Aproveitando uns dias de descanso em Manchester (que aconselho vivamente a todos os que ainda não conhecem) e marcados depois de uma noite de copos, em que decidimos que a nossa próxima viagem teria forçosamente de incluir um jogo da Premier League, dei por mim às portas de Old Trafford, Teatro dos Sonhos que desde sempre fez parte do meu imaginário futebolístico.

Sempre adorei o Chelsea, muito graças a alguns dos futebolistas que mais apreciava como Ballack, Drogba, Makelele, Joe Cole (que só mais tarde percebi o que era realmente Joe Cole), o super Frank Lampard, Ricardo Carvalho e Petr Cech (para mim um dos melhores de sempre). Mas ir até Stamford Bridge é quase uma missão impossível, em parte graças à dimensão do estádio, mas principalmente porque o número de bilhetes de época que são vendidos em Agosto quase esgota as bancadas para toda a temporada.

Old Trafford era então o segundo destino mais apetecível e inegavelmente o mais bonito e composto estádio inglês. Os bilhetes foram conseguidos com bastante facilidade e o adversário aguçava ainda mais o apetite: o recém regressado Newscastle, um dos clássicos do futebol inglês e uma das equipas sensação deste princípio de campeonato.

O jogo estava marcado para as 17h30 mas não quisemos perder o verdadeiro espírito que tanto vemos um pouco pelas redes sociais, vídeos e relatos da Premier League. Passava pouco tempo das 13h00 mas uma multidão já fazia fila à porta dos mais famosos pubs. O condutor de Uber que nos levou até lá explicou quais os mais conceituados, os melhores para beber apenas, os melhores para a festa, onde comer e onde comprar os cachecóis mais baratos. Ele era adepto do City, gostava do futebol de Pep Guardiola, mas achava que o Tottenham seria a equipa inglesa a chegar mais longe na Champions League. Concordei, referindo depois que haveria poucas coisas mais incomodativas do que o Tottenham. Ele concordou.

Pela estrada que dá acesso ao estádio fomos bebendo algumas cervejas, comendo uns petiscos (tudo frito, claro) e conversando com alguns dos adeptos que já ali se encontravam. Quase todos me agradeceram por ser do Sporting, pelo Cristiano Ronaldo e um até disse que para sempre teríamos um lugar especial no seu coração. Os amigos concordaram. Discutimos onde iria CR7 terminar a sua carreira, a maior parte achavam que seria no Sporting ou no Real Madrid, quase todos referiam que estavam cansados de esperar por ele. Provavelmente a única coisa com que me relacionei.

Trafford foi o nome do pub onde acabámos por sentar, beber cerveja morta e assistir ao verdadeiro espectáculo. Centenas de adeptos, todos enfiados num espaço pequeno como sardinhas, cantavam, abraçavam-se, riam e saltavam entre perfeitos desconhecidos e amigos. Cantaram para Eric Cantona, George Best, Mourinho, Fergie, Ibrahimovic, lembraram os eternos rivais John Terry e Gerrard e algumas lendas como Solskjaer e Ryan Giggs. Todos os jogos eles celebram o seu passado e o seu presente, vivem todas as tardes de sábado como se estivessem prestes a atingir mais um título, mesmo depois de tanta coisa conquistada em 20 anos e tanta desilusão nos últimos 5.

 


Foi um verdadeiro presente que me deu o futebol, assistir a tantos milhares de pessoas viveram de forma tão positiva o seu clube, sentir que estava realmente perante algo novo e de devoção profunda. Ali naquela tarde não importavam os oito pontos de distância para o primeiro lugar, poucos pararam para ver quanto estava o Arsenal frente ao Tottenham ou se o Liverpool estaria a ganhar. As televisões, sem som, não eram mais que peças decoração num cenário de vermelho e preto em que só o ManU poderia importar. Naquele dia era para vencer o Newscastle, tudo o resto se veria a partir das 20h00.

Já dentro do estádio, depois de terminar uma cerveja apressadamente junto à bancada (o único sítio onde não se pode beber) os adeptos do Newcastle recordavam Alan Shearer às bancadas de Old Trafford, que um dia recusou ser Red Devil. O Teatro dos Sonhos respondeu, em uníssono, que foi com Alan Shearer que foram parar à segunda liga. E o nome de Alan Shearer foi mesmo o mais cantado durante toda a partida.

Começou da pior forma para os homens da casa. Um contra-ataque venenoso e os magpies fazem subir o marcador, para delírio dos milhares de adeptos visitantes. Nos estádios ingleses estão junto ao relvado, ouvem-se por todo o lado e podem celebrar pacificamente os golos da sua equipa. À minha frente um grupo de cinco adolescentes saltou da cadeira e partilhou abraços sem qualquer constrangimento. Ninguém lhes disse absolutamente nada, limitaram-se a cantar mais alto o hino do Manchester United.

 

 

Os homens de Mourinho viriam a virar ainda na primeira parte, num jogo fantástico que ganha ainda outra dimensão se pensarmos que Young era o lateral esquerdo. Algo que, sinceramente, nunca esperei ver ao vivo. Nem em casa. As bancadas estão impacientes com o jogo de posse e com tanta troca de passes. Para eles o futebol é velocidade, sempre, é rasgos individuais e oportunidade atrás de oportunidade, é rematar e depois logo se vê. Para Mourinho e para os seus jogadores, grande parte nascidos e criados noutros países, o futebol é mais frio e táctico, exige mais calma e menos cruzamento disparatado. E foi com calma e sem grande correria que o United viria a ganhar 4-1 num jogo que parecia estar complicado.

Como último presente nesta fantástica jornada, Zlatan Ibrahimovic regressou aos relvados depois de uma lesão extremamente complicada e teve tempo para receber o enorme aplauso das bancadas. Foi um dia inesquecível para ele e para mim. E essa será a única coisa que temos em comum.

 

 

 

 

*às quintas, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa