Costuma-se dizer que “pássaro que come pedra, sabe o cu que tem” e eu imagino que a abordagem de um clube de futebol ao mercado de Janeiro tem tudo a ver com a alegoria deste ditado.

Esta janela de transferências é uma espécie de 2ª ida ao supermercado, aquela que normalmente não faríamos se na 1ª todas as compras tivessem sido feitas e todos os “produtos” comprados tivessem correspondido às expectativas. Ora, sendo o futebol tudo menos ciência exacta, é quase impossível que não existam melhorias a fazer e havendo dinheiro, elas fazem-se. Pelo menos tentam-se.

Para compreender o que tem sido e ainda pode ser este mercado para o Sporting, valerá muito a pena adivinhar o que não foi tão bem conseguido na janela anterior.

Na baliza e sem surpresas, Rui Patrício continua a um nível que não deixa margens para sonhar com melhor. O lugar de suplente, ocupado por Beto na época anterior, é agora pertença de Salin que tem cumprido o papel na medida da exigência – sem comprometer.

No lado direito da defesa podemos encontrar duas boas surpresas. Piccini e Ristovsky tem dado (e em muito jogos, sobrado) para as encomendas. Sabemos o quão exigente é JJ com os laterais e apesar dos elogios do treinador recaírem quase sempre para o lado do italiano, os adeptos têm feito a sua parte e destacam sempre o macedónio nas boas críticas à exibição da equipa. E até parece que há muito por essa Europa que esteja atenta ao “Sr. Tre Milioni”.

Se o lado direito tem sido devidamente preenchido sem grande história, o esquerdo tem muito mais para contar. Coentrão, apesar do histórico clínico, tem conseguido assegurar o mínimo de partidas para que continue a ser encarado como “a solução”, mas a época este ano vai ser longa e estará para vir muita cacetada, muito relvado pleno de irregularidades, muita “papa” e lama onde os pés podem falhar. Muito se especulou no Verão qual seria o suplente e para todas as surpresas (a minha nem vos conto…) acabou por ser mesmo Jonathan Silva a ser o eleito. Se formos verdadeiramente frios na análise, podemos concluir que outro tipo de lateral talvez tivesse dado à equipa maior segurança defensiva, mas o argentino cumpriu os mínimos dos mínimos…dos mínimos. Chega? Na minha opinião, não. Sobretudo quando o outro colega que luta pela posição tem tendência a lesionar-se, Jonathan é… insuficiente. E sê-lo-á ainda mais, vindo de lesão prolongada, sem ritmo e naturalmente com as “desconfianças” da praxe.
Obviamente que outras soluções devem ser procuradas internamente, antes de partir para novas aquisições. Mas até neste capítulo, tenho alguma dificuldade em ver quer Acuña, quer Bruno Cesar como alternativas. Para mim serão sempre desenrascansos, não soluções. Na minha opinião, não são, sem nunca vão ser laterais competentes e não são os devaneios de seleccionadores argentinos desesperados que nos devem “iluminar” o caminho, mas sim a nossa própria avaliação das capacidades dos atletas. O Sporting não deve arriscar mais neste capítulo e, na minha opinião, não deve nem pode construir um plantel tão rico em soluções, para deixar um calcanhar de Aquiles tão evidente.

No centro da defesa a grande novidade tem sido Mathieu. O que gera um facto óptimo e um péssimo imediatamente. O bom: o Sporting descobriu um central de grande categoria, a preço moderado, que tem feito exibições irrepreensíveis e elevado bastante a fasquia exibicional do sector. O mau: tem repetidas lesões e tempos de paragem que não aconselham “usos” mais descontraídos. Sabendo todos nós a importância das rotinas da dupla de centrais… temos aqui umas largas gotas de caldo entornado.
André Pinto também não entrou com o pé direito nesta época. Uma lesão na fase de preparação na época, que entrou pelos primeiros encontros oficiais dentro, descapitalizou a margem deste jogador para discutir o que fosse em termos de titularidade e foi a muito custo e com as lesões de Mathieu que foi descoberta a “janela” para que somasse mais minutos que a última solução no sector, que tem sido Tobias. Ora tendo um dos titulares na dupla as fragilidades de Mathieu, tudo aconselharia que a 3ª via fosse um pouco mais assertiva que André Pinto, que não comprometendo, sejamos honestos, também não tem sabido fazer muito mais do que isso. O que não é suficiente nem para JJ, nem para a maioria dos adeptos. Fala-se de Marcelo para render Tobias Figueiredo. Sem nada a apontar ao brasileiro, para mim é como pegar num baralho e só baralhar 2 cartas, não vamos ter grandes surpresas. Mas pronto, entendo que o dinheiro não estica, logo, venha de lá esse ou outro “Marcelo”.

festadost

No meio-campo, começando com a posição mais defensiva, o que se pode dizer é que William continua a ser o Rei incontestado. Nem sempre temos o Grande William, mas a outra versão também não é de deitar fora. E quanto aos “pretendentes” Petrovic e Palhinha, bom, a um falta um pouco mais de convicção, ao outro falta jogo. O que é certo é que estão a um “penalti contra o Benfica na Luz” do titular. Chegou Misic e tem estampa de 6. O problema é o resto. O croata não parece “moldado para funções tão defensivas e mesmo que JJ o venha a colocar na “máquina de fazer trincos” tenho dúvidas que isso seja uma realidade imediata, pronta para nos Fevereiros e Marços emular William dentro de campo. Para já parecem-me 3 jogador para 1 posição e eu arriscaria que o Petrovic vai levar mais uma guia de transporte e dinheiro para o Taxi. Há ainda que considerar Battaglia para a posição, especialmente agora que veio mais “carne para canhão” na posição de “box-to-box”.

Na missão 8, o plantel sofreu muitos pesadelos, não tanto dentro de campo mas sobretudo na cabeça de JJ. Saindo Adrien foi Battaglia o escolhido. O argentino cumpriu aos olhos dos adeptos e especialmente aos olhos da crítica, mas há qualquer coisa que me diz (e não são as insinuações ridículas de Pedro Guerra) que o Rodrigo não tem dado ofensivamente a construção de jogo que o treinador tinha com Adrien. E o que suporta verdadeiramente esta minha opinião foi a opção de recuo de B.Fernandes para essas funções, algo que sendo racional, não fica como a melhor prova da confiança de JJ em Battaglia como um “construtor de jogo”. Talvez a chegada de Misic e Wendel tenha directamente a ver com esta questão, talvez as lógicas de investimento no plantel tenham acelerado estas contratações, a verdade é que nesta posição, passaram a existir mais soluções do que existiam, mesmo que ainda distantes de uma adaptação imediata.
Não mencionei a colocação de Bruno César e Bryan Ruiz, pois me parece que definitivamente esse foi um chão que deu poucas uvas e apenas compreensível em jogos de menor exigência. Nenhum dos dois jogadores tem “espírito” defensivo e capacidade para cobrir linhas de passe que baste para serem levados a sério como “médios puros”.

O esquema 4-4-1-1 de JJ é um “bicho” difícil de compreender as mecânicas. Já o era com Alan Ruiz, tornou-se muito mais complexo com B.Fernandes. O português é um jogador muito mais móvel, mas também muito mais “vagabundo” e isso dificulta a aproximação da equipa ao que um avançado como Dost melhor proporciona. Tanto assim é que imagino que só a enorme qualidade do internacional luso tem obrigado o treinador a prescindir de um 2º avançado, para que exista de facto espaço para um homem que nem é médio avançado, nem é avançado recuado. É Bruno Fernandes. Para já a equipa tem sabido encontrar os espaços para marcar golos e enquanto assim continuar será ele mais Dost, seja lá essa dupla o que for.

Nas alas, Gelson continua a progredir e a assumir (ainda mais) importância na equipa. Tanto tem melhorado que expõe as restantes soluções como “menores” ao olhos de toda a gente. Acuña foi uma boa contratação, mas algures nas viagens entre a América do Sul e Portugal apareceu um desgaste físico que não retira valor ou mérito no que dá à equipa (e deu bastante), mas retira fulgor e dúvida se “chega” para as grandes empreitadas que se adivinham. Iuri Medeiros era o Joker, o 3º passageiro, o candidato natural a finalmente criar raízes na equipa. Por razões que já o tinham tirado do plantel na época passada, voltou a ficar aquém do nível imposto pelo estatuto competitivo do clube e particularmente nos jogos em que a fasquia estava claramente mais baixa, Iuri não fez por ser o grande jogador que todos sabemos que está ali, timidez, ansiedade, seja o que for… impediu o extremo de brilhar e criar condições para encontrar o seu espaço na equipa. Por tudo isto e porque ainda houve a dupla “faz-tudo” de Bryan Ruiz e Bruno César, faltou sempre qualquer coisa mais para JJ usar em muitas partidas e é assim que desembocamos em Ruben Ribeiro. O jogador do Rio Ave, chega tarde aos billboards da Liga, mas chega forte. Esta época tem sido um jogador completamente em destaque, rivalizando como poucos com as notas e apreciações dadas aos jogadores dos clubes “grandes”. Não é fácil consegui-lo e a cada jogo que foi passando, foi cada vez mais óbvio que RR era um atleta que tinha capacidade para voos mais altos.
O que é Ruben pode dar ao Sporting? Sobretudo melhor e mais estendidos períodos de posse de bola. Talvez mais proximidade da ala esquerda a Dost. Não é verdadeiramente um jogador de linha, mas fá-la bem já que tem um pulmão de fazer inveja, que dura os 90 minutos (ouviste Huevo?). A ver vamos se com as exigências defensivas de JJ, não vamos retirar o brilho e a imensa nota artística que tem dado ao Rio Ave. Mas já é bom contar com mais um “artista” nas alas e espero que venha a dar boa luta ao argentino. Vou deixar Raphinha fora desta análise, já que não faço a mínima ideia se vem ou não em Janeiro.

No capítulo do ataque, as questões principais continuam as mesmas das que foram levantadas no início da época. Quem é o suplente de Dost e quem pode ser o seu companheiro numa frente com dois homens? É que Doumbia não se tornou nem no substituto natural, nem útil para o acompanhar. Por outras palavras, o costamarfinense não se assumiu nem como o melhor inimigo amigo de Dost, nem como o seu melhor amigo. Pelo valor certo, sairá embora seja fácil entender a sua utilidade em alguns esquemas, mas definitivamente há que assumir que Doumbia é uma peça de puzzle que sendo bonita e com valor, não encaixa nas nossas necessidades. Num cenário ideal sairia para poder(em) entrar as duas soluções que falei no começo do parágrafo. A dependência absoluta de Dost não é uma boa condição para se ter, sobretudo olhando o desgaste que vem por aí.

Concluindo, muito foi conseguido já, muito mais ainda há para poder ser feito. Tudo se irá resumir à disponibilidade financeira e às possíveis saídas com retorno para o cofre da SAD, quer através de massa salarial aliviada quer de verbas de transferências recebidas. O Sporting, tal como os nossos rivais depende das saídas para poderem existir entradas e particularmente nesta janela de mercado, isso costuma ser bastante complexo. Há centenas de variáveis em jogo e muito risco associada a qualquer uma delas.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca