Olá, Jorge. Estamos a um dia do arranque de um novo campeonato e eu não podia deixá-lo começar sem conversar contigo. Uma conversa o mais sincera possível, até porque se há coisa de que não posso acusar-te é de não dizeres o que te vai na alma, mesmo que sejam os maiores disparates.

Muito por isso, por algumas barbaridades que não controlas, confesso-te: cheguei ao final da época passada sem poder ouvir-te a voz, quanto mais olhar-te para a cara. Aquela última conferência de imprensa, onde soltas um «Não estou feliz, mas desiludido porquê? Se estivesse num clube que fosse campeão todos os anos, sim, estava desiludido. O que aconteceu este ano não foi nada de anormal, anormal foi o que fizemos o ano passado». A isto, juntarias aquela ideia de que só podemos pensar em ganhar o título se contratarmos jogadores acima de dez milhões, contrariando uma teoria tua, péssima e que deixou marcas no balneário, de que os jogadores são meros figurantes e que o treinador é que faz toda a diferença.

Naqueles cinco minutos de press, estava o JJ que eu sempre abominei enquanto treinador do benfic@. Estava o pior de alguém que, inegavelmente, é o melhor treinador a actuar em Portugal e que figura, invariavelmente, nas listas e sondagens de melhores treinadores da Europa ou do mundo: no final de uma época desastrosa, pessimamente gerida desde o estágio ao último terço onde se desaproveitou o regresso de alguns jogadores para dar-lhes minutos e criar bases efectivas para o ano seguinte, tu puxavas dos galões e assumias-te como maior que tudo e culpado de nada.

E enquanto o meu cérebro parecia uma mesa de flipers ao som de “foda-se…”, dei por mim a passar as semanas seguintes a desejar que saísses para um qualquer clube que te deixasses jogar CM ou FM e esbanjar milhões à vontade (agora podias estar a treinar o Neymar, pá!). Dei por mim a olhar para ti como parte do problema e não como parte da solução. E dei por mim a ver a nova época arrancar repetindo o sai uma dúzia e entra uma dúzia da época passada, como se nada se tivesse aprendido (sim, é verdade, pelo menos o plantel está estabilizado a tempo e horas, ficando nós a aguardar por aquilo que o mercado nos traga).

Mas isto de ter menos 23 anos do que tu não quer dizer que não seja gajo para ouvir a mesma música. Conheces o Turn! Turn! Turn!, do Pete Seeger, certo? A time to gain, a time to lose. A time to rend, a time to sew. A time to love, a time to hate. A time for peace, I swear it’s not too late… (já te estou a ver a sorrir enquanto te lembras desta malha do gajo que apelidas de Peter Seagal).

E é neste estado de alma que me encontro. Pronto a dar-te a oportunidade que obviamente merecias pela primeira época e que, obviamente, não merecias pela segunda. Mas, mais do que questões técnico tácticas, pronto a dar-te mais oportunidade de perceberes o clube onde estás. Sim, Jorge, esse é o grande problema. Tu até podes ter sido moldado de Leão ao peito, mas a vida fez-te esquecer algumas das máximas que nos norteiam. É por isso que tu achas, desde o primeiro momento, que és maior do que o próprio clube. Que és a estrela rock que vem dar nova vida a uma banda acabada. É por isso que tu, constantemente e ainda encandeado por uma grandeza balofa que fez parte dos teus dias durante anos, rebaixas o nós em função do eu.

Perceberes isso, é um passo fundamental para atingires o sucesso em Alvalade. Tal como fundamental seria, em meu entender, amanhã acordares e, quando te olhares ao espelho, dizeres a ti mesmo: «foda-se, Jorge, tu estás no clube certo! O clube onde podes provar que és gajo para limpar tudo sem precisar de colinho e de vouchers e de emails e do caralho! O clube onde vais ser expulso várias vezes, algumas só por espirrar, e onde te vai dar um gozo tão maior festejar no final! O clube onde podes calar a boca de todos os que te acusam de não apostar na formação, ganhando com vários jogadores da casa e dizendo, no final, que aqui os Manéis já nascem ensinados! O clube onde as pessoas valorizam o trabalho, a entrega, a humildade e, na sua maioria, preferem passar anos à seca do que ganhar sem honra!»

Era mesmo bom que fosses gajo para dizer isto a ti mesmo, Jorge. Significava que, ao fim de dois anos, tinhas percebido grande parte do que é o Sporting Clube de Portugal. Significava que tinhas percebido que o “limpinho, limpinho” não é uma expressão de merda para se usar depois de ter sido escandalosamente favorecido pela arbitragem. Significava, Jorge, que tinhas percebido que o “limpinho, limpinho” dá muito trabalho.

(a eles, caralho!)

JJaeles