Uma primeira parte tão perfeita que nos fez trocar de cuecas ao intervalo, um trio a mandar na equipa como se de uma banda rock alternativa se tratasse, o candidato a golo anulado mais patético da história dos golos anulados e um banho de bola com menos brilho por causa de uma mão cheia de disparates. Resultado? Um enorme rugido na Europa e milhão e meio nos cofres

coates grecia

 

Há pormenores que fazem toda a diferença. E quando um gajo, mentalmente preparado para jogar num estádio tradicionalmente difícil, vê a curva adversária levantar uma imagem tamanho XXXXL em que um jogador do Olympiakos está a subjugar os principais clubes europeus, mas também vê que esse jogador tem o número 7 nos calções… respiras fundo e pensas para ti mesmo «estes gajos não sabem onde estão a meter-se…»

Ora, bastaram dois minutinhos de jogo para Doumbia, qual feiticeiro, aproveitar uma bola cruzada por Acuña para se antecipar ao guarda redes (que embateria numa parede uruguaia) e inaugurar o marcador. Tal como em Bucareste, ainda hoje Budapeste para alguns, Jorge Jesus ganhava a aposta ao lançar o “oitxenta e otxo” e, mais do que isso, ganhava margem para colocar em prática um plano de jogo pensado ao milímetro e que denotou total conhecimento do adversário.

Sabendo que os gregos gostam de pressionar alto em casa e que com isso abrem verdadeiras avenidas nas costas do duplo pivot de meio campo, o Sporting ensaiou uma dança da morte para a sua presa ferida à primeira investida. William (que jogo, meus amigos e minhas amigas, que jogo) baixava nas saídas de bola, os centrais abriam, os laterais subiam e tudo isto dava ideia aos rapazes do Pireu que podiam tentar conquistar a bola ali mesmo na cabeça da área leonina. Nada mais errado. Porque o Sporting foi quase perfeito neste carrossel hipnótico e ainda melhor na forma como disparava assim que apanhava espaço.

13 minutos, canto contra o Sporting, Patrício afasta a punhos, Bruno Fernandes (que classe) toca de cabeça para Doumbia e o avançado mostra sabedoria na forma como dá seguimento à jogada, desmarcando Gelson para uma correria de meio campo que acaba como devem acabar todas as correrias de meio campo que te permitem ficar cara a cara com o guarda redes. O puto não tremeu e carimbou o seu quinto golo em oito jogos, abrindo caminho para um verdadeiro banho de bola que tem novo ponto alto cinco minutos depois: novamente Doumbia a arrancar por ali fora e, agora, a ver Bruno Fernandes ao meio; o camisola 8 baila em frente ao defesa e desfere uma meia volta sempre a fugir das mãos do redes que embate no poste.

O treinador grego metia as mãos à cabeça, nós nem sabemos como controlar as nossas, numa espécie de «Take our hands out of control, Take our hands out of control» cantado pelos Yeah Yeah Yeahs nessa belíssima malha intitulada Gold Lion. E, sim, era de ouro o Leão que se apresentava na jornada um da Champions e que um minuto volvido volta a ficar com um golo atravessado na garganta quando Doumbia não aproveita um ressalto e falha na cara do redes. No chamado inferno grego só se sentia a chama leonina e Coates foi por ali fora, louco, galgando metros atrás de metros até falhar mais um golo na cara do redes (momento em que o rapaz encarregue de fazer o relato na televisão pública diz, pela quinta ou sexta vez, que o Sporting ainda pode lamentar este desperdício. Triste).

Mas esta alternância entre defesas de Kapinos e bolas nos ferros não se fica por aqui. Novamente Doumbia a embalar pela meia esquerda e a colocar em Gelson, junto ao poste contrário; o extremo faz gato sapato do defesa e dispara uma bomba à barra. O Sporting ia adiando a construção de um resultado histórico, até que Coates (que completa o trio de melhores em campo) vê Bruno Fernandes arrancar em diagonal nas costas dos centrais e ensaia um passe com conta peso e medida. O resto é a técnica do médio a picar a bola o suficiente para fazê-la raspar no redes e anichar-se no fundo da baliza. Diz que esta foi a 2.ª vez que o Sporting foi para o intervalo na UEFA, fora de casa, com uma diferença de 3 ou mais golos (a primeira tinha sido em casa do Southampton, em 1981) e eu acrescento que ia para intervalo com esse resultado, com uma exibição de fazer um gajo pingar a cueca e com o jogo praticamente resolvido.

No segundo tempo, o ritmo baixou drasticamente. Doubia e Gelson já não disparavam como setas, Bruno Fernandes transparecia algum cansaço, mas a equipa trocava a bola com segurança (pese um atraso louco de Piccini e um disparate monstruoso de Patrício). Dos gregos, só sinal à passagem dos 60 minutos, quando Djurdjevic ganha espaço e remata, valendo Coates a cortar a bola que se encaminhava para a baliza.

O Sporting não acusou o susto e já com Dost e Bruno César em campo, nos lugares de Doumbia e de Gelson, viu o árbitro transformar um remate do Chuta Chuta num sério candidato a golo anulado mais patético da história dos golos anulados (e todos nos lembrámos do que este cabrão nos fez no jogo com a Fiorentina e agradecemos ter sido capazes de o deixar sem margem de manobra com tão grande primeira parte). Depois, Dost esteve pertíssimo do quarto golo: primeiro aproveitando um choque dos defesas adversários para disparar contra o corpo do redes, depois, na sequência do canto, cabeceando em direcção à barra.

Os jogadores leoninos entraram em descompressão total e disso se aproveitou o adversário, com dois golos de Pardo em quatro minutos: primeiro numa displicência colectiva, incluindo de Patrício que podia ter feito mais; depois em mais um momento de “tens que ir urgentemente para a escola aprender a defender bolas cruzadas” protagonizado por Jonathan Silva.

A bola iria ao meio campo, o jogo terminaria e a irritação de milhares de Leões duraria um bom bocado. No fundo, um gajo fica sempre furioso quando uma belíssima canção é perturbada, mas, depois, mais a frio, fica com o melhor deste capítulo em que o Sporting, qual banda alternativa à procura de dar nova vida ao rock, chega ao Glastonbury Festival, deixa meia Europa a falar de si e nos deixa a nós, adeptos, com a certeza de que, repetindo a o nível atingido esta noite, este Gold lion’s gonna tell us where the light is… Ooh ooh, ooh ooh, ooh ooh, ohh ohh!