Aos 50 anos, Jorge Mendes é reconhecido internacionalmente como um dos homens mais poderosos no mundo do futebol. Ao longo da sua carreira enquanto empresário, já fez movimentar mais de 600 milhões de euros em transferências e perto de 65 milhões de euros em comissões. É o responsável pela gestão da carreira de jogadores como Cristiano Ronaldo, James Rodríguez ou Ángel Di Maria. É ele quem negoceia os milionários contratos de José Mourinho e também tem palavra na gestão de alguns dos principais clubes europeus.
No entanto, as bases do seu “império” são pouco conhecidas. Pippo Russo, jornalista e sociólogo italiano, lançou, no passado dia 27 de setembro, o livro “L’orgia del potere” – em português, “A orgia do poder” – onde questiona as ações do empresário. Agora, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, levanta o véu sobre o seu trabalho.
Porquê Jorge Mendes?
Há muitos anos que tenho vindo a estudar o fenómeno a que chamo de economia paralela do futebol mundial, que é como que uma economia formal que usa o futebol para produzir ganhos financeiros para levar para fora do futebol. Neste sistema económico, Jorge Mendes é, na minha opinião, mas não só, o principal ator. Hoje em dia, Jorge Mendes é a pessoa mais poderosa do futebol, acima do presidente da FIFA e dos presidentes dos grandes clubes. É o grande ponto de concentração de poder económico, político e de influência no futebol. Tendo isto em conta, comecei a focar-me em Jorge Mendes como um fenómeno social.
No seu livro, propõe-se a descobrir como é que se procedeu esta ascensão. A que conclusão chegou?
Quando Jorge Mendes começou a sua carreira no mundo do futebol, era um total ‘outsider’, até mesmo na esfera de poder em Portugal, que nessa perspetiva é um país muito conservador. Fiquei muito impressionado ao observar como um total ‘outsider’ como Jorge Mendes descolou e se tornou no homem mais poderoso do futebol português, e, depois, do futebol de todo o mundo. Por aquilo que consegui investigar e interpretar, Jorge Mendes teve a sorte de aproveitar as grandes oportunidades, mas observei também uma espécie de coincidência de interesses com um certo mundo financeiro português.
Os melhores jogadores cujas transferências foram intermediadas por Jorge Mendes no início do milénio, faziam parte do primeiro fundo de investimento português. Portugal testou, antes de qualquer país europeu, um formato de fundo de investimento, em 2002, através do grupo Orey e do Banco Espírito Santo. Foi formado, em primeiro lugar, por jogadores do Sporting, e, depois, do FC Porto. Os principais jogadores em que estes fundos apostaram, eram agenciados por Jorge Mendes. Há uma extraordinária coincidência de interesses que provam que Jorge Mendes e esses fundos são aliados. Este facto específico assinala uma grande diferença entre Jorge Mendes, que, nessa altura, era um agente emergente, e José Veiga, que era o mais poderoso agente.
O que os diferencia?
Jorge Mendes é um aliado do mundo das finanças, mas nunca teve a tentação de, ele próprio, se tornar num homem das finanças. Por outro lado, José Veiga era um homem das finanças e lançou a sua agência na bolsa de valores de Paris. Teve um grande momento de soberba, em que perdeu a noção dos limites. Este é o segredo do lançamento de Jorge Mendes. Foi muito cauteloso, tornou-se um superagente, mas nunca quis ser um homem das finanças.
Este verão, Mino Raiola acabou por ‘faturar’ mais do que Jorge Mendes. Interpreta isto como um sinal de que este “império” pode estar prestes a ser ultrapassado?
Quando um império atinge o zénite, começa a entrar em decadência, e esta é uma dinâmica histórica. Mas não é possível ter a certeza porque, ao mesmo tempo, Jorge Mendes está a expandir o seu império para fora da Europa, principalmente para a China. Não está apenas focado no futebol, mas também numa dimensão de matérias económico-financeiras. Se falarmos do crescimento do futebol na China, falamos do desenvolvimento de uma matéria específica, que é a economia do entretenimento. O futebol é uma peça-chave desta economia e, se Jorge Mendes está expandir a sua área de poder nesta direção, faz sentido que perca alguma tração no que toca ao futebol. Os sinais do último mercado de transferências dizem-nos que Jorge Mendes está a perder controlo. O combate com Mino Raiola diz-nos que, talvez, esteja em risco de perder parte do seu poder. Não sei se este é esse momento, mas, certamente, Jorge Mendes está no nível máximo do seu poder. Repito: Quando um império chega ao seu nível máximo, começa a decair.
Quão extenso é este “império”?
Jorge Mendes montou o seu império em Portugal e nunca perdeu contacto com o futebol português, especialmente com clubes de pequena e média dimensão, como Rio Ave, Sporting de Braga, Paços de Ferreira, ou, mais recentemente, Vitória de Guimarães e Moreirense. Entretanto, foi construindo relações com os três principais clubes; primeiro o FC Porto, depois o Sporting e, mais recentemente, o Benfica, que é o seu clube de referência em Portugal. Agora não tem relações com o Sporting. Tem uma nova amizade com o FC Porto, que, durante um certo período, esteve menos forte devido à presença e influência da Doyen. Agora, em Portugal, tem uma relação especial com o Benfica.
E a nível internacional?
Jorge Mendes tem uma extensa rede no futebol europeu. Os clubes de referência são Manchester United, Mónaco, Atlético de Madrid e Valência. Há também uma relação especial com o Wolverhampton, que foi o clube que juntou Jorge Mendes ao seu amigo na China, Guo Guangchang, da Fosun. Há também outros clubes, como Chelsea, Barcelona, Real Madrid ou Bayern Munique, que é algo de completamente novo.
O que é que os grandes clubes têm a ganhar com esta rede?
Não ganham. Temos exemplos de uma circulação de jogadores controlados, de certa maneira, por Jorge Mendes, que foram contratados mas nunca jogaram no Atlético de Madrid, foram sucessivamente emprestados. Ainda em 2015, Bernard Mensah foi contratado, mas foi emprestado ao Getafe e voltou ao Vitória de Guimarães. Podemos ver o mesmo com Diogo Jota. Foi comprado pelo Atlético de Madrid, nunca jogou no Atlético de Madrid, e foi emprestado ao FC Porto, que voltou a ser um aliado de Jorge Mendes. Em termos de economia racional, não consigo compreender os benefícios para esses clubes. Talvez tenham outros benefícios que, claro, não compreendo…
Sendo um negócio tão obscuro, isso pode acabar por afastar as pessoas do futebol?
Hoje em dia, o futebol é um dos maiores negócios do mundo, é um pilar central na economia de entretenimento, que é a grande economia do século XXI. Tendo isso em conta, é natural que o futebol atraia muitos interesses privados, cujas intenções não são claras. Temos interesses obscuros, atores obscuros, finanças obscuras, que entram no futebol por razões diferentes para atingir objetivos distintos. Infelizmente, o futebol será cada vez mais sujeito a interesses obscuros. Se as instituições governamentais e a opinião pública não estiverem atentas a este tipo de evolução, o futebol estará cada vez mais em risco de ser controlado por interesses obscuros.
Chegou a falar com Jorge Mendes ao longo da sua investigação?
Não, nunca falei com Jorge Mendes, não foi do meu interesse. Levei a cabo um trabalho de análise à figura de Jorge Mendes, recolhi matérias públicas a seu propósito e também matérias pouco conhecidas. Não sei quantas pessoas sabem que Jorge Mendes, num certo período, viajou para o Vietname para organizar um torneio com Cristiano Ronaldo. Não sei quantas pessoas em Portugal sabem que Deco, um dos primeiros colaboradores de Jorge Mendes no Brasil, tem uma grande relação com a Federação de Futebol do Gabão. Há muito da esfera de interesses de Jorge Mendes que descobri ao escrever este livro. Quando acabei de escrever, senti que muitas outras coisas podiam ter sido contadas no meu livro, mas foram deixadas de fora, porque tinha que acabar e e publicá-lo. Sinto que, se tivesse mais um ano para escrever outro livro, duplicaria a dimensão deste.
Sempre foi muito crítico, não só de Jorge Mendes, como da Doyen. Chegou a receber algum contacto?
Sim, da Doyen. Tentaram dialogar comigo, mas respondi-lhes dizendo que, se quisessem falar comigo enquanto jornalista, estava disponível para entrevistar Nélio Lucas. Mas uma entrevista com perguntas reais, não domesticadas. Rapidamente esse contacto foi suspenso. Da parte de Jorge Mendes, nada. Não procurei contactá-lo, e, claro, nem ele a mim. Não vejo problema nisso. Fiz o trabalho que tinha de fazer e, ao fazê-lo, não houve a necessidade de contactá-lo.
nota da Tasca: em 2017, o livro de Pippo Russo deverá ter uma versão em Português
8 Novembro, 2016 at 16:48
estou ansiosa de ler este livro …. mas pelos vistos só em 2017 🙁
8 Novembro, 2016 at 16:49
Se tivesse mais um bocado de tempo ja tinha feito aqui um pequeno resumo deste excelente livro … tenho o privilegio de conhecer o Pippo e só temos todos que agradecer o excelente trabalho que esta a fazer ….
8 Novembro, 2016 at 21:04
Enquanto amantes do desporto (futebol em particular) e enquanto Sportinguistas.
8 Novembro, 2016 at 16:51
ando desatenta aos jornais desportivos ( bem comprar já nao compro para aái há uns 4 anos ) agora nem ao site dos ditos cujos vou … mas saiu alguma noticia relacionada com este livro ?
8 Novembro, 2016 at 17:02
Saiu em todos Bela 🙂 com honras de primeira página! 🙂 🙂 🙂
Z
8 Novembro, 2016 at 17:22
já me estas a enganar 🙂 !!!!!!!!! não leio essas coisas ranhosas …mas porque será que ninguem quer saber disto pah …isto é importante
8 Novembro, 2016 at 19:19
Como uma vez o José Manuel Delgado respondeu a um Tasqueiro (salvo erro foi publicado aqui): “Vocês querem estragar o futebol!” (ou algo assim)
8 Novembro, 2016 at 17:01
Gosto particularmente desta passagem em relação à circulação de jogadores:
“Em termos de economia racional, não consigo compreender os benefícios para esses clubes. Talvez tenham outros benefícios que, claro, não compreendo…”
A prudência desta frase, mostra que Pippo Russo, de parvo não tem nada. Bastará dizê-lo e piscar um olho para que toda uma sala, até de crianças, perceba que ele compreende muito bem mas reserva-se ao direito de não o dizer 😉
8 Novembro, 2016 at 17:36
Muito importante isto que ele diz…não li o livro mas vou ler! Eu acho que hoje em dia poucas pessoas não vêem o poder e a força do Jorge Mendes no mercado internacional, bem como a lavandaria e os acertos de contas…
Mas o importante é perceber qual é a gravidade do JM ter este poder todo?! De onde vem o dinheiro na origem?! Uma coisa é ver a máquina a funcionar outra é perceber por onde é que ela começa! O JM tem só peso no que toca ao mercado de transferências ou tem poder de gestão e de decisão nos “seus” clubes?! Qual o peso do Jorge Mendes na FPF?! Qual o peso do JM no controle dos media e do que eles dizem dos seus jogadores?!
Para mim o mais grave que encontro são 2 coisas:
1º A sensação que o futebol é apenas uma lavandaria Jorge Mendes, onde entra dinheiro sujo, é lavado e saí retirando a comissão dele…
2º O JM (ou qualquer outro) não pode ter na mão (como tem) 5/6/7 clubes da mesma liga! O JM quer valorizar os seus jogadores, só o fará ganhando…como sabemos que o JM não diz aos jogadores (ou a alguns) para facilitarem em certos jogos especiais (conforme lhe convier na classificação) com promessa de contrato futuro?! Como temos esta garantia?! Eu sei que não sou o único com a sensação que isto faz parte do trabalho do JM…
O impacto que a lavandaria mendes tem nas diversas máquias (clubes) para mim é algo que não me aquece nem arrefece, desde que não seja o Sporting uma delas.
Mas curiosamente o peso do JM em Portugal nunca se discutiu, antes pelo contrário, como habitualmente em Portugal os pacóvios ainda batem palmas ao português dá cartas lá fora…
8 Novembro, 2016 at 17:56
Tiago, indirectamente é algo que pode afectar o Sporting.
O nosso clube é tudo menos bem visto pelo JM por diversas razões, mas assim que nos declarámos “fora do sistema” o alvo que já tínhamos nas costas ficou ainda maior.
Como frisaste e bem, quando certos jogadores facilitam a jogar contra certos clubes, há o outro lado da moeda de esses mesmo jogadores darem tudo o que têm e muitas vezes o que não têm contra outros clubes.
Pegando no recente jogo contra o Rio Ave, quantos jogos ganharam após vencerem o jogo connosco? Não quero ser mauzinho, mas se ganharam um foi muito. Não vou desculpar a nossa fraca exibição e má preparação com o facto de o adversário ter mostrado atitude de querer ganhar, que aliás é uma coisa que qualquer equipa deve ter, mas questiono será que foi só para ganhar 3 pontos? ou havia mais alguma coisa em jogo?
Outra coisa, que já há anos me incomoda e que pouco se fala…o DIAP está sem acreditação, quantas equipas não aproveitam esse factor para obter vantagem a jogar contra nós? E digo isto porquê? Esse Gil Dias do Rio Ave parecia o Messi a jogar contra nós, depois disso que é feito do moço?
