Já a pensar na Women’s Champions League, a nossa equipa de futebol feminino defrontou o Sevilha e brindou as espanholas com um elucidativo 4-0.

Infelizmente não tenho mais informações para vos dar (equipa inicial, marcadoras, etc), mas tenho uma reportagem muito interessante sobre a vontade de tornar o Sporting numa das oito melhores equipas da Europa (as eliminatórias WCL começam já na próxima terça-feira, dia 7).

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«Chegamos à Academia Sporting, em Alcochete, e somos levados à área onde estão os vários campos de treino do coração do futebol leonino. De um lado, com relva natural, treina a nova equipa de sub-23 com Luís Martins e Francisco Barão a orientarem a sessão. Do outro, num relvado sintético, está a equipa feminina do Sporting sob a orientação de Nuno Cristóvão e o restante corpo técnico. E há dois motivos para as leoas treinarem em relvado artificial: a disponibilidade dos campos e o facto de várias equipas do campeonato português jogarem neste tipo de piso. Assim sendo, é comum a equipa feminina treinar-se em sintético para habituar as jogadoras a dois tipos de relvado.

Acompanhámos o treino até ao fim enquanto, no restante espaço da Academia, pequenos jogadores vestidos à Sporting seguem os treinadores que orientam as ‘Férias de Leão’, uma iniciativa que permite que crianças tenham uma semana semelhante a um futebolista verde e branco. Entre eles está um miúdo alto, muito branco de cabelo ruivo. Ouve-se alguém chamar por “Mathieu” e nada ficou por esclarecer. Visto que o Mathieu que todos conhecemos estava na Suíça com o restante plantel principal, este só podia ser o filho. A cara, o físico e o nome não deixam que ninguém se engane.

Bem, voltando à equipa feminina. Terminado o treino – realizado, diga-se, com grande intensidade e sob um sol muito quente -, as jogadoras começaram a encaminhar-se para o balneário ao mesmo tempo que eram informadas que, de seguida, iriam ser fotografadas individualmente para as típicas imagens anuais. Tudo ali é profissional e remete várias equipas masculinas para um canto, até na atitude das jogadoras: Joana Marchão, por exemplo, levou o saco das bolas às costas no final da sessão de treino e foram várias as atletas que carregaram o material de volta ao local onde é arrumado. Não há aqui empregados para ninguém, mesmo que se trate da melhor equipa feminina do país.

E sim, é mesmo a melhor equipa feminina de Portugal. Mesmo que o quiséssemos contrariar, os números e os títulos conquistados não o deixavam. (Re)criada em 2016 depois de mais de 20 anos de interregno, a formação verde e branca conquistou tudo aquilo em que participou a nível doméstico. Duas Ligas (2016/17 e 2017/18), duas Taças de Portugal (2016/17 e 2017/18) e uma Supertaça (2017), sempre com o mesmo adversário como principal concorrente. O SC Braga lutou pelos dois campeonatos, foi às duas finais no Jamor e disputou a Supertaça, mas ainda está para conseguir um triunfo sobre os lisboetas.

Chegou, então, a hora de falar com Nuno Cristóvão, treinador das jogadoras do clube de Alvalade. Aos 59 anos, é um dos mais experientes técnicos de Portugal no que ao futebol feminino diz respeito. Foi selecionador nacional e orientou dois históricos da modalidade como o 1º Dezembro e o CF Benfica, já tendo palmarés mais de dez troféus conquistados. Fomos apresentados a Nuno Cristóvão e este mostrou-se completamente disponível para falar com o Bancada. Guiou-nos até uma sala de apresentações dentro de uma das alas da Academia e até colocou as cadeiras em posição de entrevista por iniciativa própria para abordar o “futebol jogado pelas mulheres e pelas raparigas”, como gosta de dizer.

“É um balanço muito positivo. Em termos competitivos, ganhámos o que havia para ganhar. Nunca escondi que tenho uma espinha cravada na garganta que foi o não apuramento para a fase a eliminar da Liga dos Campeões na época 2017/18. Penso que conseguimos aquilo que me tinham pedido quando me convidaram para vir para o Sporting, ou seja, ganhar títulos e potenciar o maior número possível de jogadoras para as seleções nacionais. Acho que isso temos conseguido e, portanto, parece-me que o balanço a fazer é sempre positivo”, começou por nos dizer Nuno Cristóvão. A tal “espinha cravada na garganta” deve-se à derrota com as cazaques do FC BIIK no primeiro jogo da ronda de qualificação da Liga dos Campeões. Num grupo de quatro a apenas uma volta, o Sporting perdeu com a equipa do Cazaquistão e venceu as duas partidas que se seguiram, contra o MTK (Hungria) e o KF Hajvalia (Kosovo), mas não foi o suficiente para chegar aos 1/16-de-final, onde se encontram os ‘tubarões’.

E é mesmo esse o grande objetivo do Sporting a nível europeu para 2018/19: passar a primeira fase de grupos. As leoas calharam no mesmo grupo que as norueguesas do Avaldsnes IL, as croatas do NK Osijek, clube que vai organizar esta fase de 7 a 13 de agosto. O primeiro jogo é contra a formação da Noruega e será, tudo indica, o mais importante. Tanto que Nuno Cristóvão pretende ir ao país nórdico observar o futuro adversário. “O Avaldsnes IL jogou com o CF Benfica há dois anos e o orçamento era de um milhão e meio de euros. É uma equipa que, para esta fase da Liga dos Campeões, contrata sempre três ou quatro jogadoras de altíssimo nível, titulares de algumas das melhores seleções do mundo. Há dois anos, contratou uma defesa-central e uma ponta-de-lança da seleção brasileira e tenho a certeza que vão fazer o mesmo agora. Tanto que já solicitei ao Sporting am possibilidade de podermos observar o último jogo do campeonato delas, porque elas estão em competição, que se vai realizar quatro dias antes do nosso jogo com elas. (…) Nós tivemos a possibilidade de observar vários jogos delas em vídeo, mas não é a mesma coisa. A importância de observar esse jogo é porque, certamente, as jogadoras que vão contratar vão colocar em ação”, explicou. Este ano, ao contrário do que aconteceu no passado, não vão passar apenas os primeiros classificados de cada grupo, mas também os dois melhores segundos classificados, sendo que a partida contra a equipa que ficar no quarto lugar não entra para as contas. “É outra janela de oportunidade”, admitiu Nuno Cristóvão.

Patrícia Gouveia, capitã da equipa verde e branca, também falou com o Bancada e tem uma opinião em tudo semelhante à do próprio treinador. A equipa que merece mais cuidados é o Avaldsnes IL e o que aconteceu em 2017/18 foi um ‘aviso’ para esta participação. “Temos, de facto, uma equipa que é cabeça de série e é muito forte, que é a equipa da Noruega. As outras estão mais ao nosso nível. Mas, da minha experiência nesta competição, tudo é possível e é muito importante entrarmos bem desde o primeiro minuto. É uma competição muito curta, cada segundo vai contar e, muitas vezes, uma equipa que começa mal acaba por hipotecar todas as hipóteses de qualificação. Foi o que nos aconteceu no ano passado e não vamos querer repetir o mesmo erro”, frisou a jogadora de 31 anos que esteve algum tempo de fora depois de ter sido mãe.

Depois, caso o Sporting passe, vai, muito provavelmente, encontrar algumas das melhores equipas do planeta. Estão as leoas prontas para esse desafio? “Tivemos oportunidade, na época passada, no seguimento dos estágios que essas equipas fizeram em Portugal, de jogar com o campeão da Dinamarca, o Fortuna Hjørring, e com o campeão inglês, o Chelsea. E quando jogámos com a nossa melhor equipa contra a melhor equipas dessas equipas, que chegaram uma às meias-finais e outra aos quartos-de-final da Liga dos Campeões, os jogos foram perfeitamente equilibrados. Não houve nenhum desequilíbrio”, garantiu Nuno Cristóvão, assumindo também que “se calhar um Olympique Lyon, que é pentacampeão europeu, é sempre mais difícil do que qualquer outra equipa”.

