Crescemos todos a ouvir a mesma lenga lenga: que os meninos e as meninas mal comportados não recebem prendas no Natal. E a julgar pela primeira parte de ontem, ou melhor, a julgar por mais de 60 dos 90 minutos do jogo de ontem, eu, tu e mais três milhões quinhentos e qualquer coisa mil receberíamos no sapatinho um pastel de belém sem creme, só com massa folhada e canela, num azedume para a boca que tão cedo não passaria.

Epá, mas o Sporting até entrou bem. Diz que sim. Que aos aos dez minutos dominava a posse de bola (83%), tinha 67% dos duelos ganhos e dois remates à baliza. Mais, diz a estatística que aos 25 minutos de jogo o Belenenses ainda não tinha feito qualquer remate e tinha como jogador com mais passes efectuados… o seu guarda-redes! É, os da cruz de Cristo davam-se por felizes com o pontinho, o Sporting, via-se à légua, ia dar-se por felizes se conseguisse ligar uma jogada.

Mas como essas jogadas não apareciam, restava tentar à bomba. Foi o que fez o regressado Alan Ruiz, tentando o golo do campeonato com o remate daqueles que um gajo fazia quando jogava aos becos de uma ponta à outra da preceta. Seria um momento monumental, tão monumental que até o testículo esquerdo de algumas pessoas suspiraria de alívio (ou voltaria ao lugar). O problema é que tirando esse remate, mais o primeiro ameaço por Gelson, o Sporting mostrou um processo de jogo mais gelado do que a noite fria, com o argentino a mostrar-se completamente alheado deste filme, ora invadindo o espaço de Bas Dost, ora não se articulando com as diagonais de Gelson e de Bryan. E, pior ainda, a inoperância de bola corrida tinha seguimento nas bolas paradas. Quase duas mãos cheias de cantos e zero situações de golo, algo que se torna embaraçoso para uma equipa com latagões como Douglas, Coates ou Bas Dost. Querem mais? Olhem, de um desses quase dez cantos, nasce um contra-ataque belenense e a melhor oportunidade de golo de toda a primeira parte. Vale a enorme defesa de Pimparel, que substituiu o lesionado Rui Patrício.

Alguma coisa tinha que mudar para o segundo tempo. E mudou. Campbell surge no lugar de Bryan e a troca de Ticos resulta num imediato ganho de velocidade (neste momento e tendo em conta que Matheus parece não contar, Joel é o único jogador que pode mexer no jogo quando sai do banco). E já depois de Alan Ruiz testar o redes adversário, é o camisola sete a dar nas vistas: cruzamento venenoso a que Dost chega atrasado, arranque em direcção à área travado em falta. Na sequência, Adrien Silva executa o livre mais em raiva do que em jeito e a bola passa caprichosamente da luva do redes para a trave, que fica a abanar tanto tempo quanto a cabeça do nosso capitão.

E foi tudo. Desanimado e cada vez mais enervado, o Leão recolheu as garras à entrada para os últimos vinte minutos de jogo. O Belenenses aproveitou para subir, provocando dois calafrios (uma bola no poste, outra defendida por Beto) e o espectro de mais um jogo sem ganhar pairava na mente de todos os Sportinguistas. Mais ainda quando, a dez minutos do final, mais coisa menos coisa, o árbitro volta a deixar passar em claro um penalti por mão na bola, obviamente esperando ser avaliado com uma boa nota.

O relógio entrava no tempo de descontos, os nervos da nação leonina entravam no pico máximo. Gelson já anda pelo meio, Bruno César também vai para lá e isto tudo liberta a arrancada de Campbell pela esquerda. O cruzamento do costa-riquenho sai tenso e arqueado, ao segundo poste, onde aparece Bas Caça Fantasmas Dost, com classe e de primeira, a soltar o grito da garganta mais seca e a promover abraços entre jogadores, técnicos e adeptos. Afinal, consta que o Sporting não vencia um jogo fora de casa, com um golo para lá dos 90, desde Agosto 2015 (1-2 Tondela, 90+8 Adrien g.p.). E, diga-se em abono da verdade, estes rapazes esforçados, dentro e fora das quatro linhas, mereceram ser recompensados.

williamsorri