O monstro tem muitos tentáculos…
8 Novembro, 2016 at 18:08
Sim…para mim esse é o ponto mais importante, a verdade desportiva (a par da moralidade de onde vem o dinheiro e de eu não querer que o meu desporto sirva para lavar dinheiro sujo de droga ou armas). Quando disse que não queria saber do impacto nos outros clubes era no impacto financeiro, porque muitas vezes se defende o fim deste tipo de coisas por serem maus para os clubes que os recebem. O que eu acho é que este tipo de poder deve acabar porque é mau para o desporto e para a verdade desportiva, independentemente do impacto financeiro que tem nos clubes…
8 Novembro, 2016 at 18:28
Digo-te uma coisa, esperava muito sinceramente, que este escândalo de corrupção da FIFA originasse uma série de investigações a todos os elementos menos claros do futebol (agentes, fundos, etc.)…Fool’s hope, como me enganei.
8 Novembro, 2016 at 17:51
Pouco sumo. Espero que o livro vá mais longe. Gostava de lá ver o Orelhas do Carnide a ser besuntado de merda (ainda mais do que já está).
8 Novembro, 2016 at 18:17
Tiago
Dizes:
“O impacto que a lavandaria mendes tem nas diversas máquias (clubes) para mim é algo que não me aquece nem arrefece, desde que não seja o Sporting uma delas.”
Embora esteja descansado em o Sporting não estar na esfera do JM, fico ou estarei preocupado se o “poderio” dele tiver interferência nos resultados dos jogos dos lampiões ou porcos com os clubes satélite e em detrimento dos resultados por tabela dos jogos do nosso Sporting!! Por exemplo a época passada os benfas deram cabaçadas em diversos jogos com clubes que nós muito dificilmente ganhámos ou perdemos pontos!
E há mais, que é lavagem de dinheiro; as vendas dos lampiões ao Valência/Atlético Madrid tudo na ordem dos 15M€; isto não cheira a lavagem de dinheiro?????
E ainda, o “jogo da mala” e os resultados combinados!!!!
É preciso que o Sporting esteja atento a estas manobras de bastidor!!
SL
8 Novembro, 2016 at 18:22
Sim…já percebi que me expliquei mal! 🙂
Eu quando disse isso estava a falar do impacto financeiro deste poder nesses clubes…na altura da Doyen muitas vezes se argumento contra o fundo por ser contra o interesse dos clubes em que participava. Ou seja o impacto financeiro que estes fundos ou empresários têm nos “seus” clubes…
Quanto à verdade desportiva é como digo no meu 2º ponto…é um dos pontos mais importantes e o porquê de eu achar que tudo isto deveria ser combatido com a força toda e com toda a urgência…
8 Novembro, 2016 at 18:29
Agora por falares em Doyen, como está o processo do Sporting??!!
Nunca mais se falou disso.
Julgo que a decisão do tribunal suíço já devia ter saído.
SL
8 Novembro, 2016 at 18:45
Palpita-me que o JM podse muito bem “sair chamuscado” um dia em que de embrenhe mais nos negócios na China…
Vocês já todos ouviram falar das “tríades chinesas”…
Como diz o Pippo Russo…
O futebol é neste momento “um grande negócio”…
Pois é…muito dinheiro (e nem todo “limpo”…)…
Sabem o que isso quer dizer em termos “de negócios” com chineeses…?
Isso mesmo…um dia o Jorge Mendes vai aparecer aí num canto qualquer…”com a tripalhada ao sol…!”
SL
8 Novembro, 2016 at 19:56
Tenho as minhas dúvidas Sr. Max, os chineses ou qualquer outra entidade que queira entrar no futebol para lavar dinheiro, precisa das portas que o JM consegue abrir, ele tem os conhecimentos necessários para circular nestes meios menos transparentes, sabe os esquemas todos, controla uma série de factores, etc…será sempre um tipo difícil de apanhar na curva.
8 Novembro, 2016 at 19:07
JM é aquele “gajo” que andou a oferecer o nosso capitão a clubes franceses?
8 Novembro, 2016 at 19:50
Mais um exemplo de como quem começa na putaria acaba por se dar bem a orbitar no futebol…
8 Novembro, 2016 at 21:09
JM é esperto e mexe-se como ninguém.
Já faz algum tempo onde o foco do seu negócio deixou de ser agenciar jogadores directamente (os outros vão trabalhando para ele) e está envolvido até ao tutano na badalada conversa da superliga europeia, assunto este que tem sido muito falado nas redes sociais, mas que curiosamente (ou não) não tem realce na imprensa desportiva.
Uma liga europeia onde obviamente nós não seríamos convidados. É por isto que todo este tema interessa muito ao Sporting e só tenho a agradecer ao Pippo o enorme trabalho de investigação jornalistíca.
Só gostava de saber a posição da Uefa no meio disto tudo. Não me parece que seja do seu agrado…