Vitória justíssima de um Portimonense, capaz de aproveitar ao milímetro todos os defeitos de um Sporting sem fio de jogo e sem ideias, imagem de um treinador sem capacidade para estar onde está e agarrado a uma ilusória manta de retalhos que nos vai aquecendo ao sabor da inspiração individual de alguns jogadores

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O Sporting entrava no Municipal de Portimão sabendo que podia recuperar três pontos a fcPorto, dois ao Braga e, já agora, outros dois a um Rio Ave que por enquanto vai permanecendo no topo da tabela. O adversário, o lanterna vermelha, parecia o ideal para fechar em beleza o fim-de-semana, mas as palavras de José Peseiro, na antevisão, transformando esta partida num “jogo de superação”, deixavam qualquer adepto leonino de sobrolho levantado, ainda por cima depois da miserável exibição de há quatro dias, na Ucrânia.

Tal como havia acontecido no distante frio, o quentinho do Algarve não foi suficiente para derreter o verdadeiro gelo que é o futebol deste Sporting que, ao longo de 45 minutos, se arrastou sem rasgo, sem ideias, sem fio de jogo, imagem perfeita do homem que, no banco, comanda a equipa e insiste num desenho táctico que há muito se viu que não funciona. E tudo se agrava quando, sem ideias para atacar, nos deparamos com uma incrível incapacidade para, pese o malfadado duplo pivot, impedir que o adversário saia uma, duas, oito vezes a jogar de forma apoiada, dando margem a que quatro homens – Paulinho, Bruno Tabata, Nakajima e Jackson Martínez – infernizassem a vida à nossa defesa.

O tal equilíbrio que José Peseiro utilizou como justificação para refrear a matriz ofensiva que caracterizava o seu futebol, não existe. O Sporting é, hoje, tal como há dois meses, uma equipa completamente partida, sem elos que sustentem um desenho táctico e vivendo à conta dos espasmos dos seus principais artistas ou das subidas dos laterais. E mesmo esta, que acaba por ser a principal marca do trabalho que Peseiro vem desenvolvendo, acaba invariavelmente traída pela incapacidade de compensar esse pendor atacante dos alas mais avançados, mesmo com dois médios completamente fixos em campo.

Depois, na noite de ontem, Nakajima fez sempre mais do que Bruno Fernandes. Eles que seriam o desbloqueador de 25/30 minutos de futebol metido nas amarraras tácticas, tiveram prestações bem diferentes, com o pequeno nipónico a ser bastante mais capaz de receber a bola em zonas interiores, de segurá-la e de trocá-la a preceito com os seus companheiros. Além disso, Naka era uma verdadeira carraça na pressão a Gudelj e Battaglia que, a esta hora, é capaz de ainda estar a bocejar. Bruno Fernandes, esse, continua a ser uma sombra daquele que foi o melhor jogador do campeonato passado e se a qualidade continua lá toda, não será complicado perceber que a quebra vertiginosa de rendimento é um problema que não tem resposta por parte de quem devia solucioná-lo.

E vem o primeiro golo, marcado pelo lateral esquerdo adversário, num verdadeiro manual de quão ridículas são as nossas transições defensivas. Coates fecha à direita, para compensar a subida de Ristovsky, mas, depois, nem o lateral recupera (vem a passo), nem um dos dois médios centro fecha devidamente e dá apoio ao central (revejam e chorem perante a inoperância de Gudelj e de Battaglia). O segundo golo, 15 minutos depois e mesmo a fechar o primeiro tempo, é uma cópia dos erros do primeiro e ainda acaba com Salin a bater com a cabeça no poste e a ter que ser substituído face a uma lesão que, felizmente, se veio a revelar menos grave do que se chegou a pensar (importantíssima a reacção de Coates, impedindo o enrolar de língua do companheiro).

Do intervalo, nada de novo. A perder 2-0, Peseiro mantinha o desenho táctico e só mexia face a uma suposta lesão de Raphinha. Entrava Nani, ele que viria a ser uma das figuras da partida, com assistência para os dois golos leoninos. Antes, Bruno Fernandes, assumindo preponderância à esquerda (sim, uma espécie de extremo…), teria um forte remate a rasar o poste e ainda serviria Jovane para um enorme falhanço ao segundo poste, quando estavam decorridos 60 minutos. E também da esquerda veio a arrancada de Acuña (enorme na entrega) e a calma de Nani, a recuperar um ressalto e a meter redonda nos pés de Montero, hoje por hoje um dos jogadores com mais atitude dentro de campo (chupem, intensómetros!).

Faltava meia hora e ficava tudo em aberto. Peseiro tinha uma substituição e era com esse trunfo que tinha que ser ele a decidir o jogo. Não decidiu, a carga sobre a área adversária dos primeiros 15 minutos diminuiu de intensidade e o Portimonense voltou a ficar confortável na defesa da vantagem. Chegou-se à frente, ganhou um canto e como a equipa do Sporting fez algo que se aprende nos infantis que não se deve fazer – deixar a cabeça da área desprotegida – Nakajima aproveitou para ensaiar um remate de ressaca que só terminou no fundo das redes.

Faltavam 10 minutos e Peseiro chamava Diaby. Mas, diabo o carregue, tirava Jovane Cabral e mantinha Gudelj e Battaglia, como garante de qualquer coisa que só na cabeça dele, ao som de um Big in Japan, dos Alphaville, onde um casal de namorados imagina o quão bom poderia ser o amor longe do vício da heroína, faz sentido. Coates, capitão sem braçadeira, voltava a mostrar que tem mais aptidão para ser ponta de lança do que alguns dos pontas de lança que compõem o plantel, distribuía em Nani e fazia o movimento perfeito para aproveitar a classe do capitão que passa pelo banco quando outros lá se deviam sentar.

Coates tentaria outra vez, mas seria na nossa baliza que acabaria o jogo, depois de passe do sacana do Nakajima a lançar João Carlos para uma correria isolada por aquele meio do terreno onde a invenção táctica de José Peseiro voltava a ser pateticamente inexistente. Na tribuna, Frederico Varandas olhava para o lado e via os dirigentes de um clube que ignorou a exigência de um pedido de desculpas público, após agressão a um jogador por nós emprestado. Mais à frente, Sousa Cintra, mentor da contratação deste treinador sem futuro, procurava, ansiosamente, que as nossas claques, as mesmas que nem uma mensagem de revolta a favor de Rafael Barbosa foram capazes de exibir, voltassem a levantar uma tarja onde se pudesse ler “muito bem, Mister!”.

Não houve tarja, mas o Mister não teve pejo em afirmar que este passo atrás em nada nos desvia do caminho fantástico que está a ser trilhado. Que foi mau, mas que já passou… E eu, dormente da alma, fico à espera que alguém tenha a coragem de assumir as devidas responsabilidades e, pondo final a esta verdadeira overdose de futebol inexistente, nos dê a todos um sinal de que esta fase Peseiro em que só seremos vitoriosos se nos imaginarmos no país do sol nascente, foi má, mas já passou…