Devo dizer-vos que tinha um tacho já ao lume, quando li o post do Cherba. Apesar do prato poder ser interessante e por estes dias todos andarmos a discutir qual o peso que a nossa formação deverá ocupar no plantel da próxima época, acho mais pertinente falar de outra formação. A dos adeptos. Há dois ditados populares que levo muito a sério, pois compreendem realmente sabedoria e uma leitura do comportamento humano sempre actual.

Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. É da natureza humana procurar culpas, por qualquer que seja o insucesso, à margem da sua própria acção. E falta pão no Sporting, isto é, títulos e muitas vezes afastando-se a ideia que estamos a rumar na direcção certa para os obter, muitos de nós tendem a procurar culpas e obstáculos dentro de casa. Isso não é masoquismo, é um comportamento bastante racional, que advém de uma crença absoluta que o problema é essencialmente interno. Estas pessoas não são menos Sportinguistas, nem menos apaixonadas que qualquer outro…apenas dirigem a sua frustração para dentro e procuram os erros dentro dentro de casa, antes de se debruçarem nos problemas que vêm de fora para dentro.

Se estiverem a reconhecer uma facção no parágrafo anterior e estiverem já a pensar “exacto… aquela malta é mesmo assim”. Leiam outra vez. Agora pensem se vocês também não fazem exactamente a mesma coisa, num processo de reacção. Se não culpam “os outros Sportinguistas” de tantas e tantas coisas que não correm de forma positiva no nosso clube? Pois é. Todos encaixamos de muitas formas em todas as facções e não há ninguém que não se sinta frustrado, desiludido, inseguro ou com imensas dúvidas sobre toda e qualquer opção ou rumo do clube. Eu, tu, o Cherba, BdC, JJ, o Paulinho… todos lidamos com a incerteza, com a amargura de ver o sucesso de outros, com a frustração de a conjuntura nunca nos parecer favorável. Uns lidam com isso batendo na mesa e discutindo com o Pai, com os irmãos e com a avó. Outros vão para a taberna arranjar pancada e discutir com os vizinhos. Mas no final do dia, todos nos juntamos na mesa da cozinha a olhar desolados para a mesa cheia de nadas.

A culpa não é do Cherba, com ou sem hashtag. A culpa muito menos será da Tasca. A divisão não é culpa de uma facção, a culpa é de todos. E o que se passa na Tasca, passa-se em Alvalade, no Livramento, em Oeiras ou qualquer outro local onde se reunam Sportinguistas. Eu vou vos dizer onde é que está a culpa: na nossa formação como adeptos. Somos absolutamente incapazes de entender que o futebol (por exemplo) é um desporto e o que isso significa.

Alguns de vocês vão achar “lá vem outro a falar que jogou à bola e que quem jogou, blá, blá, blá…”. Acertaram. Mas não é importante a minha experiência, mas sim aquilo que acredito. E eu acredito profundamente que os adeptos de hoje não sabem conviver com o 2º lugar, não entendem a razoabilidade de um 3º, nada de positivo observam num 4º ou 5º. Só vencer interessa, não ser melhor que todos os outros é ser o pior de todos os outros. Esta cultura de felicidade absoluta, fere o desporto. Mata os adeptos.

Antes que saltem da barricada e começam a pensar que o que escrevi é uma aceitação ou resignação com a derrota, digo-vos que estão completamente enganados. Aceitar um 2º lugar não é ficar feliz com a posição, é apenas não decidir mandar “tudo para o lixo” e começar a culpar tudo e todos por esse facto. Aceitar uma posição de “não vencedor” pode ser (e acreditem que é) o primeiro passo para criar as condições para lá chegar, sobretudo porque é muito mais racional e aproveita muito mais todas as sinergias à volta do clube. E falta muita racionalidade a nós como adeptos em entender esta coisa de perder e não ter de mandar a casa toda abaixo, mas sim observar onde estão os alicerces mais frágeis e reforçá-los. Tenho essa sensação. Tenho a memória e a certeza de que estamos sempre a fazer reset’s, a iniciar “anos zero”, a começar projectos e a mudar de políticas desportivas. As dores de crescimento não passam. Acima de tudo porque nós não crescemos verdadeiramente, não mudamos o que deve mesmo ser mudado: a nossa mentalidade.

Ser “ganhador” não é um gene que se recebe de nascença. É um caminho, uma luta, uma insatisfação e sobretudo o uso da inteligência para saber melhorar. Vencer dá trabalho e este processo que quem não praticou desporto algum tem alguma dificuldade em compreender.

Somos um clube enorme. Somos um clube especial. Temos os melhores adeptos. Somos os mais fiéis. Temos uma cultura desportiva diferente. Apoiamos mais as modalidades. Temos mais orgulho na nossa formação. Somos o clube mais honesto. Somos os que promovemos mais avanço. Somos os mais inovadores. Somos muito mais criativos. Temos as melhores claques. Não somos bimbos como os outros. Tudo certo, tudo errado.

Passamos demasiado tempo a olhar-nos ao espelho, a vangloriar-nos do nosso passado e dimensão, de tentarmos identificar qualquer coisa que nos distraia do que realmente é importante: estar lá. Apoiar. Bater palmas. Agitar o cachecol. Levar amigos aos estádios. Levar gente descrente a levantar a cabeça e a viver mais o clube. Fazer dos jogos uma festa, seja onde for possível ver o jogo. Falta-nos a alegria de viver os momentos, venham eles a acabar bem ou mal.

Conheço muitas pessoas que deixam de ir ao estádio assim que não existe promessa de títulos. Conheço ainda mais que passam os jogos a desconsiderar a valia da equipa ou de determinados jogadores. Conheço alguns que não têm qualquer tipo de problema em dizer à boca cheia que “está tudo minado” e que “não vale a pena o esforço”, que ao Sporting será sempre tirado o tapete na sua procura de glória. Mais uma vez, a desistência e a resignação tomam o espaço que a luta deveria ocupar. Se somos tão bons, valentes, orgulhosos e combativos, vamos admitir que nos subjuguem? Vamos admitir que nos prejudiquem, sem qualquer tipo de revolta? Vamos pacificamente definhar sem sequer tentar expor, denunciar, enfrentar o que está corrupto, sujo, ou manobrado? É esta a massa de que somos feitos?

Há imenso trabalho a fazer. Devemos tentar ajudar. Usem-se todos os mecanismos que o clube permite. Use-se o associativismo e activismo. Juntem-se. Debatam. Tentem entender as origens dos problemas. Denunciem quem tiver de ser denunciado, enfrentem quem tem de ser enfrentado, mas por amor da Santa entendam de uma vez que uma Direcção, uma equipa, um departamento do clube não é uma ilha. O Sporting é feito de todos e todos podem ajudá-lo. Instigar sócios contra sócios, adeptos contra adeptos, Sportinguistas contra Sportinguistas não é o caminho da grandeza e de títulos, é a tradução mais desoladora de desespero. Não temos de ser amigos, não temos de concordar, mas temos de tolerar as diferenças, temos mesmo de acreditar que largando o bunker dos facebook’s, chats e whatsapp’s e passando a ser mais intervertidos na vivência do clube, seremos eternamente mais úteis e mais esclarecidos. No sofá de casa é fácil criticar e odiar, mas infelizmente os únicos que ganham com isso chamam-se adversários.

Quando na cadeia que vai desde o Presidente até ao adepto de 6 anos nos soubermos respeitar como clube quando perde, quando preferirmos tentar fazer algo a criticar algo, quando entendermos que o nosso problema é a sustentação por parte de todos de um caminho que vá realmente a um lugar, sem ser abruptamente interrompido. Nessa altura estaremos, de facto, preparados para ser o que todos achamos que já somos.

O segundo ditado é este: “Viva o Sporting!

cavalitas

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca