Este é aquele momento em que descobres que o Bruno Fernandes é a Beth Ditto do futebol. E em que o gajo que te escreve esta crónica tenta prolongar-te o sorriso com que adormeceste, depois daquela bomba que apareceu quando já maldizias a sorte e berravas que a equipa tinha ido ao Algarve passar um fim-de-semana de férias

bruno-fernandes-portimonense

Ela tem excesso de peso, ele parece um lingrinhas que tomba à primeira carga de ombro. Ela é excêntrica, ele é gajo para só usar camisas brancas que até vão bem com quase tudo. Ela pinta-se, arranja-se, é uma referência pop rock; ele não sabe muito bem que raio de penteado há-de usar e está-se lixando para quem lhe diz que devia usar um aparelho para os dentes. Mas, então, onde é que este casal improvável se cruza? Na forma como nos apaixonam por aquilo que fazem.

There was a time, Before girls knew they weren’t pretty yet
There was a time, Before boys knew they weren’t tough enough

A Beth é um icon pop, representante de excelência das vozes femininas que marcam pessoas e épocas, lutando contra preconceitos e diferenças de tratamento. Está-se a cagar para o que pensam dela e exorciza os seus próprios fantasmas de cada vez que sobe ao palco, seja como vocalista dos Gossip seja em nome próprio. O Bruno é aquele jogador que tem tudo para figurar entre os melhores do mundo, que não precisa de dar nas vistas por mudar a cor do cabelo ou por ser falado fora de campo. Está-se a cagar para a “pinta de jogador da bola” e quando entra em campo faz-nos acreditar que, mesmo quando já parece arrastar-se e os passes estranhamente falhados são indício de falta de oxigénio, vai ser capaz de marcar um golaço ou fazer algo que sabe a magia.

Foi o que aconteceu ontem, em Portimão, num jogo onde o Sporting entrou a saber que uma vitória lhe permitia apanhar o benfic@ no segundo lugar da classificação. E os Leões entraram bem, a pressionar alto e a criar situações de golo como aquela logo aos dois minutos que deixou o grito de festejo atravessado na garganta de milhares de adeptos, não só daqueles, fantásticos, que tornaram o Municipal num mini-Alvalade, como de milhares espalhados pelo mundo: canto na direita batido por Bruno Fernandes, desvio de Bryan Ruiz de cabeça ao primeiro poste e emenda de Battaglia ao segundo para uma defesa quase impossível de um tal de Leo.

Era um bom sinal. Depois foi Acuña a rematar da entrada da área, para nova defesa e para Dost chegar atrasado à recargar. E o VAR aproveitou para entrar no jogo e deixar passar um penalti claro por mão de de um defesa portimonense dentro da área. De tanto insistir, o Sporting chegaria ao golo: Bas Dost ganha mais uma bola no segundo andar (na primeira parte deve ter ganho todos os duelos aéreos que disputou) e assiste para a entrada de Bruno Fernandes; este não se faz rogado e à saída do redes faz-lhe um chapéu com um toque de classe.

Dost voltaria a assistir o número 8, para um remate por cima, e Gelson partiria os rins a um defesa antes de uma trivela sem força e à figura. E estávamos nós com o jogo completamente dominado, mesmo sem forçar muito, quando um cruzamento largo, feito quase da linha lateral, apanha Petrovic e Coentrão a dormir e permite a Fabricio empatar a partida no primeiro remate a sério da equipa algarvia. Incrível balde de água fria, com Dost, o altruísta, a servir logo de seguida Bryan Ruiz (jogo miserável, um autêntico fantasma em campo) para um remate em arco e ao lado feito do coração da área.

E quando se pensava que o Sporting regressaria decidido a resolver um jogo que já podia estar resolvido, foi o Portimonense a entrar melhor (Ruiz perde a bola logo no primeiro segundo, como que dando o mote). Foram 15 minutos penosos e desligados da equipa leonina (e eu, aos berros, a perguntar porque raio é que o Ruiz não tinha saído ao intervalo para o Montero entrar), sacudidos com uma arrancada do Gelson, que não devia a bola do redes, a redonda sobra para o Acuña e este cruza para o Bruno Fernandes com as medidas de um centro para o Dost, impedindo o médio de marcar o segundo quando a baliza estava deserta. Nakajima rematou de fora da área para perceber se Rui Patrício estava acordado e dava a sensação de estarmos numa daquelas noites em que podia ter sido tudo fácil e, com jeitinho, mamávamos o segundo golo e ficávamos com um melão maior do que o do Calado.

Veio a dança das substituições, adiando ao máximo a saída de Bryan (sai Coentrão, entra Misic;cinco minutos volvidos sai Bryan, entra Montero) e acabaria por ser de Misic uma arrancada que voltou a colocar o redes adversário à prova, antes de entrarmos nos 15 minutos finais em que já parecia ser tudo mais feito com coração do que com razão, sempre com Gelson metido ao barulho, fosse pelas guinadas, fosse pelos remates desviados que quase entravam, fosse pelas rotações na área para remates sem a mira certa.

And if there’s a chance I’ll take it
And if there’s a risk I’ll take it

Até que… até que veio aquele cruzamento de Acuña para a molhada, veio o desvio do defesa e veio Bruno Fernandes, embalado, de trás, na pele daquele jogador que nos faz acreditar que «quando já parece arrastar-se e os passes estranhamente falhados são indício de falta de oxigénio, vai ser capaz de marcar um golaço ou fazer algo que sabe a magia». E soube. Dominou com o peito e sem deixar a redonda tocar na relva sacou um remate tão perfeito como um remate feito naquelas condições tinha que ser para ser perfeito. E correu. Correu em direcção a quem se abraçava loucamente, como se o pedal da guitarra puxasse um riff e a Beth, louca pelo palco, apontasse para aquele gajo e cantasse You’re the eighth wonder of the world, Undisputed, Not just another bleeding heart, But a masterpiece a work of art.