DJICpjJWAAE3mONSerão muito poucos os adeptos de futebol que não admirem homens como Steven Gerrard, Xavi, Iniesta, Totti ou Maldini. Jogadores que, com melhores ou piores vertentes técnicas, ignoram a tendência do mundo do futebol e dedicaram a sua vida a uma causa, um símbolo e umas cores.

Muitos dirão que estiveram em clubes que pagam muito bem é sempre muito fácil mostrar tamanha dedicação quando nem sabem o que está no banco, mas muitos foram os seus colegas que vieram e foram, muitos foram os treinadores, presidentes, desilusões e só eles ficaram.

Não é fácil dedicar toda carreira, que é tão curta e tão dura, a um projecto apenas. Vestir o mesmo equipamento, jogar no mesmo estádio, perante os mesmos adeptos e muitas vezes colher poucos troféus para a sua conta pessoa. Certamente todos se sentiram tentados, até Steven Gerrard assumiu diversas vezes que repensou a  sua vida em Liverpool quando José Mourinho lhe ligou a pedir que fosse até Londres ou até Madrid. Mas no fim do dia seguiu sempre o seu coração, num clube que nem era o seu na infância.

E durante muitos anos homens como eles são elogiados, adorados, ídolos para a grande maioria das pessoas e exemplos para o mundo do futebol. São a excepção à regra que é regida por um mercado aberto, livre e louco. São oásis de lealdade numa altura em que cada vez mais cedo jogadores são influenciados a negar valores a bem do dinheiro. São como pequenas luzes ao fundo do túnel, porque afinal é possível que algum profissional de futebol sinta o que sente um adepto. Por tudo isto, transformaram-se no supremo que podemos desejar ter dentro de portas.

O futebol moderno parece querer-nos negar a felicidade de viver mais histórias bonitas como estas. Parece estar determinado em provar que esses tempos são longínquos e passados, são ilusões num mundo cada vez mais capitalizado para o negócio, cada vez menos para a paixão. E isso tem influenciado adeptos e jogadores, ao ponto de cada um de nós ter de assumir a postura de economista, psicólogo, treinador, especialista em comunicação e até médico. Cada vez menos na pele de adepto, que vestimos apenas uma vez por semana, cada vez mais multiplicados por estes inúmeros papéis que o futebol moderno e as novas formas de comunicação nos forçaram a tomar.

Aceitamos menos do que o Gerrard, porque temos de equilibrar contas. Não acreditamos num Totti, porque os jogadores são apenas profissionais. Somos cínicos quando nos dizem que nos adoram, porque já ouvimos essa conversa demasiadas vezes. Tomamos o seu carinho por falso, não nos apegamos e renegamos a origem do futebol: os ídolos, os super-homens, os humanos capazes de transformar o nada em tudo. E os jogadores ignoram aquilo que fez deles os heróis do sec. XXI, as vozes na bancada, os adeptos, os clubes centenários que estarão em pé muito depois dos seus funerais.

Assim vivemos hoje, como se um Maldini não tivesse valor, como se o romântismo fosse proibido. Como se eu não pudesse exigir ao outro que tivesse metade do amor que eu tenho pelo meu clube, quando ele usa a camisola mais bonita do mundo. Como se cometesse algum crime em desejar com todas as forças um dia ver alguém querer jogar toda a vida com uma listada verde e branca, pouco interessado em mudanças, pouco interessado em clubes inferiores, pouco interessado em deixar o seu coração no Campo Grande.

Quero ter um ídolo como aquele que eles têm em Roma, quero ver meninos crescerem até homens com um leão ao peito e depois disso serem campeões. Quero que esse seja o seu prémio que nenhum dinheiro poderá comprar.

Perdoem-me o romantismo.

 

*às quintas, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa