0-1bragaQuando publicou o seu A Christmas Carol in Prose, Being a Ghost-Story of Christmas, a 19 de Dezembro de 1843, Charles Dickens jamais imaginaria a quantidade de adaptações de que o mesmo viria a ser alvo, muito menos que os seus três fantasmas viriam a fazer parte de 90 minutos futebolísticos disputados em Alvalade. 90 minutos que atiraram o Sporting para a oitava derrota de época (pronto, podem baixar para quatro se considerarem que frente ao Real e ao Dortmund não conta) e para um angustiante quarto lugar da Liga, com os mesmos pontos do quinto classificado, Vitória de Guimarães.

Mas deixemos o último fantasma em paz, que este Christmas Carol começa com uma viagem ao passado. Uma viagem que durou 45 minutos, os primeiros, onde foi possível recuperar aquele Sporting que, há não muitos anos, nos fazia olhar para a quadra natalícia como uma “maldição” ainda maior do que aquela que viria a apoderar-se do número 7. E ao longo de toda a primeira parte de ontem, exceptuando uma boa jogada, aos seis minutos, que deu a Bryan Ruiz a possibilidade de marcar de cabeça e um remate de raiva, de fora da área, do sempre inconformado Gelson, o que se viu foi um Sporting desgastado física e mentalmente, a falhar passes uns atrás dos outros e com os jogadores à beira de um ataque de nervos de cada vez que tinham a bola nos pés. Valeu que o adversário também estava mais interessado em ver o que o jogo dava e que quando teve a sua oportunidade de ouro a desperdiçou.

O intervalo só podia ser bom conselheiro e a equipa apareceu realmente diferente. Mais solta, mais crente, mais focada no que estava a fazer. Coates foi lá acima na marcação de um canto para defesa com estilo do guarda-redes, Gelson nem precisou de tirar os pés do chão para cabecear para um golo que embateu no poste e Bryan Ruiz aproveitaria a única subida de Marvin para mergulhar e desperdiçar uma oportunidade soberana. Tudo isto em 15 minutos, tudo isto de cabeça, tudo isto numa visita do espírito do Natal do presente onde o Sporting se nos apresenta como uma equipa que ou não chuta à baliza quando deve fazê-lo ou quando o faz precisa de demasiadas oportunidades para materializar o que consegue construir.

E tudo piora quando o adversário faz, precisamente, o contrário: vai lá acima uma vez, aos 70 minutos, atira ao poste e na ressaca marca, com Rui Patrício a mostrar que também é humano. A paulada é tão forte que somos atirados para nova viagem no tempo, aterrando no Natal do futuro. Um Natal ensombrado por uma equipa sem ideias, incapaz de alterar o seu destino nos 20 minutos que faltavam. Sem cabeça, só com coração, dando a intender que tacticamente não há plano B e que de um plantel tão vasto apenas se pode contar com os mesmos. E que mesmo quando esses mesmos até estão a fazer o seu melhor jogo desde o início da época, o desnorte alastra ao banco de suplentes e são substituídos (inacreditável a saída de Bryan Ruiz, o único que estava a ser capaz de jogar entre linhas em toda a largura do ataque). Tudo isto embrulhado em mais um claro exemplo de é fácil não marcar um penalti contra o Sporting ou permitir que só um jogador perca tanto tempo como aquele que, depois, é dado como desconto.

Quando voltamos a aterrar desta história fantasmagórica em três actos, estamos num angustiante quarto lugar da Liga, com os mesmos pontos do quinto classificado, Vitória de Guimarães, a oito pontos do primeiro lugar e já arredados das competições europeias. Ganhar em Belém, na próxima quinta-feira, será apenas um pequeno balão de oxigénio para que o cérebro possa entender melhor tudo o que se fez de mal e que nos conduziu a este inesperado Natal.