É um facto assente que nas nossas sociedades pós-modernas, as grandes fortunas são as que menos contribuem para o Estado Social. Os bancos, os advogados, os contabilistas que trabalham as grandes contas gostam de “poupar” aos seus clientes a maçada de serem altamente tributados e encontram mil e uma formas de desviar milhões e milhões do controlo das máquinas fiscais dos governos.

Outro facto comprovado é a passividade que se arrasta nos próprios políticos, que intencionalmente não equipam nem instruem os profissionais do fisco para “correr” atrás destas fortunas. Muitos deles têm também dinheiro nas Cayman, nas Ilhas Virgens, muitos deles teriam de explicar aos seus amigos porque lhes estragaram o “caldinho”.

O problema é que toda esta mega-operação de desvio de capitais é um crime. Punível com penas de prisão, das quais muitos de vocês que estão a ler o post não se safariam facilmente. E outro problema é que tudo o que tem sido feito desde o primeiro milionário que se lembrou de colocar o seu dinheiro numa ilha remota do Pacífico, está efectivamente registado informaticamente e passou pelo menos por dois servidores.

A distância entre Paris e Tuvolu é de 16.500 kms. Entre dois computadores são 2 ou 3 segundos. Esses mesmos computadores que têm “backdoors” acessíveis a um expert em pirataria informática. Até há pouco tempo, o futebol estava a salvo do interesse destes novos “Barba Ruiva” e “Barba Negra”, mas com as imensas fortunas a circular entre clubes, marcas, televisões e jogadores…digamos que os barcos de dinheiro que atravessam o Pacífico a abarrotar de ilegalidades fiscais se tornaram chamativos o suficiente para serem interceptados por um jovem qualquer em casa, desempregado, com um curso de engenharia informática e anos de prática a sacar cenas para desenrascar umas massas.

O Football Leaks que chega agora em nova versão ao estilo “Panamá Pappers” é apenas mais uma das muitas capturas que vão acontecer nos próximos tempos. Mas o que revela é demasiado grave para se poder relativizar no tempo e no espaço.

Ninguém terá muitas dúvidas que nenhuma das personagens implicadas, por maior que tenha sido o desvio irá sofrer a pena adequada aos crimes que cometeu. Essa é uma das maiores hipocrisias do nosso sistema judicial. Rapidamente os políticos encontrarão desculpas e acolheram os criminosos debaixo de um manto de compreensão absurdo, tentando levar-nos a crer que advogados e contabilistas no topo das suas carreiras não tinham ideia que estariam a infringir leis óbvias, já para não falar de códigos de ética e de civismo. Algures entre o pagamento dos montantes em dívida e o esquecimento dos media, estará a absolvição dos culpados e a perpetuação destes crimes…que compensam e muito. Tudo estaria mal e acabaria bem, não fosse um pequeno detalhe, insignificante mas possivelmente revolucionário. As pessoas sabem. Ao serem divulgadas, mesmo que apenas partes ínfimas das diabruras, o mero cidadão tem agora conhecimento de que existe dinheiro, muito dinheiro, a fugir aos seus Estados, a ser movimentado entre empresários comendados como Mendes e amigos, a corromper juízes, políticos e inspectores com silêncios e inoperância.

jorge-mendes

As pessoas sabem e ficam a conhecer a estirpe de vírus de banditismo de colarinho branco em que navega muito do nosso futebol. As pessoas sabem e ficam a saber muito melhor algumas das ligações mais perigosas entre o mundo das finanças “alternativas” e os tais senhores que nos dizem o que devemos pensar e como devemos actuar nas nossas pacatas vidas contributivas, no nosso papel cada vez mais passivo e desprezível, completamente ignorados na máquina que rege os nossos dia-a-dia. Informação é poder. E o que é mais importante nestas “fugas” é a tomada de conhecimento dos cidadãos. Lentamente, mas progressivamente, as democracias vão acordando e é à custa de informação que se vão moldando opiniões que um dia se unirão em causas como o fim dos paraísos fiscais, como a impunidade das grandes fortunas, como o desequilíbrio entre a justiça para os milionários e o mais desfavorecidos.

Ao contrário do que muitos governantes acreditam, os cidadãos não são burros, nem desprovidos de noção dos seus direitos. A dificuldade de questionar as democracias e melhorá-las não advém da falta de acção das cidadanias, mas sim da inexistência de um pólo agregador, que proponha mudanças e que seja moderadamente impoluto. Até agora, os partidos políticos, com ajuda dos “partidos” financeiros e da imprensa que controlam, têm conseguido conter todos os movimentos cívicos. Mas essa é uma massa dinâmica que não pode ser parada. Porque as pessoas pensam. Porque as pessoas sabem de que lado da linha estão os crimes e a justiça. Sabem de que lado estão os podres do futebol e de todos os outros sectores de actividade.

Isto não é sobre futebol, é muito, mas muito maior. Mas lá que o vai mudar, vai. Muitos de vocês não acreditarão, baixarão os braços rendidos aos defeitos da “máquina”, descréditos do que podemos fazer nós, os cidadãos. Mas a nossa “rendição” não é útil. Quando um de nós diz coisas como “isto nunca irá mudar” ou “vão sempre safar-se e nada vai acontecer” estamos apenas a repetir o que nos instruíram, a estimular o tal “sistema” a achar-se impune. Devemos e podemos fazer o nosso papel, quanto mais não seja fazendo o que nos é obrigatório: informarmo-nos, conhecer, querer compreender melhor, espalhar essa informação, tomar consciência de que a realidade só muda quando alguém a compreende e a rejeita.

Um a um, Tasca a Tasca, clube a clube, cidade a cidade. Uma pessoa dificilmente muda a sua realidade, mas milhões fazem-nos com relativa facilidade e chamam à pele os políticos, lembrando o seu compromisso e o seu papel. Meus caros amigos tasqueiros, as nossas vidas, o nosso futebol só muda se nos unirmos e fizermos pressão para que mude. E isso é a única verdade insofismável que conheço. Os “paraísos” só estão perdidos para quem se rende à escravatura, moderna ou antiga.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca