No meio de tantos pedidos, Nuno Salpico, juiz de direito, que tinha julgado um processo cível dos encarnados, surge a pedir um patrocínio para um filme sobre D. Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável…

Não só nas bilheteiras do Estádio da Luz há uma corrida aos bilhetes sempre que o Benfica joga em casa. Nas caixas de correio de alguns responsáveis também se assiste a um corropio de pedidos e ofertas: um lugar para Júlio Loureiro, funcionário judicial, bilhetes para o Serviço de Finanças de Lisboa (5) e até Rita Abreu Lima, chefe de gabinete do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, avançou com a clássica “cunha” para uns lugares. No meio de tantos pedidos, Nuno Salpico, juiz de direito, que tinha julgado um processo cível dos encarnados, surge a pedir um patrocínio para um filme sobre D. Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável.

Os emails já tornados públicos no blog “mercadodebenficapolvo.wordpress.com” revelam que, em setembro de 2010, Pedro Garcia Correia, advogado da sociedade “Correia, Seara, Caldas, Associados” (CSCA), envia um primeiro mail ao juiz, afirmando que a falta de comunicação até à data “não significa esquecimento da sua solicitação”. Nesse ano, recorde-se, Nuno Salpico era o juiz titular de um processo cível que opunha o Benfica à Britalar, empresa do presidente do Sp. Braga, António Salvador, caso que acabou com um acordo extra-judicial. No mesmo mail, o advogado do escritório que tem representado o SLB em alguns processos referiu ao juiz que pretenderia abordar “pessoalmente” Luis Filipe Vieira sobre as “questões” colocadas pelo juiz.

E que “questões” eram essas? Tudo se tratava, como se percebe de uma comunicação de 13 de Setembro de 2010 do juiz para o advogado, de um patrocínio do Benfica a um filme do “Condestável Nuno Álvares Pereira”. ” O argumento conta no seu elenco de 131 cenas com uma cena dedicada a uma singela partida de futebol no Verão de 1385, escassas horas antes da Batalha de Aljubarrota, onde estará, quem sabe, a génese de um Benfica grande (sonhando na noite dos tempos), jogado pelas gentes do povo de Lisboa (paralelismo que sairá reforçado, acaso seja possível a participação dos craques do Benfica no jogo filmado)”, argumentou o juiz.

Os emails foram reencaminhados para um dos sócios da CSCA, José Luís Seixas, que há pouco tempo representou Luís Filipe Vieira nas buscas realizadas à sua casa no âmbito da Operação Lex. A 14 de Setembro de 2010, o advogado fez chegar o pedido a Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD do Benfica, com o seguinte comentário: “O dr. Nuno Salpico, além de um juiz de mão cheia, tem sido particularmente atencioso com os advogados do Benfica. Além disso, o Santo Condestável merece tudo”.

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O vasto acervo de emails não mostra o que aconteceu à proposta, mas revela que pedidos de bilhetes não são um exclusivo do actual governo. Em 2011, Diogo Guia chefe de gabinete do então secretário de Estado do Desporto e Juventude, Emídio Guerreiro, fez chegar a Paulo Gonçalves um pedido: três bilhetes para a “colega” Rita Abreu Lima, chefe de gabinete do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e outros elementos da estrutura. Jogo em causa: SL Benfica- FC Otelul para a Liga dos Campeões, que acabou com a vitória do clube da Luz por 1-0. O pedido já tinha sido recusado pelos serviços do Benfica, mas Diogo argumentou com Paulo Gonçalves: “Sendo objectivamente chato, pergunto se consegue um milagre das rosas”. Diogo Guia atreveu-se a pedir “o favor”, “pois este pedido veio directamente de cima. E é importante”.Na resposta, Paulo Gonçalves informou que o administrador executivo Domingos Soares Oliveira tinha liberado a oferta, mas advertiu: “Não podemos, contudo, garantir que este nível de deferência se possa repetir no futuro”.

Bilhetes para a repartição de Finanças
Quem também tinha direito a bilhetes era o Serviço de Finanças 5 de Lisboa. Isto mesmo se percebe de um email enviado, a 28 de novembro de 2016, por Cristina Lopes, quadro do fisco, para António Rafael Rovisco, do departamento de contabilidade do clube: “Se fosse possível, arranjava-me três bilhetes fora os da repartição para o jogo com o Nápoles para mim. Obrigado”. O jogo para a Liga dos Campeões disputou-se a 6 de Dezembro de 2016, terminando o Benfica com uma derrota por 1-2. No mesmo dia da solicitação António Rovisco fez chegar o pedido a Miguel Moreira: “Consegue-se satisfazer este pedido do Serviço de Finanças?” até acabar no email de Ana Zagalo, directora do departamento Corporate, com a indicação: “Proporciona estes 3 convites às finanças, sff”.

Recorde-se que o actual ministro das Finanças, Mário Centeno, foi investigado por um eventual crime de recebimento indevido de vantagem, por o seu assessor ter solicitado dois convites para um Benfica-Porto de 2017. No caso da repartição de Finanças, o pedido terá sido bem maior

E mais bilhetes para o funcionário judicial que partilha informação do tribunal
Já em Abril de 2017, Paulo Gonçalves fez chegar a Ana Zagalo pedidos de bilhetes (Benfica-Estoril) para dois personagens centrais do chamado caso dos emails: Nuno Cabral, antigo delegado da Liga, suspeito de passar ao Benfica informação privilegiada daquele órgão e dados pessoais de árbitros, e Júlio Loureiro. Este último foi contemplado com quatro bilhetes para o piso 1. Um mês antes, Júlio Loureiro também integrou uma lista de pedidos de bilhetes feita por Paulo Gonçalves para o Benfica-Porto, tal como Nuno Cabral e Ferreira Nunes, antigo vice-presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, que tem estado ligado ao caso dos emails desde o início.

Quem é Júlio Loureiro? De acordo com outros emails já difundidos publicamente, tratar-se-á de um funcionário judicial do Tribunal de Guimarães. A 10 de Novembro de 2016, através de um endereço de correio electrónico do “gmail”, Júlio Loureiro enviou a Paulo Gonçalves uma notificação judicial para a audição do treinador Rui Vitória como testemunha num processo no Tribunal de Guimarães. Com o comentário: “Para conhecimento antecipado, dado ser uma data que antecede a viagem à Turquia, remeto-lhe cópia de uma notificação para Rui Vitória, Agradeço discrição quanto ao assunto uma vez que nem sequer é da minha secção, ok?”.

texto publicado pela revista Sábado