Ultimamente temos assistido a uma espécie de “Movimento Vamos Falar de Bola”, um verdadeiro coro de analistas e opinion makers que convida os adeptos do futebol a juntarem-se a genuíno e bacoco enterranço generalizado de cabeças na areia. Sugerem estas “almas puras” que se está a dar demasiada importância a assuntos marginais ao próprio jogo e como tal, ameaçam devorar o espaço de diálogo que rodeia este desporto.

A minha primeira pergunta é: onde é que esta malta vive desde há 40 anos? Vivem em Portugal? É que desde que se colocou um microfone ao pé da boca de um dirigente em Portugal este é o habitual estado do diálogo. Desde que há programas de televisão que se discute a arbitragem e também desde que há paineleiros que o ambiente típico é o mesmo que vivemos agora. O que mudou, para que queiram agora fingir que não se passa nada?

Mudou uma coisa. Os bastidores, que outrora eram espaços reduzidos e apenas do conhecimento só dos que lá andavam, de repente, andam na boca (e nos emails) de toda a gente. Todos têm mais ou menos noção do “vale tudo” em que se transformou a habitual guerrilha entre os 3 grandes. Hoje, o adepto está incomparavelmente mais informado dos podres do nosso futebol e embora continue a existir o jogo dentro das 4 linhas, é difícil para qualquer um de nós ignorar a enormidade de distorções que são feitas, através da arbitragem, justiça e disciplina…ao futebol que vemos jogado dentro de campo. O exemplo é mau, mas é como nos recomendarem a entrar e comer num restaurante onde sabemos que existem 50% de probabilidades de sair de lá com uma gastroenterite.

O “Vamos Falar de Bola” é antes de mais nada, uma concepção estúpida. A solução para voltar a ter um futebol espetáculo, com o jogo e os seus “actores” no centro do debate não é ignorar o que está mal no dirigismo, mas sim enfrentá-lo como algo a erradicar, algo a punir severamente, algo a consertar. Tal como a solução para tratar uma doença não é fingir que não existe, mas sim agir no sentido da diagnosticar e encontrar a melhor cura. E sim, provavelmente enquanto não chegarmos a esse estado, a falta de saúde não permitirá grandes manifestações de alegria ou bem-estar. Enquanto não estiver tudo de volta ao que seria normal, há que falar, debater, partilhar e sobretudo permitir que os adeptos estejam por dentro e atentos ao que será feito para tratar este cancro no nosso futebol. A solução é enfrentar o problema. Enfrentar o que verdadeiramente ameaça o nosso futebol, que não é o diálogo sobre emails, Apitos Dourados ou Abençoados, Vouchers e afins, mas sim o porquê e como foi possível terem surgido (e permitidos) estes expedientes no nosso futebol.

Não é possível termos chegado a este estado de banditismo sem que muitos responsáveis (PJ, Governo, MP, IPDJ, FPF, Liga, APAF, etc) não possam ser incriminados por lascismo, por inépcia, por cobardia, por colaboração, por afinidades politico-financeiras, por compadrio ou tráfico de influências. Muita gente se demitiu das suas responsabilidades e pactuou activa ou passivamente no lento caminhar do futebol português em direcção ao abismo onde nos encontramos. A própria imprensa colaborou (algumas vezes intencionalmente) na construção deste monstro de ilegalidades e esquemas. Deu (dá) guarida a bandalhos com profunda mentalidade anti-desportiva, permitiu a ascensão de gente com agendas hiper-clubitizadas e sobretudo troca anúncios por espaço dado a mentiras e joguinhos de comunicação.

paineleiros

Hoje temos um lote de jornalistas activamente a trabalhar em função da hegemonia de um clube, um lote de juristas a cuidar da protecção dada desportivamente a um clube, um conjunto enorme de “toupeiras”, “espiões”, “insiders” e afins a esventrar a posição equidistante e isenta de todos os órgãos de decisão das instituições desportivas…em favor da supremacia de um clube. Isto não é desporto, não é legal, não é moral nem aceitável. Isto não é possível ignorar ou contornar. Isto é o princípio do fim dos 2,3% de credibilidade que ainda existia no futebol. “Vamos Falar de Bola”? Como?!

Como vamos falar de bola, quando os principais players da podridão nos aparecem todos os dias nos ecrãs de TV?
Como vamos falar de bola se os “boys” do Apito Dourado chegam a Presidentes da FPF e altos quadros da UEFA?
Como vamos falar de bola se um dos maiores devedores a bancos falidos, que estamos a pagar do nosso bolso, é presidente de um clube e diz que o seu compromisso é saldar as dívidas bancárias desse clube?
Como vamos falar de bola ao sabermos que metade dos árbitros de 1ª categoria, chegaram a essa posição através de favores prestados a um clube?
Como vamos falar de bola, se quem fala de bola na TV o faz recorrendo a cartilha pensadas e realizadas para denegrir todos os outros clubes e protegendo apenas um?
Como vamos falar de bola, quando uma das medidas mais saudáveis das últimas décadas (VAR) é completamente assassinada pelos árbitros e comentadores, todas as semanas?
Como vamos falar de bola quando sabemos que uma parte dos árbitros que apitam os nossos jogos está sobre sequestro de informação privada, nas mãos de pessoas com o calibre moral de um Paulo Gonçalves ou Pedro Guerra?
Como vamos falar de bola se os jornalistas são censurados e filtrados para reflectirem uma imagem do nosso futebol concordante com o alinhamento de dois clubes do nosso país?
Como vamos falar de bola, se entendemos claramente que há medo e incapacidade dos media para nos relatar o que se passa verdadeiramente no nosso desporto-rei?
Como vamos falar de bola, se tudo o que vemos, lemos e ouvimos nas redes sociais se assemelha a uma verdadeira ditadura coordenada por verdadeiros criminosos sem escrúpulos?

Como vamos falar de bola…se temos tudo para não conseguir falar de bola? Se temos tudo para ir para as ruas exigir mudanças, acção, moralização, justiça, punição! Isto nada tem a ver com bola, futebol ou desporto. Isto é o nosso país! Este é o resultado da inação e profunda corrupção das nossas instituições. Este é o retrato da moral e da idoneidade de quem nos governa. E que se fodam os políticos, isto é responsabilidade de todos os partidos, todos os MP´s, todos os governos, todos os que foram eleitos, delegados, contratados para que nada disto fosse permitido.

“Nada está provado…”. ”Não há provas que incriminem…”. “Cabe à PJ e ao MP…”. “São as autoridades que terão…”. Mas quantas pessoas vão pôr as mãos no fogo por uma decência que nunca vimos em processo algum? Quantos de nós verdadeiramente acreditam que os culpados vão ser punidos? Quantos vão passar mais um cheque de candura perante tudo o que vimos nos últimos meses? Vamos esperar 7, 8, 9, 10 anos para ver justiça no nosso futebol? E quantos campeonatos vencerá o Benfica? Quantas faixas de campeão serão colocadas no dorso de Vieira? Quantas garrafas de champanhe irá abrir Pedro Guerra no Marquês? Quantos mais notas baixará Paulo Gonçalves?

E…perante isto tudo…a FPF e a Liga mudas, caladas e penduradas na estupidez da espera pela justiça cível. Como Pilatos a lavar as mãos do que seria a sua prioridade e responsabilidade. Acabar com esta pouca-vergonha! E no entanto olho para Fernando Gomes e Pedro Proença e vejo apenas rostos de nadas, de gente que não tem sangue a correr nas veias e que se alheia completamente do que eu ou outro adepto qualquer acha, sente ou acredita. Eles na verdade já desistiram do futebol. Eu não. Por isso digo…”Vamos Falar de Bola” mas é o caralho! Vamos é acabar com esta miséria moral, expulsando quem não está no futebol para o melhorar. Colocando atrás das grades quem tiver infringido leis. Irradiando quem procurou proteções ou vantagens sem olhar aos regulamentos ou às funções que ocupa ou ocupou.

Só uma última nota de humor negro: Luis Freitas Lobo, um dos campeões do “Vamos Falar de Bola”…enquanto introduzia as linhas do movimento, conseguia não ver penalidades a favor do Sporting (frente ao Boavista) entre outras faltas de visão bastante sugestivas. O poeta das glórias do sistema, o trovador do Apito Dourado, a recomendar-nos a “acreditar” no jogo, nos árbitros, nele próprio…(mais absurdamente corrupto que isto não fica).

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca