Enquanto os nossos sub23 tentam aproveitar o dérbi contra o Belenenses para sair do buraco (começa às 11h), tempo para meditar sobre este muito interessante artigo, publicado no Sapo.

CLUBE VS SAD: O ‘VÍRUS’ QUE ESTÁ A LEVAR EMBLEMAS HISTÓRICOS DO FUTEBOL PORTUGUÊS AO ABISMO
Há um problema no futebol português que ‘grita’ nas ‘urgências’ do atendimento: emblemas históricos estão a cair no abismo num ‘piscar de olhos’, devido a conflitos entre as direções dos clubes e as empresas e investidores individuais que dominam o futebol profissional. Sport Clube Beira-Mar, Atlético Clube de Portugal, União Desportiva de Leiria e, recentemente, o Clube de Futebol os Belenenses, pedem uma mudança urgente na legislação sobre as Sociedades Anónimas Desportivas. O vazio na legislação e a falta de supervisão sobre a origem do capital é um dos principais problemas, assim como a falta de punição para quem viola os contratos assinados.

É urgente mudar a lei das SAD´s sob pena de mais clubes caírem da Primeira Liga para as divisões distritais das suas Associações de Futebol. Isto porque quando há uma separação entre a SAD e o clube, como aconteceu com o Belenenses, ou a falência da Sociedade Anónima Desportiva, como foram os casos das SAD´s do Beira-Mar, União de Leiria e Atlético, o clube fundador vê-se obrigado a começar do zero, em vez de assumir a SAD e continuar no escalão onde estava. E, do zero, tenta uma caminhada dolorosa rumo à elite do futebol português. Dos que caíram, ainda ninguém se levantou.

SAD ou SDUQ? Qual a melhor opção?
Tudo começou em 1997, quando o Governo, através do Decreto-Lei n.º 67/97, estabeleceu o Regime Jurídico dos Clubes Sociedades Desportivas. O mesmo foi alvo de revisões e em 2013 o Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de janeiro, estabeleceu o Novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas onde o Governo estipulava que, para poderem competir nos campeonatos profissionais de futebol da Primeira e Segunda Ligas, os clubes tinham de constituir uma sociedade desportiva, a partir da época 2013/2014. A maior parte dos emblemas optou pelas Sociedades Anónimas Desportivas (SAD´s) mas outros, de menor dimensão, formaram uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ) que, na maioria das vezes, funciona como o departamento de futebol do clube. Dos 18 emblemas da Primeira Liga, apenas Rio Ave e Tondela estão inseridos numa Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).

Dos da Segunda Liga, só Paços Ferreira, Penafiel, Covilhã, Varzim, Oliveirense, Famalicão, Mafra, Académica de Coimbra, Gil Vicente e FC Arouca optaram pelas SDUQ´s. Ou seja, os emblemas de menor dimensão e mais a Norte colocaram na Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas a gestão do seu futebol profissional. Quem opta por uma SDUQ consegue preservar a sua identidade, já que é titular do capital social do clube. O mínimo do capital social de uma SDUQ é de 250 mil euros para emblemas da Primeira Liga e 50 mil euros para quem está na II Liga. Já as SAD´s dos clubes da Primeira Liga têm de ter um capital social mínimo de um milhão de euros, valor que baixa para os 200 mil euros se for uma SAD de um clube da Segunda Liga. O clube só está obrigado a ter, no mínimo, 10 por cento do capital da SAD.

A opção pela SAD é vista como uma forma de atrair investidores, que possam colocar capital no clube de forma a ajudá-lo a ser competitivo e chegar a patamares superiores. O problema começa quando os resultados desportivos da equipa principal de futebol começam a escassear. Os sócios, sem voto na matéria na maioria dos casos, começam a ver o futebol, o principal impulsionador do clube, a tomar um rumo longe daquilo que imaginaram.

É urgente mudar a lei das SAD´S
Veiga Gomes, da Abreu Advogados: “Qualquer criminoso internacional pode ser administrador ou proprietário de uma sociedade desportiva em Portugal”

Mas como se explica que existam tantos problemas entre clubes e respetivas SAD´s? O que está na origem do diferendo entre, Belenenses Clube e Belenenses SAD, por exemplo? A resposta está na lei de criação das SAD´s e na falta de um regime sancionatório para os incumpridores. “Temos um conjunto de obrigações: no papel está previsto o que cada um – clube e investidor – deve fazer, mas no geral, não há qualquer tipo de sanção para o incumprimento destas obrigações. A lei prevê que a SAD tenha que pagar uma justa contrapartida pela utilização do estádio. Mas se não pagar, não há consequência nenhuma. A lei prevê que o clube tenha um administrador nomeado na SAD mas se essa administração se reunir sem a sua presença ou sem convocar ou dar informação ao administrador nomeado pelo clube, não há qualquer consequência. A lei prevê também que a mudança da sede da SAD tenha de ser aprovada pelo clube. E o que acontece se a SAD resolve ir para outro lado? Nada”, explica-nos Fernando Veiga Gomes, um dos advogados da Área de Prática de Direito do Desporto, da Abreu Advogados, em entrevista telefónica.

Para Veiga Gomes, que é Presidente da Comissão de Direito do Desporto da UIA (Union Internationale des Avocats) desde 2015, “é urgente fazer uma mudança na legislação sobre as SAD´s” para evitar casos como o do Belenenses, que tem duas equipas de futebol sénior, uma da SAD e outra do clube, além de ter equipas também nos escalões de formação. Esta época, por exemplo, as equipas do Belenenses Clube vão jogar contra as da Belenenses SAD nos campeonatos de formação da Associação de Futebol de Lisboa. “Vai ser uma coisa absolutamente ridícula, onde vamos ter jogos entre duas equipas com o mesmo nome, equipados com o mesmo equipamento e com o mesmo símbolo. E isto sem que a Liga ou Federação façam alguma coisa”, explica-nos.

Como chegámos até aqui? A explicação está nas lacunas da lei e num futebol a viver acima das suas possibilidades.

“Os problemas resultam de uma lei mal feita, que não prevê qualquer tipo de sanção. Há aí uma parte forte que, no fundo são os acionistas, que têm o maior ativo principal que é o futebol e que julgam poder fazer o que lhes apetecer, sem qualquer tipo de sanção”, frisa.

A falta de controle e supervisão sobre o capital e os investidores é outro problema. “Qualquer pessoa ou empresa, nacional ou estrangeira, pode comprar a maioria do capital de uma SAD: não existe sequer uma apreciação dos administradores, verificação do seu conflito de interesses, registo criminal, etc. Qualquer criminoso internacional pode ser administrador ou proprietário de uma sociedade desportiva em Portugal, fazer o que bem entender com ela, utilizá-la para fins lícitos ou menos lícitos, para apostas ilegais, para lavagem de dinheiro, e já tivemos casos disso, sem que ninguém se preocupe com isso”, explica-nos este especialista. Os casos da queda das SAD´s do União de Leiria e Atlético são exemplos disso.

Depois de tantos casos, seria de esperar uma intervenção das entidades competentes, mas, até agora, Liga de Futebol Profissional, Federação Portuguesa de Futebol e Instituto Português do Desporto e da Juventude, nada fizeram. Os presidentes de Belenenses e Atlético juntaram a sua voz à de Veiga Gomes, pedindo uma ação rápida do Governo.

“A Liga, a Federação e o IPDJ ignoram o problema. É muito típico do português: se não se fala, não é assunto, não tem importância, ninguém quer saber. Há muitos programas de desporto na TV a falar de três clubes de futebol e como esses não têm esses problemas, é um bocado indiferente”, sublinha Veiga Gomes. A mesma opinião tem Patrick Morais de Carvalho, presidente do Clube de Futebol Os Belenenses.

“O Governo, o Estado e a Assembleia da República não podem fazer como a avestruz e meter a cabeça debaixo da areia e fazer de conta que não se passa nada. Passa-se. A Liga e a Federação, mais cedo ou mais tarde, vão ter de deixar de assobiar para o lado e vão ter de começar a preocupar-se porque vão ser muitos casos em catadupa e vão ter de olhar para esta matéria”, conta o líder dos azuis do Restelo.