Mas nada disso assusta o Sporting, que tem como principal objetivo estabelecer-se como uma das oito melhores equipas da Europa. Sim, leu bem. Uma equipa portuguesa quer ser uma das melhores do continente. Parece surreal, mas é a verdade e é um objetivo antigo de Nuno Cristóvão. “Nunca escondi a ninguém que, quando regressei ao futebol feminino e ao Sporting, tinha um objetivo muito bem definido. Em 2012/13, quando deixei o futebol jogado pelas mulheres e pelas raparigas disse que só voltaria, em Portugal ou no estrangeiro, para um projeto que quisesse ser uma das oito melhores equipas da Europa. Disse isso de forma muito clara aos responsáveis do Sporting quando me contactaram pela primeira vez, mais de um ano antes da equipa entrar em competição. A equipa começou a competir em 2016/17 e tive as primeiras conversas com o Sporting em abril de 2015. Perguntei qual seria o objetivo do Sporting, onde é que a equipa feminina ia funcionar, se ia estar sob a alçada das modalidades ou do futebol. Eu não voltaria ao futebol das mulheres e das raparigas se não fosse para um projeto dessa dimensão. Se o treinador não está motivado, o melhor a fazer é afastar-se. Entretanto surgiu o Sporting, reconheço que não se pode passar do oito para o 80, mas no dia em que eu sentir que isso [chegar às oito melhores equipas da Europa] não for possível, farei o mesmo que fiz noutros clubes: sair, às vezes com muita pena e mágoa minha.”

Jogar para milhares de adeptos, condições de luxo e a entrada do Benfica

“Tenho gostado muito. Gosto muito da equipa, das minhas colegas e da equipa técnica. Tem sido uma experiência divertida jogar aqui e viver num país tão bonito.” Foi esta a primeira frase da simpática e sorridente Carlyn Baldwin ao Bancada. Com 22 anos e nascida nos Estados Unidos da América, é uma das estrangeiras que integram o plantel de Nuno Cristóvão, tendo assinado pelo Sporting em 2017 proveniente das suíças do Young Boys e ficou satisfeita assim que chegou. “A primeira impressão que tive do clube foi que as pessoas se importam mesmo com a equipa feminina e com o clube no geral. Sente-se mesmo o apoio”, assegurou.

Apesar de não ter, nem de perto nem de longe, a notoriedade do futebol masculino, a equipa feminina do Sporting já conseguiu colocar no Estádio José Alvalade vários milhares de adeptos em várias ocasiões. No Jamor, em 2017, o jogo entre Sporting e SC Braga bateu o recorde de assistência oficial num jogo de futebol feminino em Portugal, com mais de 12 mil pessoas no Estádio Nacional. Estes números deixam todas as jogadoras orgulhosas, que sentem que o caminho está a ser feito “no bom sentido”. “Foi uma conquista para nós e para o futebol feminino em Portugal. Sentimos sempre muito estas conquistas por todas as jogadoras que deram, no passado, o contributo à sua modalidade. Estes marcos que podem parecer pequeninos, mas para nós são gigantes. Estamos a caminhar, a pequenos passos, no bom sentido. Daqui a uns anos, as condições ainda vão ser melhores”, referiu Patrícia Gouveia, enquanto Carlyn Baldwin admitiu que “não tinha visto antes” um apoio como aquele que os adeptos leoninos têm dado à formação feminina. “O apoio por parte dos adeptos aqui é algo que não tinha visto antes. É mesmo único. Estou muito agradecida pelo tempo passado nas equipas onde estive, todos os sítios trazem algo novo. O que é único no Sporting é o apoio que temos”, disse.

Para conseguir as conquistas que já registou nestas duas temporadas, o Sporting deu ao plantel condições de luxo em Portugal. A equipa está integrada com o restante futebol do clube, é profissional e treina na Academia tal como os craques dos conjuntos masculinos. Para Nuno Cristóvão, esse foi um fator essencial. “Fiquei muito satisfeito quando me disseram que a equipa feminina ia ficar integrada no futebol e que ia treinar na Academia. Temos acesso a todo um conjunto de infraestruturas e de meios que, noutro local qualquer, provavelmente não teríamos. Eu gosto de falar de exemplos práticos. Na primeira época treinávamos às oito e meia da noite, na segunda já treinávamos às quatro e meia da tarde. E não tem nada a ver uma coisa com a outra, é mesmo a diferença da noite para o dia. Nessa altura, na primeira época, estávamos a acabar um treino e uma jogadora, no último lance, fez uma luxação no ombro, saltou-lhe a cápsula articular. A equipa masculina estava a estagiar [na Academia] nessa noite porque tinha jogo no dia seguinte, chamou-se o médico do futebol profissional e, na hora, o assunto ficou resolvido. Em qualquer outro local, a jogadora tinha ido para o hospital. Isto foi numa sexta-feira e na terça-feira seguinte a jogadora estava a treinar. Condicionada, é verdade, mas estava a treinar. Noutro tipo de envolvimento, provavelmente só daí a um mês é que a jogadora estaria a treinar”, contou ao Bancada.

As condições de treino e jogo que o Sporting dá às jogadoras também foi destacada pela capitã. “Seria parvo não pensar nas condições que o Sporting nos dá”, explicou Patrícia Gouveia. “Todas conseguimos viver do futebol, temos condições de treino excelentes. O clube dá-nos tudo aquilo que possamos pensar para chegarmos ao campo e estar completamente focadas naquilo que temos de fazer e isso é muito importante quando queremos atingir patamares ainda superiores, como é o nosso caso, visto que queremos chegar às oito melhores equipas da Europa. Para conseguirmos agarrar as nossas ambições temos de ter condições para isso. E nós temos.”

2018/19 vai marcar também a entrada do Benfica no futebol feminino. As águias vão disputar o segundo escalão, mas têm contratado jogadoras de nível internacional com o objetivo de surpreender o Sporting na Taça de Portugal. Ainda assim, Nuno Cristóvão vê com bons olhos a entrada de mais clubes com grande dimensão no futebol feminino, sendo esta até uma guerra antiga do treinador. “Quando era selecionador nacional tive conversas e reuniões com a Liga de Futebol Profissional no sentido de trazer os clubes para o futebol feminino. Na altura, o único que tinha equipa era o Boavista, todos os outros não tinham equipas femininas. (…) Na altura não tive qualquer recetividade e o assunto acabou por morrer porque não senti vontade nem disponibilidade por parte da Federação Portuguesa de Futebol. Tudo o que seja trazer grandes emblemas para o futebol jogado pelas mulheres e pelas raparigas vai claramente ter um impacto positivo, seja ao nível das assistências, dos media ou dos sponsors e estas três vertentes são absolutamente decisivas para o crescimento e desenvolvimento da modalidade. Quando, no final da primeira Taça de Portugal, na conferência de imprensa após o jogo, me perguntaram o que eu pensava da entrada do Benfica, eu disse que tudo o que sejam clubes de grande dimensão e que estejam bem enraizados na sua zona com vontade de entrar no futebol das mulheres e das raparigas é sempre benéfico. Acho que vai trazer sempre vantagens. Poderá trazer algumas desvantagens, mas as vantagens superam sempre as desvantagens”, explicou.

Para Patrícia Gouveia, apanhar o Benfica na Taça de Portugal até era “benéfico”, nem que seja pela quantidade de pessoas que iria ao estádio. “Como jogadoras competitivas que somos queremos jogar contra as equipas mais fortes. O Benfica está com um projeto interessante em que vai querer ganhar todas as competições em que está inserido e a Taça de Portugal é uma delas. Se as encontrarmos, vamos querer ganhar. A visibilidade que daria ao futebol feminino seria benéfica. A quantidade de pessoas que levaria ao estádio seria muito superior a todos os outros jogos, o que era bonito para a modalidade e para nós. Não jogamos só para nós, jogamos também para quem nos acompanha.”

Com tudo isto, tem condições o Sporting para cumprir o objetivo de chegar às oito melhores equipas da Europa? Fizemos a mesma pergunta a Carlyn Baldwin. “Penso que sim. O percurso da equipa até aqui… É apenas o terceiro ano da equipa. O que já conseguimos é muito especial e enquanto crescemos enquanto equipa, tanto dentro como fora de campo, podemos conquistar o que quer que seja e estou entusiasmada para ver onde chegaremos”, concluiu.