Foi há vinte anos, exactamente… O Sporting massacrado por quinze anos sem qualquer titulo e com uma situação financeira calamitosa, dava um passo que se haveria de revelar decisivo para o desporto profissional português!

José Roquette, na altura presidente dos leões, e com uma visão diferente do desporto dos, então, presidentes, lançava a pedra mais revolucionária do seu ideário, que haveria de ser conhecido, simplesmente, pelo “Projecto Roquette”: a criação da sociedade anónima desportiva, que passaram a ser conhecidas pelo acrónimo SAD.

Inicialmente, vista como o toque de Midas que, através da subscrições dos adeptos e dos demais interessados, haveria de tornar os clubes nacionais ricos, beneficiou para a popularidade do modelo do título alcançado por Augusto Inácio, graças aos golos do argentino Beto Acosta. E tal, fez com os que os clubes mais ricos seguissem o modelo, ainda que no Benfica o “modelo à Vale e Azevedo” tivesse de ser revogado, aquando da vitória de Manuel Vilarinho nas eleições.

Eram os tempos da esperança… em que os clubes legalmente estavam obrigados a, apenas, poderem ser donos de 40% do capital subscrito (as acções tipo A), mas que para não perderem o controlo da sua idiossincracia criavam as famosas SGPS (Sociedade Gestora de Participações Sociais)que ficavam na posse de 11% dos títulos, de modo à associação manter o seu controlo. Ou, então, recorrer à via dos apoios autárquicos de modo aos interesses principais dos criadores da SAD não ficarem reféns de um qualquer investidor excêntrico e capaz de subverter a ideologia da cidade e do clube.

Eram, também, os tempos do modelo especial de gestão. Aquele modelo, que alguns clubes, como o Vitória SC, orgulhosamente seguiam. Porque diziam eles “o Vitória é dos sócios e são eles que nele mandam”. Apesar da estrutura profissionalizada que a lei obrigava nestas situações, da separação financeira entre as modalidades profissionais e as demais, a verdade é que quem seguia este modelo assumia perfeitamente que preferia os caminhos do associativismo e do antigamente, ainda que com a perfeita noção que o dinheiro era necessário e havia que gerar mais valias e fontes de receitas.
Entretanto, o tempo foi andando…

O futebol português, fruto do acórdão Bosman e de más escolhas desportivas, foi cada vez mais ficando um “parente pobre” no panorama Europeu. A competitividade ia decaindo e a imprensa ia vendendo que os bons resultados das equipas estrangeiras se deviam ao investimento externo, à sua capacidade de terem contas limpas, de serem transparentes em matérias fiscais, em terem um controlo restrito da sua contabilidade… olvidando de referir que isso pode acontecer em qualquer modelo, desde que à frente dele existam bons gestores!

 

roquette

 

E esquecendo as constantes operações de aumento de capital para as sociedades não terem capitais próprios negativos, não entrarem em falência técnica e que os passivos iam roçando o dantismo nas suas proporções… E fruto desse olvidar, em 2013, sai a lei que, apenas, viu um lado da questão…que violou o direito de as associações constituírem-se do modo que tenham como mais frutuoso para atingirem os seus fins, obrigando os clubes a tornarem-se em sociedades, sob pena de ficarem impedidos de competirem nas provas profissionais.

E, se no primeiro diploma, havia a preocupação de os clubes manterem o controlo da sociedade, com o novo diploma essa inquietação esbateu-se! Os clubes que, neste momento, optaram por este modelo (lembremos que os mais fortes já há muito o haviam constituído e alguns optaram por manter o controlo de si através da criação de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas) na sua maioria tinham passivos altos e dificuldades financeiras.

O futebol português nunca viveu tempos de “vacas gordas” e na altura em que as sociedades desportivas passaram a ser obrigatórias, ainda pior estava, até fruto da conjuntura nacional. Portugal vivia os tempos do resgate da “Troika”, o dinheiro “estava caro”, o crédito bancário era de difícil obtenção e as despesas permaneciam ou aumentavam!

Óbvio era que quem teve de seguir este instrumento estava num situação de carência! E tal levou à grande revolução do mundo desportivo profissional: as sociedades desportivas constituídas pelos clubes passaram a ser detidas por accionistas maioritários, muitas vezes extrínsecos ao clube, sem entenderem os desígnios dos sócios, sem qualquer apego às cidades de onde estes pertenciam e sem sequer entenderem ou conhecerem os sócios. Neste momento, vemos accionistas nigerianos no Feirense, vemos um proprietário sul-africano no Vitória SC, vemos capital inglês no SC Braga, entre tantos exemplos… mas vimos investimentos malogrados de chineses no Atlético, de italianos na Olhanense, de iranianos e transalpinos no Beira-Mar e mais alguns que, para não tornar a exposição fastidiosa, abster-nos-emos de referir… E vemos também desconfiança das decisões tomadas no Belenenses, no Leixões, ou no Benfica…

Porém, a certeza que a revolução mais do que legislativa, deveria ter sido feito nas capacidades de gestão dos dirigentes!
Independentemente do modelo a seguir, a gestão profissionalizada que apregoaram para governar as sociedades desportivas manteve-se nos patamares de antanho, seguindo apenas as obrigações legais.

Urgia, isso sim, ter preparado quem manda para a necessidade de adoptar a gestão para os tempos e não fazer do futebol uma modalidade autista desprovido da preocupação de acompanhar a economia e a sociedade…
Mais do que ser SAD ou SDUQ, urgia existir a “aurea mediocritas” a que Aristóteles aludia…

 

texto escrito por Vasco André Rodrigues para a página Economia do Golo