Tinha 20 anos quando saiu do Salgueiros para o Sporting. A realidade de Lisboa era muito diferente?
Na altura foi uma mudança grande porque toda a vida vivi no Porto e quase sempre com os meus pais. A dimensão da cidade do Porto e a forma de estar, de conviver das pessoas era diferente. Estranhei sobretudo a velocidade e a dimensão. Não havia aquele sitio onde toda a gente se encontrava, não tinha amigos, tinha um ou outro conhecido. Uma nova realidade. As pessoas quase não se falam, vivi num prédio onde raramente encontrava os vizinhos.

Foi difícil a adaptação?
Eu estava muito focado na profissão. Era um desafio muito grande, não se comparava a dimensão do Salgueiros e a do Sporting. Queria que as coisas corressem bem e queria adaptar-me o mais rápido possível. Comecei logo a criar relações com os colegas de equipa que são os primeiros com quem temos alguma proximidade.

Quem foram os primeiros com quem criou mais laços?
Na altura foi com o Pedrosa, que veio comigo do Salgueiros, e com o Nelson, que já estava no Sporting mas que também tinha vindo do Salgueiros.

O que foi mais positivo nessa mudança?
Profissionalmente foi tudo bastante positivo porque ambicionava chegar a um clube com a dimensão do Sporting.

E de negativo?
Lembro-me que na primeira noite em que cheguei tive um episódio chato. Ainda não tinha começado a época e fui ao concerto do Bryan Adams no velho estádio de Alvalade mas houve um problema com o estacionamento. Uma pessoa do prédio em frente ao estádio deixou-me estacionar mas o policia não queria e ainda perdi uma parte do concerto por causa disso. Mas tudo se resolveu.

A primeira saída do país como jogador foi para a Real Sociedad. Aí o choque foi maior, ou não?
Na altura já estava casado, tinha acabado de nascer a minha filha Leonor. Foi uma mudança para o País Basco, nem digo para Espanha, mas sim para um país extraordinário que é o país basco. Eles faziam questão de lembrar-me isso. Foi uma mudança grande, mas gostei muito de lá estar.

A sua mulher foi logo consigo para Espanha?
Inicialmente fui só com o meu pai, porque ainda não tinha a situação contratual bem definida, estive a treinar e foi preciso esperar um pouco. E como a Leonor tinha acabado de nascer (já foi há 20 anos, já viu? Ela acabou de fazer 20 anos! O tempo passa a voar)… a Frederica só foi lá ter depois, com a Leonor, quando eu já tinha casa e as coisas estavam mais estabilizadas.

Quais foram as principais diferenças?
A nivel cultural e gastronómico não havia grandes diferenças, os espanhóis são muito parecidos connosco, até mais extrovertidos e comunicadores. San Sebastian é uma cidade bem mais pequena que Lisboa, mas giríssima, muito concentrada em dois ou três pontos. Gastronomicamente falando é o melhor sitio de Espanha e um dos melhores da Europa e do mundo. Chovia imenso. Foi a grande diferença. Lembro-me que dei uma entrevista onde disse isso e eles ficaram todos chateados comigo por ter refeirdo a chuva. Mas era verdade!

A sua mulher adaptou-se bem?
Lindamente. Era uma cidade muito calma durante o inverno, pouca vida tinha. Lembro-me que inaugurei o primeiro centro comercial. Na altura não havia nenhum ali nas redondezas. Tinhamos uma vida muito tranquila, vivíamos praticamente para a nossa filha, era a novidade no nosso casamento, estávamos deslumbrados e tudo girava muito à volta dela e do meu novo desafio profissional. Fechava tudo muito cedo, por isso também não tínhamos uma vida social muito ativa. Lembro-me de termos ido ao cinema e quando ouvimos o Robert Niro falar espanhol, porque eles dobram tudo, achamos um piadão. O nosso passatempo era conhecer os restaurantes porque realmente ali come-se muito bem.

Esteve em Espanha três anos e depois regressa ao Sporting, onde fica nove épocas. Mas termina a carreira de jogador do Standard de Liège. Por que foi para a Bélgica?
O meu sonho era ter terminado a carreira no Sporting. E não foi possível por diversas razões, não foi porque não tivesse vontade. Como não consegui concretizar esse sonho de ter uma festa de homenagem, uma despedida dos adeptos, também não queria acabar a carreira da forma como acabei no clube e portanto resolvi jogar mais um ano para terminar a carreira de outra forma.

Nunca lhe fizeram uma despedida no Sporting.
Infelizmente nunca tive. É uma mágoa que eu guardo, mas enfim, não se pode ter tudo na vida.

A adaptação a Liège correu bem?
No inicio nao foi fácil porque nem todos falavam inglês, falavam sobretudo francês e as minhas filhas não se identificavam com ninguém, nem com nada, tinham deixado as amigas cá. Mas com a minha mulher a ajudar elas lá se foram adaptando e criando amizades no colégio. Tínhamos lá alguns portugueses como o Sérgio Conceição, que também tinha levado a família, com quem nos juntávamos de vez em quando.

Quais as melhores recordações que tem dessa época?
Fizemos uma boa classificação, ficamos em 3º lugar, fomos à final da Taça da Bélgica. Desportivamente acabou por correr relativamente bem, apesar de ter estado lesionado algum tempo no pé. As pessoas foram super simpáticas, no clube também. Lembro-me que no meu último jogo, meu e de um croata, o Milan Rapaic, colocaram uma faixa enorme a dizer, em francês, “Obrigado Sá Pinto e Milan”. Foi simpático, um reconhecimento engraçado.

Vem para Portugal e torna-se diretor do futebol do Sporting. Gostou da experiência?
Gostei, correu lindamente. Eu fazia a gestão do futebol profissional, estava logo abaixo do presidente. Foi fácil.

Quando terminou os quatro níveis do curso de treinador?
Por volta de 2010, pouco antes de tornar-me treinador profissional. Fui treinador adjunto do Pedro Caixinha com o terceiro nível; ele tinha sido meu treinador no Sporting, convidou-me para ir para Leiria colaborar com ele e fui. Fiquei a viver em Leiria, mas a minha mulher e filhas ficaram em Cascais.

São experiências muito diferentes estar no Sporting como jogador e depois como treinador?
São responsabilidades diferentes, ambas com grande responsabilidade. Ser treinador acaba por ser mais desgastante por causa da gestão da equipa. Falar individualmente com os jogadores, estar atento a todos os pormenores, para que nada falhe. Como jogador é mais exigente fisicamente e temos de nos preocupar com o nosso rendimento e em não defraudar a equipa. A responsabilidade de treinador é a de gerir uma equipa de futebol com tudo o que isso obriga, a parte do departamento médico, de comunicação, de scouting, etc.

O que é mais difícil de gerir? O que sai cá para fora, nos media, o balneário?
Gerir o que sai cá para fora é incontrolável, infelizmente. O que me deixava mais revoltado e triste era quando saíam cá para fora noticias de foro interno. Infelizmente não conseguimos controlar essa parte, é muito dificil. Outra coisa difícil é a gestão de recursos humanos porque cada jogador é um mundo, com educações diferentes, maneiras de estar diferentes, culturalmente diferentes, etc.

 

entrevista publicada no jornal Expresso (continua aqui)