Parece fácil construir um plantel. Definimos um valor a gastar em contratações, quanto podemos investir em salários durante o ano e cå vai disto. Porém, o puzzle é um pouco mais difícil de completar, existindo tantas variáveis como o número de jogadores que definirmos para o plantel. Cada atleta, conjuntamente com o seu empresário, também tem as suas ideias, cada clube que vende quer acertar no euromilhões, cada emblema comprador quer fazer o seu “negócio da China”.

Pelo meio existe a opinião dos adeptos, que se for desprezada pode gerar uma câmara de ruído ensurdecedor, mas ao ser demasiado escutada poderá levar a caminhos com vários becos sem saída. Não há soluções perfeitas, nem é possível agradar a gregos e troianos. O melhor caminho é mesmo a competência de recorrer aos melhores profissionais e às melhores práticas. Seja na robustez de um departamento de scouting, seja na liderança da secção de futebol profissional, seja na lisura e objectividade com que se dialoga com os outros clubes e empresários.

É precisamente porque o puzzle é sempre penosamente complexo, que o devemos tornar mais simples e, defendendo os interesses do Sporting até às últimas consequências, os nossos dirigentes e técnicos de mercado devem sempre ter em atenção que estão permanentemente a fazer networking e a mostrar ao mundo como gostamos de fazer negócio. Pode parecer tentador atalhar um qualquer processo, passando por cima (ou por baixo) do papel ou ação de um determinado player do puzzle, mas esse gesto perdurará muito para além de um contrato, muito para além de um jogador ou treinador.

Criar um estatuto de confiança com todos os intervenientes nos processos de transferências garante muitas vezes uma vantagem negocial, uma agilidade e rapidez superior que advém da ausência dos naturais protocolos exaustivos e desgastantes, que são naturais entre agentes que nāo se conhecem, nem confiam nas várias partes interessadas.

É a reputação que prevalece perante esta tombola de milhões a que chamamos mercado. Não basta ser firme, intransigente, não pactuante com os carrosséis dos super empresários ou defensor da transparência de meios e dinheiros. É preciso que o clube vá para além do teimoso justiceiro e adquira um “poker face” que lhe permita não dar tréguas aos comilões, ao mesmo tempo que os usa, não ceder nas suas convicções ao mesmo tempo que opera em todos os espaços e realidades.

Lutar por valores diferentes não é o mesmo que ceder nos mesmos só porque se investe num jogador de determinado empresário. A falta de honestidade não é contagiante pelo contacto ou proximidade, mas sim pela empatia na preguiça ou falta de valores e enquanto se tiver bem a noção dos limites até onde se está disposto a ir, qualquer um pode viajar até à “boca do lobo” e retirar da mesma aquilo que lhe interessa. Sejamos honestos, o Sporting não pode (nem deve) ser o “polícia do mercado” e dar-nos-á eterna desvantagem ter de andar a fazer “esses” à volta de todos os empresários com “cadastro” de gulosos. Em muitos sentidos temos de ser capazes de entender que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Por outra palavras, as de BdC, temos de ser capazes de “aturar” os pulhas que tivermos de aturar, definindo com os mesmos a relação que nos interessa, os processos à nossa medida.

Quem tem de dar “caça” às ilegalidades e a meios ilícitos de negociar não é o Sporting. A Direcção pode denunciar, expor o tema, colocá-lo na actualidade informativa, os adeptos podem dar eco, movimento e reflexão ao assunto, mas são as autoridades que têm de chamar a si a procura da verdade e a punição das infracções no caso de existirem. O Sporting terá que saber jogar nestes dois papéis de forma competente e assertiva. Como participante no universo desportivo, defende-lo e como player no mercado, usá-lo em toda a sua extensão não negando os princípios da primeira vertente. Acredito que o que escrevi nos três primeiros parágrafos também pode ser uma excelente forma de assegurar independência face às múltiplas teias de interesses milionários no futebol.

Ser um clube que negoceia num nível de competência extremo, aliado ao facto de termos uma das melhores escolas de formação mundiais e conseguir colocar vários jogadores ao serviço da Selecção, ter a visibilidade habitual na Champions League, todos estes factores asseguram credibilidade desportiva e reconhecimento global deste estatuto, que uma vez conquistado, transforma-se num “escudo” contra más relações inter-clubes e num chamariz de conexões que pode inclusivamente atrair outro tipo de patrocinadores e parcerias. O dinheiro “gosta” de se associar a quem o trata bem e especialmente a quem “promete” aumentá-lo. O Benfica e outros emblemas acreditam (ou querem que outros acreditem) que estas qualidades se centram no toque mágico de Mendes. Menosprezam o seu próprio trabalho, os seus formadores, os seus adeptos e a sua marca.

Eu penso que se Mendes tentasse vender o titular da baliza de um outro clube qualquer do meio da tabela da Liga portuguesa ao Manchester City, provavelmente não iria ser pelos milhões que custaram Ederson. E é esta a enorme falácia que os adeptos de muitos clubes não entendem. O poder dos empresários é convencer os emblemas a serem meras incubadoras de negócios, convencê-los que sem a sua representação “ninguém vai dar tantos milhões pelo jogador x”, baixar a autoestima dos dirigentes ao ponto de necessitar das “despesas de intermediação” como uma droga, que lhes dá a confiança efémera de estarem a conseguir, sempre, os melhores negócios. Que bela lição de má gestão! Acho até curioso que o clube que mais vezes puxa dos galões para falar na excelência e dimensão da sua marca, da sua gestão, da sua eficiência negocial, precisa e assume que precisa, de um intermediário que lhe suga 30 milhões (vamos imaginar que foi só isso) numa época de transferências. É metade do seu orçamento!

É isto que não quero no meu clube. E foi isto que vos tentei explicar ao longo do post. Primeiro, desenvolver competência própria como operador no mercado. Segundo, nem pactuar com Carrosséis nem encontrar isolamentos contraproducentes. Muitos emblemas escolheram outros caminhos e a ver vamos no futuro os porquês dessas opções, mas tenho uma ligeira desconfiança que muitas contas privadas em alguns paraísos fiscais explicariam bem os actos incompreensíveis que desfalcam os clubes a cada ano que passa. Foi isso que BdC afirmou ao canal Bloomberg e há muitos anos e centenas de posts que venho a dizer o mesmo.

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*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca