Entranha-se. Consome-nos. Não se explica. E ao contrário do que o saber comum augura, não se torna mais fácil com o passar do tempo. Essa ideia de que nos vamos desligando serve, unicamente, para nos enganarmos a nós mesmos, ou não fosse a paixão algo que não consente amarras nem meios termo. E é por isso que custa tanto. E é por isso que ficamos zangados, que colocamos tudo em causa, que dizemos o que nos vem à cabeça e não olhamos a quem na altura de disparar. Entre quem grita que está tudo mal e quem defende que a solução é engolir em seco existirá uma espécie de ponto certo, mas se sermos capazes de atingir esse equilíbrio no dia a dia já é tarefa de exigência máxima, mais complicado se torna quando falamos de desporto, no geral, ou de futebol, em particular.

No meio de todo este contorcionismo emocional, sou daqueles que defendem que devemos dizer o que sentimos. E o que eu sinto, neste momento, é que foram demasiadas coisas ao mesmo tempo. A eliminação europeia, o impedirem-nos de passar para primeiro, a derrota caseira que nos atirou para quarto. Tudo isto no espaço de uma dúzia de dias. Pelo meio, pese os bons desempenhos em modalidades como a natação ou o judo, ainda tivemos que levar com a sensação de displicência no hóquei, no andebol e no futsal. E, tipo papel de embrulho de padrão vomitado, o árbitro que nos impediu de passar para primeiro recebeu um honroso 17 de 0 a 20 e ficou dado o sinal de que, uma vez mais, é um fartar vilanagem em jogos do Sporting; a Federação Portuguesa de Futebol aproveitou a onda para espetar mais um alfinete com a questão dos títulos conquistados; e confirmou-se que vamos ter que pagar à Doyen coisa que, sinceramente, até me passou ao lado.

Não é fácil gerir, bem pelo contrário. Tanto que (eu disse que sou daqueles que defendem que devemos dizer o que sentimos) o próprio Presidente pareceu desnortear-se e voltar a registos de comunicação que sempre me desagradaram e que resultam de uma das maiores pechas da sua forma de liderar e gerir o clube: a ausência de uma estratégia comunicacional, umas por falta de qualidade de quem o rodeia, outras por falta de tempo ou de vontade para escutar quem o podia aconselhar.

E este turbilhão cansa. Irrita. Não me apetece falar de eleições quando estas eleições, agendadas para Março, apenas servirão para (óptimo) potenciar o debate sobre o clube e o que podemos fazer para melhorá-lo. Não me apetece ver fazer a todo e qualquer candidato aquilo que foi feito a Bruno de Carvalho quando decidiu candidatar-se. Não me apetece brincar aos fantasmas. Não me apetece voltar à guerra de rótulos, entre brunistas, seguidistas, acéfalos, chulos, putas, chamuças e croquetes, onde nem um gajo que sempre deu tudo com a verde e branca vestida escapa ao rol de insinuações pelo facto de poder vir a candidatar-se em…. 2021.

Nessa altura, logo se verá. Para já, parece-me totalmente descabida a ideia de não permitir ao actual presidente que dê continuidade ao tanto de bom do que tem feito. Parece-me totalmente descabido colocar em causa um apaixonado trabalho de sapa para recuperar um clube enorme transformado em escombros. Parece-me descabido continuar a ouvir vozes que acenam a bandeira do “não gosto do estilo do Bruno”, como se esse estilo fosse mais importante do que o trabalho apresentado. E, aí, penso que estamos conversados, portanto não me parece necessário ter o Presidente a utilizar o tempo de antena dos Stromp para pedir um “mostrem lá que gostam de mim” (lá está, a comunicação…)

Obviamente que nem tudo é verde zen. Obviamente que existem erros. E, parece-me, esta época cometeu-se o erro de inverter o rumo defendido para o futebol desde o primeiro momento (eu disse que sou daqueles que defendem que devemos dizer o que sentimos). Convido-vos a um exercício simples: recuperem as fotos da vitória sobre o Arouca, para a Taça da Liga (1-0, golo de Alan Ruiz) e comparem-nas com as fotos da vitória sobre esse mesmo Arouca (3-0) para o campeonato. Eu fiz esse exercício e o que aconteceu foi uma quebra de identidade. Se aquele conjunto de jogadores da Taça de Liga não estivesse de verde e branco, eu nem lhes ligava.

