalade, dando um claro sinal que a onda verde não perdeu a força com a mudança de época.

Restava, então, saber se a mecânica da equipa também continuava afinada, agora que os jogos para ganhar pulmão, força nas pernas e consistência táctica davam lugar à disputa de pontos e de títulos. Sem Slimani, Jesus cumpriu o que vinha prometendo, lançando Alan Ruiz no papel de ponta de lança, mas surpreendeu ao colocar João Mário como o seu parceiro mais próximo. Bryan surgia na esquerda, Gelson à direita e, atrás deles, as outras duas surpresas: Jefferson e João Pereira, embora a pré época do português tenha dado indícios que Schelloto não pode dormir descansado.

E foi, precisamente, pela direita que o Sporting procurou canalizar as suas primeiras acções ofensivas. Adrien e William engoliam o centro do terreno, ajudando a encostar o Marítimo lá atrás e, ao fim de três ameaças, Alan surge bem posicionado pela direita, mas o remate com a canhota sai fraco para defesa do redes. Mudança de lado, com cruzamento de Jefferson a dar a João Mário a oportunidade de fuzilar à entrada da área. O remate sairia torto e torta seria, também, a abordagem da nossa defesa à primeira investida do Marítimo, à passagem dos 15 minutos de jogo. A bola percorreu toda a área e deixou Baba a gritar golo antecipadamente. O que o avançado insular se esqueceu foi que na baliza verde e branca está um tal de Patrício, Rui Patrício, que fez uma defesa monumental.

Indefensável seria a cabeçada de Coates, volvidos cinco minutos, na sequência de um canto. Mesmo abraçado, o central uruguaio fuzilou as redes adversárias e fez Alvalade festejar pela primeira vez. João Pereira continuava a descer pelo seu corredor, mas notava-se a ausência de um homem de área. E Gelson veria um defesa tirar-lhe um golo quando se preparava para rematar. Com tudo isto entrávamos nos últimos dez minutos da primeira parte e o Sporting baixou o ritmo e a concentração. Aproveitou o Marítimo para equilibrar a partida e causar novo calafrio, com Ghazaryan a conseguir desviar de Patrício, mas a ver a bola embater na barra.

O intervalo chegava em boa altura e, no recomeço, Jorge Jesus lançou Bruno César no lugar de Jefferson. Efeito directo ou não e já com o relvado totalmente à sombra, o Leão avançou para 15 minutos verdadeiramente asfixiantes. Encostando o adversário às cordas, o Sporting procurava o KO, com Gelson em destaque: primeiro, arrancou como flecha e rematou cruzado para defesa; depois, numa das mais belas jogadas do encontro, combinou com João Pereira e tirou um cruzamento a régua e esquadro para João Mário falhar por centímetros o remate de primeira. Um minuto depois, grande envolvimento colectivo, com Adrien a partir da direita para o centro, a deixar em Alan Ruiz (óptimas indicações do argentino, tecnicamente muito evoluído e a mostrar um discernimento táctico exemplar, mesmo sujeito ao desgaste de ser quem mais vezes aparecia entre os centrais) e o camisola 19 a fazer a assistência para João Mário. O remate do Mago seria defendido, mas a carga continuava com o apoio das bancadas.

Coates estaria a um palmo de fazer o segundo da equipa e da sua conta pessoal, mas a bola não tardaria a entrar. Gelson, outra vez, ganhou a linha e cruzou para o desvio de Bryan a meias com um defesa maritimista. Era o prémio mais o que merecido para um fantástico recomeço de jogo, com Adrien e William a subirem a linha de pressão (William apareceu várias vezes a pressionar à saída da área adversária) e fazerem com que o adversário fosse metido numa teia de onde não encontrava forma de sair. E, quando tentava fazê-lo, levava com um tal de Semedo, outra das grande exibições da tarde.

E foi assim que, vagarosamente, até porque as pernas ainda pesam (que o diga Bryan, apesar daquela maldade junto à linha, como que a querer competir com a cueca do Alan, ainda na primeira parte), que o jogo foi caminhando para o final. Adrien ainda ensaiou um livre a cheiar a 3-0, mas o último grande momento seria a ovação, de pé, a João Mário, substituído a dois minutos do final. Cheirou a despedida e, a confirmar-se, Jesus terá que repensar um puzzle que, para a semana, já terá a peça Slimani e que, até final de agosto, deverá sofrer alguns ajustes. Para já, fica a mensagem clara de que o Leão regressa pronto para brilhar. Mesmo que seja à sombra.