O Vitória chegou a Lisboa e estacionou o autocarro turístico. O Sporting foi desperdiçando oportunidades atrás de oportunidades de castigar este anti-futebol. O resultado, foi um daqueles concertos em que te guardam a canção que queres ouvir para o final

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Tenho cá para mim, que assistir a um jogo futebol e a um concerto tem muito em comum. Levas os dias de espera a imaginar quantos golos vais marcar, quem os vai marcar e a recuperar partidas antigas que te servem de inspiração. Ou levas os dias de espera a imaginar quais as malhas que vão ser tocadas, de que forma podem surpreender-te sendo tocadas em palco e a escutar de fio a pavio as canções para arrumar no teu cérebro as passagens das letras de que podes esquecer-te. Na noite passada, essa proximidade entre o futebol e a música voltou a fazer-se notar.

O Sporting entrou como tem que entrar sempre, nomeadamente em Alvalade. Rapidez, volume ofensivo, vertigem. Nos primeiros dez minutos o Vitória de Setúbal era um daqueles pugilistas a encaixar porrada atrás de porrada, tentando aguentar-se em pé até soar a sineta do fim do assalto. O problema é que o candidato a The Champ não desferia um golpe que fizesse real mossa. Podence ferrava o adversário, mas o cruzamento para Dost era interceptado; Gelson acelerava, cruzava para Adrien, o 23 dava de calcanhar para Dosta e o 28 repetia o gesto para Acuña, mas a bola era cortada por um defesa quando já ia para a baliza; depois os papéis invertem-se e a bola em da esquerda, de Acuña, para uma finalização acrobática de Gelson por cima da barra.

A velocidade foi diminuindo, as investidas foram desaparecendo, os sadinos respiraram e acertaram as linhas defensivas o mais atrás que podiam. E o jogo foi-se arrastando até ao intervalo, com um penalti por marcar sobre Coates, deixando-me perceber que «isto está a ganhar contornos de um concerto do The Cure». O Sporting, qual banda liderada por Robert Smith, tinha aberto as hostilidades com um In Between Days, depois um The Love Song e foi a uma das melhores bandas sonoras de sempre, do filme The Crow, buscar o incrível The Burn. Depois vieram músicas de um novo álbum que um gajo ainda não digeriu e os convidados que iam sendo chamados ao palco apenas contribuíam para os sacanas dos solos instrumentais de improviso, que põem à prova a paciência de todo e qualquer Leão.

E quando dás por ti, o Adrien aproveita uma bola de ressaca e faz tremer a barra da baliza adversária ou, se preferires, voltas a entrar no concerto ao som de um “agito esquelético” Boys Dont Cry. E como de choramingas nada tem, Battaglia (continuo a achar que é um 8 e não um 6) veio por ali fora, puxou da técnica e fez a bola cortada pelo pé do defesa e bater na mão desse mesmo defesa. Bas Dost, farto deste calor e sentindo saudades do Natal, procurava distribuir presentes a tudo e todos: uma assistência para remate de Podence à figura, depois uma assistência para as mãos do redes quando teve oportunidade de cabecear sozinho à entrada da pequena área.

É, o Close To Me tinha voltado a empolgar a multidão, depois o Mathieu ensaia um pontapé de moinho que soa a A Strange Day, mas faltava algo. O concerto ia longo e tu sentias vontade de subir ao palco e gritar “meu, os gajos já não atacam, tira o Battaglia, puxa o Adrien para 6, mete o Bruno Fernades; tira o Podence e mete o Doumbia; tira o Acuña e mete o Iuri!”. A verdade é que não consegues subir ao palco e dos teus desejos apenas o do meio se realiza. E quando Doumbia entrou levas com aquele ritmo “manhoso depressivo tão feliz” do The Caterpillar, que faz voltar a levar as mãos à cabeça quando o 88 a remata com a canhota e depois com a testa. Sempre por cima. Ou ao lado, como quando o desespero se apodera de ti depois do Bruno Fernandes dominar uma bola como só os craques fazes e o costa marfinense aplica um triciclo que falha a baliza sem guarda-redes.

Tudo te soa à esquizofrenia de Let’s Go To Bed, mas tu não desistes. Ninguém desiste e vá-se lá perceber porque raio é que o JJ acha que o pessoal não apoiou. Ele que acabaria o jogo aos pulinhos, junto ao banco (troca-se um pack de cerveja pelo gif disto), quando, como nós, percebe que os rebuçados de sabor intemporal estavam guardados para o fim. É que quando Dost é carregado pelas costas, dentro da grande área, tu escutas os acordes que te dizem que vem aí, finalmente, a Just Like Heaven.

Dost mete a bola na marca e tu cantas “Show me, show me, show me how you do that trick” e, quando ele avança e remata a minha pequena grande companheira Threw her arms around my neck e completa a estrofe da felicidade. É quando tu esqueces tanto sofrimento desnecessário, tanto golo falhado, tanta cerimónia exasperante na hora de rematar, tanto pormenor por afinar. São três pontos, tão justos quanto sofridos, e tu terminas a noite como querias e vais para casa a cantarolar Monday you can hold your head, Tuesday, Wednesday stay in bed, Or Thursday watch the walls instead, It’s Friday I’m in love!