Incomoda-me qualquer injustiça. Incomoda-me especialmente que em vez de seguirmos a nossa consciência, que nos sublinha o erro, dê-mos um passo atrás, preferindo a segurança da nossa própria zona de conforto. Sai-nos da boca um “ah, mas ele põe-se a jeito”. Assim nivelamos o desequilíbrio e nos isentamos de tomar partido. É como se fizéssemos contas e o saldo fosse sempre tão inconclusivo que nos dá salvo conduto para ficarmos exactamente na mesma.

O Sporting é o clube do “pôr-se a jeito”. As equipas, os treinadores, os dirigentes, todos menos alguns adeptos. Esses raramente se colocam a jeito. Colocam-se apenas do lado de quem nunca se coloca ao lado de ninguém, a favor ou contra muitas das injustiças que o Sporting tem sido alvo ao longo do seu tempo de vida. O árbitro erra mas a equipa “pôs-se a jeito”. A equipa erra, o treinador “pôs-se a jeito”. A disciplina ou a justiça falham, mas foram os dirigentes que se “puseram a jeito”. Há sempre uma justificação qualquer para nos culparmos a nós próprios, como se fosse impossível distribuir culpas e responsabilidades, como se fosse um karma que temos de carregar, sabe-se lá porque razão.

Encarar o nosso clube como especial e único é uma coisa. Viver essa ligação com profundo desamor próprio é outra. Pode até parecer que estou a culpar os adeptos com este retrato, mas não estou. Estou a culpar-me a mim primeiro e a todos depois. Eu também me “pus a jeito”. Sou igual aos que “culpo” e faço muitas das coisas que lhes acuso. A solidariedade que vejo por vezes inexistente no universo leonino não é um defeito que possa ser carregado apenas por uns contra outros. É de todos, é promovida por todos e convém não esquecer que a realidade não é só feita do momento presente. O que temos hoje é apenas a soma de tudo o que lhe antecedeu. Ninguém tem currículos imaculados e quanto mais cedo cada um entender que dividir o clube não o isenta de responsabilidades, mais cedo nascerá um Sporting preparado para suportar o sonho que vivemos há décadas.

O Sporting tem de mudar. Temos de juntos conseguir sair de uma carapaça de karmas, culpas, fantasmas, sebastianismos, para dar espaço ao que aspiramos nas ideias e ambições. O velho Sporting tem um peso descomunal, esmaga tudo e todos debaixo de uma herança de falhanços, de ausências, de erros próprios e de terceiros, afunila talento pelas vias mais rápidas, com paragem obrigatória no nosso esquecimento. Quem nunca entendeu o ponto de esquizofrenia que atravessa adeptos, dirigentes e as equipas, nunca entendeu verdadeiramente o nosso clube. A desgraça está ao virar da esquina, a tragédia é sempre inevitável, o presente é um estado de permanente “porseajeitismo”. A alegria, o prazer, a confiança e o bem-estar são estados de alma que não são permitidos ou promovidos dentro do clube e quem achar que isto é um exagero, pois que escute com atenção 10 minutos de conversa entre dois leões.

Pela minha parte, estou seguro que não é o sucesso que irá mudar algo. Isso é o que nos temos repetido à exaustão e também é a forma mais fácil de cada um se colocar à margem da mudança de mentalidade que estou a tentar expor. O Sporting não pode hipotecar o seu futuro na esperança de anos a vulso, em que está ligeiramente melhor e os seus rivais ligeiramente pior. Isso não é conquistar algo que seja património enraizado de qualquer coisa que possa ser repetível, é apenas uma circunstância e eu, como vocês, não queremos ser um clube que ganha circunstancialmente. Eu quero ser melhor, transversalmente, que os meus rivais. Não peço hegemonias, estruturas infalíveis, Reis Midas ou qualquer outro tipo de genialidades sobre-humanas. Esses “estados” são bons para consumo e partilha de propaganda, circos de palhaços e feras que adormecem as massas à sombra de coisas intangíveis.

Não!

O que quero é um clube que em cada parâmetro de avaliação da sua organização é mais eficiente, mais inovador, mais positivo e agregador de sinergias que os seus rivais. O que quero é um universo de atletas, treinadores, dirigentes e adeptos focados no que se faz e como se faz e não na espuma das palavras e troca de culpas. O Sporting tem de ser uma unidade de trabalho e não uma desunião de argumentos, valorizando o acto sustentado em saber e não consumindo os dias com o que “parece” ou o que se diz. “Gerir de dentro para fora” é uma regra que costuma trazer bom-senso e fazê-lo preocupado, acima de tudo, com o que se passa lá dentro é um bom começo. Pode corrigir-se algo na estrutura para solidificar a sua gestão? Temos os melhores profissionais para nos aproximar do sucesso? Se não, quem são? Como os trazemos para dentro do clube? Se não temos capacidade financeira para investir em melhores Recursos Humanos, o que é preciso para lá chegar? O que temos de mudar para fazer esta revolução de competência “de dentro para fora”?

Ambiente-Alvalade-890x395

As grandes empresas, têm grandes profissionais. Pagam-lhes principescamente porque são bons. Porque isso não é um “gasto”, mas sim um “investimento” que traz mesmo retorno. As grandes instituições não são feitas de gente que concorda e segue pacata e sossegada, mesmo quando observa zonas de acção que podem ser melhoradas. São grandes e influentes, lideram o mercado e a opinião porque têm quadros que querem mais do que passar os dias a olhar para o que fizeram de bom, querem mais, querem melhor, querem tirar proveito e justificar o investimento que é feito sobre eles. Muita gente sonha com um Sporting mágico, que agrega (por artes que não consigo denominar) conjuntos de acasos que de repente nos trazem glória. Eu sonho com uma verdadeira máquina de boa gestão, de gente eternamente insatisfeita, gente que se questiona todos os dias o que está a fazer dentro do Sporting e se pode fazer mais ou melhor. Gente que procura e segue as melhores práticas, e se estas não satisfazem a necessidade, inventam outras. Gente que encarne e que promova a ideia de que estar no Sporting é um previlégio e não uma sina, que estar no Sporting é uma oportunidade para fazer história, muitas vezes estando contra tudo o que foi e é feito no clube, estando contra o inconstância e fervor dos adeptos, estando contra as leis não escritas, mas sabidas, do futebol português.

Chamem-me lírico, ingénuo, utópico, mas este era o Sporting v2.0 que imagino estar ao alcance de Bruno de Carvalho e restante Conselho Directivo. Chamem-me tudo o que quiserem, mas para ser coerente com tudo o que escrevi, também tenho de ser capaz de acreditar que o que vejo e reflicto é semelhante aos desejos de outros sportinguistas e que todos os que detêm algum poder e operacionalidade observam isto que escrevi e irão de alguma forma fazê-lo, insisto, de “dentro para fora”. Que todos nos saibamos “pôr a jeito” para conseguirmos interpretar os nossos papéis e de uma vez por todas, vivermos em conjunto à sombra da felicidade resultante de trabalho, vivermos à custa do mérito da nossa ideia mais positiva de Sporting. Esta é a minha “tolerância zero”. A minha “exigência”. O meu “compromisso”. Quero o fim do divisionismo, o fim dos pedigrees, o fim dos seguidismos e da profunda carência de solidariedade. Daí não nasce nada que já não conheçamos, que não saibamos que nos vai levar ao local do costume e a eternos ciclos de jejuns.

Eu quero um Sporting v2.0. Um que dê ao meu filho mais alegrias e a oportunidade para ver no seu clube exemplos para a sua vida. Exemplos de Esforço, exemplos de Dedicação, exemplos de Devoção e muitos exemplos de Glória. Sabe Deus e cada um de nós que não foi isso que os nossos pais nos deixaram (gostamos de dizer que sim, mas não é verdade), mas cabe também a cada um de nós fazer diferente e ajudar para que se instalem novas mentalidades, novos comportamentos, novos estímulos…para que deixe de existir a profunda divisão entre quem “está dentro do clube” ou “fora”, pondo um fim absoluto ao profundo desperdício de força e talento de olhar um clube pelo que é não pelo que pode vir a ser.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca