Em semana de jogo grande no futebol feminino (sábado, 14h45, Alvalade, entrada livre), vale a pena espreitar este texto.

miúdas

No dia 29 de janeiro realizou-se o primeiro treino dos escalões sub-10 e sub-13 de futebol feminino. Como pode ver-se pela foto, temos aqui a primeira “fornada” de jovens craques “made in Sporting”.

A entrada do Sporting no mundo do futebol “de salto alto” não podia ter sido mais acertada, tanto no tempo quanto na forma como nos organizámos para formar uma estrutura sólida, que beneficie o futuro da secção bem como, inevitavelmente, a sustentabilidade e crescimento da modalidade em Portugal.

Num momento em que, no nosso país, se batem ano após ano recordes de número de atletas federadas e no ano em que Portugal se estreará em fases finais de Europeus no escalão sénior, é bom ver que o Sporting está a ajudar a dar os passos certos rumo a um trabalho que, certamente, se quer tão bem sucedido quanto aquele que o futebol português masculino vem trilhando.

A criação de escalões de base em idades mais precoces tirará dos pais o estigma de ver as suas meninas terem de seguir o seu sonho integradas em equipas de rapazes. Não que isso não tenha valor e não tenha sido importante para a afirmação da geração que, hoje, é o presente do futebol feminino em Portugal mas porque os tempos são outros e a identificação com os pares é também importante para as raparigas. Partilhar verdadeiramente um balneário, sem ter de equipar à parte e tendo colegas de equipa com interesses semelhantes para lá do futebol ajudará a formar as próximas gerações de jogadoras portuguesas e a prepará-las melhor para uma modalidade que se quer em constante crescimento. Há que sonhar alto, dar-lhes bases sólidas e prepará-las, porque não, para um futuro profissionalismo, que também se vislumbra (mesmo que num patamar financeiro diferente do futebol feminino).

Não conheço os números médios de assistência nos jogos em casa das nossas leoas mas arrisco dizer que a equipa de Nuno Cristóvão “arrasta” mais gente à Academia do que os comandados de João de Deus. E isto nada tem a ver com os resultados desportivos ou mesmo com a simples curiosidade de ver senhoras a jogar futebol. A equipa feminina do Sporting (idem, para os escalões de formação já existentes e a competir) joga futebol de qualidade e o projecto entusiasma. Portugal, como um país de futebol, está a perder o estigma (se é que se pode chamar assim) do futebol só para homens.

Não posso deixar de destacar a capacidade da estrutura directiva em formar um plantel com interesses convergentes, ambicioso e unido, com as dificuldades inerentes a um plantel formado por jogadoras vindas de cinco campeonatos diferentes, quase todas de equipas distintas.

É evidente aos olhos de todos a qualidade patente no futebol praticado e é impossível não admirar o futebol de jogadoras como a Solange Carvalhas, a Diana Silva ou a Joana Marchão, só para citar algumas (todas têm um lugar no meu coração, meninas). Sendo o futebol feminino um projecto embrionário no Sporting e tendo a percepção que se formaram bases para ser bem sucedido a curto prazo, porque não olharmos para nós como mais um veículo de afirmação do futebol português além fronteiras.

Nos últimos 7 anos, Portugal teve participação em 6 fases de grupos da Liga dos Campeões feminina. Importa dizer que, com muito menos meios do que aqueles de que dispomos actualmente, as equipas nacionais (1º de Dezembro, Ouriense e Futebol Benfica) não foram às competições europeias para fazer de ‘bobo da corte’ mas sim para lutar pelo apuramento nos grupos que integraram. Nunca nestes últimos anos uma equipa portuguesa veio da Europa sem pontos e nas últimas participações a qualificação esteve presa por detalhes.

Será, portanto, realista pensar num Sporting europeu? Sim, na minha opinião é e espero que Bruno de Carvalho dê ao futebol feminino a importância que este merece, reforçando o orçamento e a aposta nas jogadoras portuguesas, atraindo, porque não, uma ou outra estrangeira que possa acrescentar qualidade, experiência e uma visão diferente, que entusiasme a nossas a querer sempre mais. Temos um plantel jovem, de qualidade e já com alguma experiência. Levar o Sporting ao mais alto patamar europeu tem de ser uma ambição, mesmo sabendo das diferenças entre a nossa realidade e a alemã, francesa, inglesa ou sueca, por exemplo, onde o futebol feminino está no topo, ao mais alto nível e onde vemos orçamentos superiores aos da maioria das equipas da nossa principal liga de futebol masculino.

Escalar isto tudo com menos recursos, apelando à velha máxima do “fazer mais com menos” tem de ser uma ambição mas sem nunca esquecer de valorizar e premiar o esforço, dedicação e devoção das nossas jogadoras e equipa técnica. Porque valor cria valor.

Vejamos agora aquilo que é a realidade europeia. O estudo da ECA (European Club Association) é de 2014 mas a realidade não deve fugir muito à actual. O estudo mostra que as realidades europeias são completamente distintas. Numa análise a 22 clubes de 20 países diferentes, podemos observar imensas diferenças, desde a estrutura das equipas, ao número de funcionários que as suportam, passando pelos orçamentos (discriminados), receitas, número de atletas internacionais por clube, satisfação com o formato da Champions feminina…são muitas as variáveis analisadas e aconselho a consulta do documento (LINK).

Só para dar um exemplo, temos orçamentos desde menos de 250 mil euros a 6/7 milhões. A elite europeia tem sido dominada por alemãs e francesas, com ligeiras intromissões de suecas, inglesas e dinamarquesas. Este ano, a Liga dos Campeões está já nos quartos-de-final e temos duas equipas alemãs, duas francesas, uma espanhola, uma sueca, uma inglesa e uma dinamarquesa. Alemãs e francesas irão defrontar-se nesta fase e poderemos ter aqui um ano de rotura com aquilo que vem sendo o habitual, pois duas das quatro potências dominantes ficarão desde já pelo caminho. Alcançar o título de campeãs nacionais poderá colocar-nos em 2017/18 como um outsider com potencial desestabilizador, mesmo sabendo das diferenças de realidade.

A recente visita à Alemanha, para um torneio indoor, mostrou que a diferença entre clubes não é tão acentuada quanto nas selecções e que há aqui uma janela de oportunidade para, com um reforço da aposta, firmar ainda mais o futebol feminino no panorama europeu e mundial. O Sporting foi finalista, frente a uma equipa que já venceu por duas vezes a Champions e conseguiu vencer um dos três jogos disputados com as alemãs. O futuro parece risonho e espero que este ano culmine com o título de campeãs nacionais, o reforço da aposta na formação e na secção, bem como o início da tentativa de afirmação europeia. Sonhar não custa.

 

Texto escrito por GAG em Grande Artista e Goleador
* “outros rugidos” é a forma da Tasca destacar o que de bom ou de polémico se vai escrevendo na blogosfera verde e branca