Muito se tem discutido, entre adeptos leoninos, a ausência vitórias assentes em bons jogos. E isso leva a outro conflito de ideias: o jogar bem e o jogar bonito, coisas completamente diferentes, tão diferentes como um bolo que está “muita bom!” e um bolo que “está lindo!”: a massa é a mesma, a diferença é que os olhos também comem o trabalho da cake designer.

Ora, nem a propósito, Sarina Wigman, treinadora da selecção holandesa de futebol e mais recente campeã europeia, dá uma entrevista muito interessante ao Expresso, onde aborda a questão do jogar bem, do jogar bonito e do cativar espectadores. Vale a pena dar uma olhadela antes de mandarem a vossa opinião da mesa onde estiverem sentados.

Agora a pergunta para um milhão de dólares: assumes a liderança da seleção seis meses antes do Europeu e pensas “vamos ganhar o Europeu”?
Não pensei isso, não. Já estava a trabalhar com a seleção há dois anos e meio, como adjunta, e quando comecei como principal não mudámos muitas coisas. Já estávamos a preparar o Europeu e só mudámos coisas pequenas. Primeiro, reunimo-nos, o staff, e falámos uns com os outros, para percebermos bem quem tinha quais tarefas e responsabilidades, para que ficasse tudo claro. Abrimos um pouco a comunicação. Já tínhamos um plano de trabalho para as semanas em que íamos estar juntas, nas datas FIFA, para desenvolvermos a forma como queríamos jogar, para melhorar a nossa comunicação em equipa. Tínhamos muitos cenários sobre os quais falámos e debatemos isso com a equipa. Claro que tínhamos um objetivo claro: queríamos mostrar aos holandeses o quão bem podíamos jogar. Acho que não foi um objetivo muito esperto, mas era o que queríamos, queríamos que o público ficasse connosco. E, claro, para isso é preciso ganhar jogos. Foi assim que abordámos o torneio: queríamos mostrar às pessoas que sabemos jogar bem e quando fazemos isso as probabilidades de ganharmos os jogos são maiores, porque jogamos bem.

Então, primeiro jogar bem, depois ganhar?
Não. O primeiro objetivo é ganhar, mas para ganhar temos de jogar bem. E para jogar bem, todas as jogadoras têm de saber bem que tarefas e responsabilidades têm, consoante as posições em que jogam no campo, para que possamos todas contar umas com as outras. Isso dá confiança à equipa e temos mais probabilidades de ter sucesso. Mas se só nos focamos no resultado, então não estamos a pensar no que temos de fazer no jogo, em todos os cenários que encontrarmos, e isso não funciona. Se olhássemos para a história do futebol feminino, as probabilidades de ganharmos o Euro eram minúsculas. Mas decidimos lutar por essas probabilidades. Se dás o teu melhor e te preparas bem, todos os dias, antes do torneio e no torneio, então podes ganhar. Mas também podes perder, porque também tens um adversário. O que nos interessava era que todas estivessem focadas no que tinham de fazer e logo se via o que acontecia, sabendo que podíamos estar sempre orgulhosas de nós próprias no final. Se calhar isto soa demasiado simples, mas foi assim que abordámos o Europeu.

Se, por alguma razão, as jogadoras não estivessem num bom dia e não fizessem mais de três passes seguidos, jogassem mal, mas no final ganhassem 1-0, ficarias contente?
Sim, claro que fico contente pelo resultado, mas sabendo sempre que as hipóteses de ganhar o jogo seguinte passam a ficar mais pequenas, porque não jogámos como nós queremos jogar. Depois disso, temos de avaliar o que fizemos, para corrigirmos e aumentarmos as probabilidades de ganharmos o próximo jogo. E depois falamos das tarefas que cada uma tem na equipa.

Vamos supor que esta semana jogarias com os EUA, as campeãs mundiais. Seria uma semana mais baseada no treino da organização defensiva?
Sim, em parte. Obviamente treinamos os vários momentos do jogo: organização defensiva, organização ofensiva e transições, e às vezes damos mais ênfase numas coisas do que noutras. Provavelmente com os EUA antecipamos que elas tenham um bocadinho mais bola do que nós e aí se calhar temos de preparar bem a nossa organização defensiva, mas também espero que nas transições ofensivas sejamos muito perigosas para elas. Depois podemos falar de outras coisas, ofensivamente, mas de forma mais geral, porque não podes querer falar de tudo de uma vez às jogadoras, se não é demasiada informação para elas, tens de selecionar bem. Mas claro que ao longo dos meses e dos anos repetes muitas coisas e elas absorvem isso.

Dizias que as equipas agora defendem mais atrás, resguardam-se quando jogam contra a Holanda. Procuras outras soluções para atacar?
É natural que elas o façam, também viram o Euro e analisaram o que se passou no torneio. Claro que tentam arranjar uma estratégia para jogar contra nós, seria uma loucura se não o fizessem. Para nós é um novo problema, menos espaço, para o qual temos de encontrar soluções. E, no final, se tudo correr, todas as equipas vão ficando cada vez melhores e o nível do futebol feminino evolui ainda mais. Isso é benéfico para todos.

Já há críticas à seleção?
Oh, claro que sim. Mas isso é bom, significa que nos veem, que interessamos. As críticas também fazem parte do sucesso. Se queremos estar no mais alto nível, temos de nos aguentar ao mais alto nível e trabalhar nisso diariamente.

Aqui em Portugal temos muitos programas sobre arbitragem mas poucos sobre futebol. Como é na Holanda?
Temos muitos programas sobre futebol. Claro que também se fala dos árbitros, fazem parte do jogo, é normal, mas fala-se muito de futebol, temos bons programas com análises táticas, normalmente com ex-jogadores que entretanto se tornaram treinadores.

Imagino que já tenham notado a ironia de ter o futebol holandês no masculino mal e o feminino muito bem.
Sim, é claro. Foi irónico porque na altura em que mais crescemos, a seleção masculina teve mais dificuldades. Não conseguiram a qualificação para o Mundial na Rússia, infelizmente. Obviamente queremos ter as duas seleções bem, mas as pessoas estão sempre a comparar ambas e não queremos que nos comparem. Queremos é ter ambas bem. Temos uma população tão pequena e somos conhecidos pelo nosso futebol, pelo nosso estilo de jogo, por isso seria perfeito termos ambas as seleções em grande. Se tudo correr bem, em breve poderemos dizer: “Sim, os holandeses estão muito orgulhosos dos jogadores e das jogadoras”.

Não sei se tens essa visão, mas fora da Holanda temos a ideia de que os holandeses defensivamente não são tão bons.
Falando da nossa equipa, da forma como defendemos no Euro e contra a Noruega e contra a Irlanda, já na qualificação para o Mundial, acho que estivemos bem defensivamente. Em geral, penso que talvez seja algo cultural: os holandeses são sempre muito aventureiros na forma como jogam…

Estão ao contrário. Hoje em dia parece que se pensa mais em como não deixar o adversário marcar do que em marcar.
Claro que se a tua organização defensiva não for boa, tens um problema, por isso precisas de ambos os lados: queres ganhar, mas também queres impedir que os outros marquem. Mas eu prefiro ganhar 4-2 do que ganhar 2-0.

Porquê?
É muito melhor para o público que vê o jogo. Claro que queremos ganhar e jogar bem, mas, especialmente no futebol feminino, ainda temos de conquistar os adeptos. Por isso não podemos simplesmente ficar em frente à área a defender. Acho que isso não é nada bom para o futebol feminino.