A verdade é que desde que Bruno de Carvalho assumiu os destinos do clube, o Sporting assentou o seu futebol na formação. E não é menos verdade que neste quatro anos, as maiores figuras da equipa têm sido, sempre, jogadores formados na Academia aos quais se juntam, depois, nomes como Slimani, Coates ou Bas Dost. A estratégia era essa: a base tem o nosso sangue, os que chegam têm que ser mesmo bons e acrescentar algo extra. Parece-me estar, hoje, mais do que visto, que não foi isso que aconteceu este ano, com a agravante de não se terem resolvido os problemas que a equipa denotava na época passada, mesmo quando se fartava de jogar à bola.

Não adianta falar em nomes. Adianta, sim, assumir que a inversão da estratégia não resultou e que a abordagem do mercado foi uma merda. Pior, a abordagem do mercado foi feita sem olhar a gastos e foi uma merda. E essa é a mensagem que deve ser passada ao nosso treinador homem que, digo desde já, julgo ter todas as competências para conduzir-nos ao sucesso (já não falo na aberração que seria despedi-lo neste momento, como há pessoal a pedir). Importa, no entanto, que Jorge Jesus perceba o clube onde está e perceba que não há colinho que lhe permita andar a brincar ao FM. Aliás, não só não há colinho, como quem lhe dava colinho (direcção da liga, da federação, árbitros e imprensa), trabalha diariamente para passar-lhe uma tremenda rasteira e apontá-lo como um falhado que nada ganha sem estrutura (e, atenção, a estrutura não é o vieira, o mafioso de pacotilha e os ordinarecos que espalham a mentira em todas as plataformas comunicacionais. A estrutura é a máquina roubada a um pinto da costa em falência técnica).

Face a tudo isto, obviamente que o mais fácil seria desistir, mas o que há a fazer é exactamente o contrário. Dizia Mickey Goldmill, treinador de Rocky Balboa nos dois primeiros filmes, que o reforço negativo é uma arma poderosa. Se te chamam bandalho, falhado e tantas outras “coisas simpáticas”, estão a dar-te motivação. Porque, a não ser que seja mesmo isso, a tua resposta será a resposta de um lutador. “Fighters fight!”. É isso o que temos que fazer. Temos que mostrar que apesar de andarmos há três décadas e meia a assistir à glorificação de campeões fabricados nos bastidores, nós somos o adversário que se recusa a desistir!

Eu não sei como terminará esta época para a qual partimos com enormes esperanças, não só no futebol como em praticamente todas as modalidades. Sei que já deixaram claro que temos que fazer muito mais e muito melhor do que todos os outros. Isso revolta, mas, como dizia o Rocky, “começares um novo round quando achas que já não és capaz, é o que faz toda a diferença na tua vida”.

É… isto entranha-se. Consome-nos. Não se explica. E ao contrário do que o saber comum augura, não se torna mais fácil com o passar do tempo. Essa ideia de que nos vamos desligando serve, unicamente, para nos enganarmos a nós mesmos, ou não fosse a paixão algo que não consente amarras nem meios termo. E é por isso que custa tanto. Mas é essa inquietação interior que, primeiro, nos coloca uns contra os outros em trocas de opiniões inflamadas e, depois, nos une enquanto força intemporal deste Clube de Portugal.

É desta raiva, deste desespero, desta estupidez de condicionar a nossa vida que temos que tirar a força para continuarmos a ser o que sempre temos sido. Eu, tu, nós. Uns Mickey Goldmill de gorro verde e branco e cicatrizes de incontáveis rounds ao lado daquele em quem decidimos acreditar e apoiar para a vida. E, agora, como em tantas outras vezes, está na altura de, a uma só voz, lhe sussurrarmos ao ouvido: “levanta-te, Leão! Porque nós amamos-te!”

levanta-te