Costuma-se dizer que mais vale cair em graça do que ser engraçado. O futebol português não consegue nenhuma destas qualidades. Cada vez cai menos nas graças dos adeptos (a maioria dos putos tugas prefere mil vezes a PS a ir ver um jogo de futebol) com os números globais de espectadores nos estádios a cair todos os anos. Cada vez é menos engraçado à medida que se discute cada vez menos o espetáculo e cada vez mais as polémicas e os bastidores.
Parece (e é) um disco riscado estar sempre a sublinhar a desorganização, a corrupção ética e não só, do nosso desporto-rei. Cansa, desmotiva, revolta, mas custa-me sinceramente fingir que não me dou conta da Parvónia que se está a instalar à volta do jogo e dos adeptos. Já poucas conversas decentes se consegue ter com adeptos de clubes rivais, já poucos jogos somos capazes de desligar o desconfiómetro sobre o árbitro, são cada vez menos gloriosas as vitórias e cada vez mais traumáticas as derrotas.
Estatísticas preocupantes é o que não falta para suportar este “quadro negro”. Os clubes lusos são cada vez menos competitivos nas provas europeias, somos cada vez mais periféricos no que diz respeito aos grandes lucros televisivos, estamos a perder lugares na Champions, os emblemas nacionais estão cada vez mais dependentes de fontes de receitas externas à sua actividade desportiva, os sucessivos “casos” de secretaria baralham as classificações, os formatos de competição e os patrocinadores afastam-se. De ano para ano estamos a modernizar apenas a queda de popularidade do futebol e não a sua expansão.
O que tem feito a FPF e a Liga para restituir credibilidade, transparência e ordem ao nosso futebol? Tudo se resolve com multas e castigos? Quem tem por missão acrescentar valor às nossas competições tem feito exactamente o quê? Como estamos a interpretar a diferença entre a nossa Liga e as mais poderosas Premier ou Bundesliga? Como estamos a preparar-nos e a posicionarmo-nos para competir com ligas emergentes como a Liga Polaca, Turca, Checa ou o regresso de velhas glórias como a Ligue1 ou a Eredivise?
Poucos reparam mas há um ranking europeu e sendo verdade que retrata pouco a valia de uma equipa de determinado país, não deixa de ser um bom medidor de como vai a saúde da competitividade interna e logicamente a sua correspondência com a qualidade do espetáculo. O futebol em Portugal está evidentemente a perder terreno, a perder adeptos, a perder dinheiro. Não se deixem enganar pelos destaques dos R&C de alguns clubes, os contratos de tv e patrocínio gigantescos apenas amparam os prejuízos, não os resolvem. As SADs estão todas tecnicamente falidas. Os bons treinadores, formadores, terapeutas e outras valias técnicas emigram cada vez mais, ao mesmo ritmo que as promessas de jogadores encontram evolução lá fora cada vez mais cedo.
Volto a perguntar: e o que têm feito os nossos dirigentes? O que pensam os políticos da utilidade pública que garantem à FPF e esta por sua vez, à Liga? Estarão todos os responsáveis felizes e contentes com o estado dos nossos clubes? Com a pobreza do espetáculo? Com o forma absolutamente descarada com que empresários chineses, iranianos ou russos despejam jogadores nas divisões secundárias para viciar jogos e apostas? Alguém consegue não ver que enquanto estamos a brincar à Europa dos grandes clubes, a base do nosso futebol está cada vez mais próxima da ruptura? Quantas pessoas se questionaram sobre as razões que levam a que as partidas em Portugal tenham muito menos tempo útil de jogo que a esmagadora maioria das ligas europeias? Não provoca qualquer tipo de reação que estejamos no topo da estatística quanto à quantidade de ações disciplinares por jogo? Ninguém quer saber porque somos os “mestres” a despedir treinadores durante a época?
Tudo isto são sintomas evidentes de balbúrdia, de profundo amadorismo e de completa crise (financeira e valores éticos). Um estado geral que parece muitas vezes ser assumido como normal e que muitos como eu desconfiam que seja o terreno ideal e propositado para que gente sem qualquer projeto, ideias ou compromisso ponha os símbolos da FPF e Liga na lapela e ande de viagem em viagem, de simpósio em simpósio a auto-promover-se e a deixar passar toda uma caravana de interesses, esquemas e simpatias. A valia destas instituições cada vez se esgota mais no marketing, deixando o que interessa (organização e regulamentação) em banhos-maria desencadeando uma terra de ninguém que os clubes tentam ocupar gerando sucessivas guerras civis de bastidores e operações de propaganda para justificar e por vezes despistar as aldrabices que vão cometendo.
Nada disto mudará e o pântano persistirá até que, e só até, que se consigam realizar verdadeiras eleições na Liga e na FPF, surgindo listas completamente independentes dos interesses dos clubes que tenham como primeira e última finalidade a modernização e regulação do nosso futebol, doa a quem doer, passando por cima de todas as “quintas” de poder ilegítimo, sejam empresários, “amigos” ou gente a quem se devem uns favores. Só então, o futebol no nosso país dará passos rumo ao que sempre soubemos que podíamos ser, uma verdadeira potência futebolística que obrigue a “Big Five” a denominar-se como “Big Six”. Só assim poderemos sonhar com uma Liga super-competitiva (com muitos menos clubes), com os direitos de tv centralizados (a dar dinheiro a sério por mérito e não por outra razão qualquer) e como resultado destas mudanças, os nossos emblemas a conseguir competir realmente com as melhores equipas da Europa.
*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca
21 Abril, 2017 at 11:18
Mais uma pérola do LdP.
Onde é que eu clico Like?
Só um aparte: já tivemos um presidente da Liga com as intenções certas, que tentou realmente reformar o futebol nacional e foi esquartejado e até conseguiu pôr o padrinho siciliano e o Josef Vieira Stalin a comerem leitão juntos até o pôrem a correr de lá. Nunca mais se ouviu falar dele desde então. Pensem nisso…
22 Abril, 2017 at 13:50
Exmo Javardeiro
Excelente texto!
Um diagnóstico apurado, correcto e minucioso.
A doença, essa, receio bem que infelizmente não tenha cura. Ou que o doente não se queira curar.
Por isso “big five” it is, and “big five” it will remain!