Eu gostava de um Sporting hipercampeão nacional, hipercampeão europeu, em todas as modalidades. Sonho ocasionalmente com isso, às vezes no sonho sou um atleta (geralmente um extremo esquerdo que marca uma quantidade pornográfica de golos, e de qualquer ângulo, às vezes um intransponível trinco-tractor, “à Oceano”), noutras o Presidente do Clube (penso que ser Treinador nunca calhou, nem em sonhos…).

Eu gostava que o BdC fosse tudo o que ele é, mas ao mesmo tempo capaz do subtil cinismo e da fina ironia nas relações institucionais com este sistema Luso podre (que extravasa em muito o Futebol…), com temperamento de aço, resiliência à ingratidão, foco nos objectivos, paciência para a indecisão dos que o rodeiam. Que tivesse um léxico mais rico, que fosse menos injurioso, que evitasse o gélido apontar do dedo a sócios e adeptos, que não generalizasse o que é minoritário. Que nunca duvidasse da força dos muitos que estão com ele, a suportá-lo, só por causa do ruído e das trafulhices de poucos que esperneiam e sim, que aborrecem. Que gerisse os conflitos internos com mestria e eficácia, no silêncio daquilo que nunca chega a ganhar qualquer relevância pública.

Eu gostava que o JJ juntasse ao seu inegável talento uma forte dose de modéstia, a modéstia dos bons, aquela que nem custa assim tanto. Que distribuísse por outros os louros que, no fundo, todos saberiam ser dele. Que enaltecesse tudo o que de maravilhoso é este Clube, em vez de frequentemente focar o acessório, o que lhe dá aquele pequeno prurido que ele não resiste em esgravatar furiosamente, acabando por fazer sangue. Que ele soubesse comunicar as suas opções sem arrogância, acalmando os que lhe suspeitam os mais variados vícios de personalidade e de comportamento nas suas opções profissionais, sem escusadamente recear que isso o apouque, ou enfraqueça na sua autoridade. E não se nota tão bem a semelhança dos feitios? O que se aplica a um às vezes parece servir que nem uma luva ao outro!

Sim, eu gostava disso. Penso que todos gostávamos. Mas o que temos no final, pragmaticamente (e bem acordados) falando, é este BdC, que como qualquer um de nós, está bem longe do ideal, do tal Presidente dos nossos sonho.

bruno-de-carvalho

É o BdC que pegou num Clube falido, na iminência de descer de divisão, e que o restruturou, refinanciou (numa altura em que não tínhamos dinheiro para mandar cantar um cego), valorizou os activos possíveis (foi a Formação, mas também não havia outros disponíveis…), reforçou com talento os departamentos técnicos das várias modalidades, manteve um mínimo de competitividade por todas, sendo que paradoxalmente o rendimento até aumentou desde logo (??) em várias delas, conseguiu ir melhorando, ano após ano, a orçamentação, fruto de uma brilhante gestão, permitindo outros vôos, outros sonhos, cada vez maiores, fazendo também crescer em cada um de nós uma esperança proporcional, fundamentada (às vezes também a ansiedade, e a impaciência, como aquele interminável último dia antes de um regresso a casa de um país distante…), mas também a exigência e a frustração pelo insucesso, que às vezes se confunde com ingratidão, como quando tentamos dar tudo de melhor aos nossos filhos, ficando depois chocados por eles já não valorizarem as pequenas coisas, que também nos custam. E foi o Pavilhão, e foi a SportingTv, e foram as modalidades e os títulos nas mesmas, e o estádio sempre cheio ou quase, e o domínio sistemático daqueles que nos são inferiores, tal como o ombrear com os nossos semelhantes lá do topo das tabelas, em Portugal e na Europa, e o fervor verde que reapareceu orgulhosa e avassaladoramente no panorama futebolístico, depois de tantos anos de adormecimento, com o incómodo visceral que isso provocou em tantas almas merdosas que povoam o nosso panorama mediático, à frente das genericamente patéticas, disfuncionais e corruptas instituições por este país fora. E tantas, tantas outras coisas, num currículo improvável de tão impressionante, em tão pouco tempo….

Mas infelizmente, esse BdC não é o do resto do sonho. Não tem aquelas qualidades todas do segundo parágrafo, precisa de sentir apoio, precisa de sentir a gratidão pelo que de muito vai fazendo, não suporta a crítica, precisa do acessório elogio, da vã palmadinha nas costas e dos vãos dizeres elogiosos, face ao essencial que é o nosso sentimento por ele, o nosso respeito pela sua capacidade, a nossa gratidão pelo seu hercúleo trabalho. Não devia, mas precisa. E tem este treinador, que tem tanto em (essencial) qualidade técnica que lhe perdoa todos os seus (acessórios) desvarios, dificilmente suportados por tantos, e que geram mais (acessório) ruído, face ao essencial sentimento do magnífico desempenho dele, BdC.

Se isto fosse uma linhagem Real, e não Presidencial, o cognome de BdC poderia ser tanto “o carente”, “o impróprio”, ou “o desadequado”, como com igual propriedade seria “o reformador”, “o regenerador”, ou até “o magnifico”, pela magia que fez com a carcaça deste Clube que foi outrora tão grande como os maiores da Europa, e que quando ele chegou não passava de um qualquer mija-na-escada, competitivamente bem atrás das galinhas do Norte, e totalmente arredado de qualquer réstia de competitividade, por fim, bem próximo da extinção ou da vergonhosa despromoção.

Isto é o BdC que temos. É o Homem que existe, e não aquele Deus-Presidente dos sonhos de cada um de nós. Resta sabermos se é este Homem-Presidente que queremos continuar a ter. Ou se vamos arriscar ir à procura do outro. Têm a palavra os sócios.

“Alea Jacta Est” – os dados estão lançados –

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Placebo
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