Num jogo que chegou a ser um longo bocejo, o Sporting virou a meia final, voltou a vencer o fcPorto nas grandes penalidades e carimbou o passaporte para o Jamor. Uma vitória justa, sofrida e merecida, da única equipa que quis ganhar quando foi preciso ir em busca do golo que tudo desempatasse

Aquele «nós acreditamos em vocês!» já não sai de todas as gargantas. Faltam sete ou oito minutos para o jogo terminar e alguns segundos antes a minha filha tinha-me dito, «oh pai, nós não fazemos um remate à baliza!». E era verdade. Aqueles longos, por vezes penosos minutos, com o jogo completamente amordaçado, completamente enrolado, completamente empastelado. Com a nossa dificuldade em sair a jogar do espartilho porque William só há um, porque o Bryan não existia e porque o Bruno Fernandes lutava estoicamente contra a necessidade de atirar-se para o chão e receber soro e dormir durante três dias, porque toda a responsabilidade de esticar e rasgar este maldito jogo estava ontem e sempre nas pernas de um puto chamado Gelson, que de tanto correr fica sem oxigénio para pensar no final dos lances.

Tinha sido, aliás, do 77 o único momento incrível desta meia-final da Taça, com aquela finta maravilha a cinco minutos do intervalo que deixou Alex Telles tão pregado ao relvado quanto ficou Bas Dost, sem reacção para o passe açucarado que percorreu toda a frente da baliza azul sem que uma alminha a empurrasse lá para dentro. Ristovsky já tinha entrado para o lugar de um Picinni preso por arames, tentando dar mais ajuda ao Gelson. Depois tinha chegado Montero, em pezinhos de lã, fazendo sair Coentrão para o intratável Acuña voltar a fazer todo o corredor, agora com a ajuda de Bryan Ruiz e com Bruno Fernandes a recuar para o lado do homem dos três pulmões, Battaglia. Do lado azul e branco, as trancas à porta para guardar a vantagem trazida do Dragão eram cada vez mais, com Sérgio Oliveira e Diego Reyes a substituírem Otávio e Oliver Torres, deixando na frente um Aboubakar que Coates (gigante) metia no bolso das moedas.

Aquele «nós acreditamos em vocês!» já não sai de todas as gargantas. Mais sai, mesmo daquelas, como a minha, que se imaginam a ir ao relvado sacar o micro ao Botas e berrar ao treinador que pode fazer as malinhas e ir à vida dele. Vem um canto e vem um «ao menos aproveitem uma bola parada, caralho!». E lá vai ela, a bola, pouco ou nada parada, cabeceada por Battaglia, mal despachada por Marcano, ansiosa por ser pontapeada por Coates. Não é fácil, está mesmo em cima, mas o latagão encolhe-se como uma curvilínea partner de circo se encolhe dentro da caixa de um ilusionista e a magia acontece! Que explosão de alegria, que machadada final numa garganta já sem voz, que felicidade dos mais pequenos que hoje vão a dormir felizes para as aulas. «Conseguimos, papá! Conseguimos!». E não conseguimos mais porque o cabrão do Jorge Sousa acorda com o estardalhaço e nos começa a cortar o assalto final à toca de um dragão todo borrado e porque a sorte protege quem merece quando num último suspiro a bola beija o poste da nossa baliza antes de um golo ser anulado por claro fora de jogo.

E vem o prolongamento. Mais trinta minutos de muitas dúvidas sobre como aguentarão os nossos aquela carga adicional. A resposta é inequívoca em vontade e em qualidade e Gelson, ao minuto 95, e Bruno Fernandes, aos 103, tiveram o golo nos pés mas enviaram-no para fora e para as mãos de Casillas. Do Porto nem sinal, exceptuando um perigosíssimo pontapé de ressaca no seguimento de um canto, ainda para mais depois de Jorge Jesus ter lançado, e bem, a última cartada, com Doumbia a surgir no lugar de Bas Dost e a prender definitivamente os azuis e brancos lá atrás. Só uma equipa queria ganhar, só uma equipa tentava a decisão que não fosse a dos penaltis.

Marcano avançou e falhou o primeiro, atirando ao poste. Se no subconsciente azul e branco já podia pesar do facto de existir um antecedente de derrota frente a este adversário e desta forma, o falhanço ao primeiro tiro reforçou a confiança dos Leões. Bruno Fernandes atirou Casillas para um lado e a bola para o outro, Bryan Ruiz fez o mesmo e Mathieu repetiu a dose invertendo os lados; vem Coates e é dele o melhor penalti de todos com uma bojarda rasteira junto ao poste e sobra a decisão para os pés de Montero que com aquele ar de quem está a fazer um frete do caraças e que o importante é não desmanchar muito o penteado, mete sem espinhas a bola lá dentro e corre para os braços do Patrício como nós corremos para os braços uns dos outros, conhecidos ou desconhecidos, que se um gajo não se abraça bem ainda há alguém que desfalece com as emoções!

Depois? Depois é o celebrar em conjunto por parte de pessoas que têm sofrido em conjunto. É recuperar Florbela Espanca, naquela amar-te, assim, perdidamente, naquele seres alma e sangue e vida em mim e, com a claque adversária incapaz de esboçar um assobio, dizê-lo cantando a toda a gente que o mundo sabe que plo teu amor eu sou doente!