Nesta cidade, todo policial tem de escolher: ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra…

Nos últimos dias fiz o mesmo flashback várias vezes e o resultado foi sempre o mesmo: é impossível falar de mim sem referir a minha paixão pelo futebol e pelo Sporting. E são, precisamente, essas duas paixões que têm sido postas à prova durante anos e anos e que, no espaço de duas ou três semanas, foram confrontadas com um cenário ao qual não é fácil reagir.

Ainda com o penalti do Bonfim bem vivo na memória de todos, o anular propositado do golo do Sporting B, ontem à tarde, na Academia (inacreditável ver o golo ser validado, o auxiliar correr para o meio campo e receber ordem do árbitro para voltar atrás e marcar fora de jogo), foi o reforçar de uma mensagem claríssima em que nos é dito que somos um alvo a abater. Não é novidade, claro que não, e o trabalho de Jorge Sousa na Luz, no jogo que poderá ter sido crucial na história deste campeonato, já seria suficiente para nos relembrar a todos do mundo em que vivemos, mas o que acontece, agora, é transformar uma vergonha num estado de gozo. Não é à toa que Rui Vitória se dá ao desplante de vir afirmar que “o ambiente da última semana influenciou positivamente”.

Face a este filme de terror, extensível às mais diversas modalidades, o adepto Sportinguista é colocado perante dois dilemas. O primeiro prende-se com a capacidade de conseguir equilibrar os erros próprios e os erros dos outros.

Eu odeio assobiar para o lado. Mesmo. E se há coisa que nos faz crescer é assumirmos que fizemos merda. As teclas estão gastas de um gajo tanto lá tocar, mas já todos percebemos que a planificação desta época  futebolística tem demasiadas pontas soltas e que deverão ser explicadas quando for altura de fazer as contas finais. Tal como muitos de nós, onde eu me incluo, não podem achar normal fazer regressar dois jogadores emprestados (Gauld e Geraldes), sem sequer uma explicação ao universo de adeptos (pior quando o próprio treinador alimenta o filme). Sim, eu acho que merecemos uma explicação, principalmente quando sem ela se permite a manipulação da informação no sentido de uma retaliação, de uma birra, que chegará aos ouvidos e aos olhos de milhares de adeptos como aquilo que realmente aconteceu. Os mesmos ouvidos e olhos que, estranhamente, nada escutaram ou leram como resposta oficial à chacota que andam a fazer de nós (não, os posts do Saraiva não chegam; não, a mensagem não pode passar em visitas a dois ou três núcleos).

A chave, em minha opinião, obviamente, está na capacidade de olhar para dentro, criticarmos o que temos a criticar, mas não fazer dessas críticas a constante base do nosso discurso. Não fazer dessas críticas, por mais certeiras que sejam, algo que justifica tudo o que de mau nos acontece. Não fazer desses erros próprios algo que justifica o quererem empurrar-nos para foram de um tabuleiro onde, sabe-se, os imperativos financeiros aconselham que existam dois players a arrecadar as maiores fatias. Não fazer desses erros próprios algo que nos leve a dizer, depois de nos empalarem à mão, “já sabemos que temos que correr e jogar três vezes mais do que os outros, por isso a atitude tem que ser outra!”.

Atitude… obviamente que eu me contorço todo por dentro quando ofereço mais de metade de um jogo. Mas era bom que se percebesse o quão difícil é para quem lá está dentro encarar a sua profissão como um jogo viciado. É verdade que não cheguei a jogar além de uma antiga zonal sul da 2ªB, mas posso garantir-vos que é um chuto na tola estarem a gozar contigo e ainda saberes que à mínima ainda te mandam tomar banho e, consequentemente, a tua equipa sai duplamente penalizada. Não, foda-se, nós não podemos aceitar ter que jogar o dobro ou o triplo dos outros! Porque os outros, quando jogam um terço do que jogamos, acabam por ter quem os ajude a somar os três pontos!

E este pensamento, real, doentio, incomodativo, intragável, conduz-nos ao segundo dilema: vale a pena continuar a gostar de um desporto ou modalidade que sabemos jogar-se mais nos bastidores do que em campo? Vale a pena continuarmos a dar anos da nossa vida, anos de paixão, a uma indústria viciada? Pior, a uma indústria que sorve o nosso clube enquanto formador de atletas que dão, vezes sem conta, medalhas e reconhecimento a um país que, semana após semana, nos calca e desrespeita?

Tenho a dizer-vos que, face aos dois dilemas, dou de barato que não consigam equilibrar a balança entre erros nossos e erros dos outros que nos impedem de chegar onde queremos. Até dou de barato, mesmo achando estúpido, que não sejam capazes de respeitar diferenças de opinião entre quem defende o mesmo ideal. Mas peço-vos, mesmo, que não cedam naquela que é a nossa maior força: a nossa paixão, o nosso amor, a nossa “aquela cena que não sei explicar”. Isso é o Sporting. Isso é o que nos permite atravessar décadas de ausências de conquistas. Isso é o que nos permite continuar a crescer como clube mesmo sem poder festejar de lágrimas nos olhos as vezes que sonhámos. Isso é o que nunca podemos deixar que nos roubem!

Ajuda a encher Alvalade o máximos de vezes que conseguirmos (começando hoje, se possível)! Ajuda a encher as bancadas dos estádios adversários e a fazer ouvir a nossa voz! Ajuda a encher as nossas casas emprestadas das modalidades e, em breve, a fazer do João Rocha um vulcão onde até as paredes tremem! Veste a verde e branca só para mostrar o quão orgulhosos ficamos de Rampante ao peito! Veste a verde e branca aos vossos filhos, irmãos, primos, netos, tantos e tantos catraios e catraias que são de um clube que pouco ou nada lhes deu! Mete-os a praticar desporto com as nossas cores! Faz-te sócio e faz novos sócios! Compra o nosso Jornal! Vai tomar café e ver a bola a um dos nossos núcleos! Junta os leões e leoas da tua zona e descobre novos! E, sempre, mas sempre, grita o mais alto que puderes «EU SOU (D)O SPORTING!». Vais perceber que isso é que os adversários mais temem. E que jamais poderão tirar-te.

Nesta cidade, todo policial tem de escolher: ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra…

tshirtebola