Mas tão cedo não teremos uma mudança na legislação. Patrick Morais de Carvalho, presidente do Clube de Futebol Os Belenenses, tem sido uma das principais vozes contra a lei que rege as Sociedades Anónimas Desportivas. Depois da separação entre clube e SAD, que levou à criação de duas equipas com o nome Belenenses em 2018, o presidente do clube tem tentado explicar o problema a todas as entidades, desde que se iniciou o diferendo com a Codecity Sports Management, empresa detentora da maioria do capital da SAD e que rege o futebol profissional do clube. Já foi ouvido por todos os partidos políticos, na Comissão de Ética e Desporto na Assembleia da República, onde “todos manifestaram preocupação com esta matéria”.

“Tivemos também conversas com o Secretário de Estado do Desporto, o Dr. João Paulo Rebelo, e aquilo que nos foi dito é que nesta legislatura, a grande preocupação do Governo relativamente ao futebol era a questão da violência, com preparação de legislação vária nessa matéria. Mas claramente na próxima legislatura estaria em cima da mesa como prioritário esta questão das SAD´s, da lei das SAD´s e do escrutínio sobre a proveniência do capital que vai chegando às diferentes Sociedades Anónimas Desportivas”, conta Patrick Morais de Carvalho.

Os investidores vão chegando em catadupa e já não procuram apenas os clubes profissionais de futebol. “Se pensar no Campeonato Nacional de Seniores e nas Distritais, vai ficar surpreendido porque são às dezenas os clubes que perderam o controle do seu futebol e são entidades muitas vezes opacas que estão à frente do destino do futebol sénior desses clubes”, conta Patrick Morais de Carvalho. Foi o caso do Atlético que, depois de ter caído no abismo, está a tentar reerguer-se. E até já recebeu convites de investidores, mesmo depois de tudo o que passou. “Já fui contactado por gente a perguntar-me se o Atlético não estaria interessado na entrada de investidores para criar uma SAD. E estamos na Segunda Divisão Distrital de Lisboa”, conta-nos Ricardo Delgado, presidente do emblema da Tapadinha.

Parte da resolução do problema estará na própria lei, que devia prever mecanismos de salvaguarda em caso de incumprimento. Veiga Gomes, da Abreu Advogados, Ricardo Delgado, presidente do Atlético e Patrick Morais de Carvalho, presidente do Clube de Futebol os Belenenses defendem o mesmo.

“É preciso acabar com esta sensação de impunidade que gozam os investidores. Ou seja, quando uma das partes deixa de cumprir, devia haver sanções: desportivas, financeiras ou outras, e inclusive que pudesse levar à própria reversão do negócio que foi feito. É preciso ter noção de que isto é uma coisa séria”, defende Veiga Gomes.

“O principal ponto a alterar seria um regime sancionatório para, em caso de incumprimento por parte dos putativos investidores, os clubes fundadores poderem ficar defendidos, nomeadamente resgatando a equipa de futebol das SAD´s onde estão e poderem, no momento seguinte, fazer uma outra SAD. Imagina, o clube A, que é sócio fundador de uma determinada SAD, no caso de ver incumpridos os seus direitos especiais, que foi o legislador quem os consagrou, esse clube poder abandonar essa sociedade anónima e levar com ele a equipa de futebol que é sua e poder recomeçar no dia seguinte com uma outra sociedade, no caso de serem comprovadas essas violações grosseiras dos direitos dos clubes fundadores”, pede Patrick Morais de Carvalho, tal como Ricardo Delgado.

“Os clubes em Portugal não estão preparados para terem SAD´s compradas por investidores estrangeiros. […]. Ninguém faz nada para proteger e defender os clubes originais. Não sou contra entrada de investidores, mas é preciso haver segurança para que, em caso de incumprimento por parte do investidor, que o clube originário que cria o futebol, nunca é precavido nestas situações. Se houver um incumprimento por parte do investidor, o clube originário, se quiser prosseguir, tem de começar de uma divisão distrital. Não é justo. Quem fomenta o futebol, tem de parar para repensar este problema das SAD´s. Nós, no Atlético, vimo-nos na obrigação de começar na última divisão, quando o que aconteceu foi o não cumprimento por parte do investidor para com o clube. O prejudicado não pode ser sempre o clube fundador”, defende o presidente do Atlético.

O caso Belenenses: duas equipas de futebol sénior e uma descida ‘ao inferno’
Patrick Morais de Carvalho surpreendeu o mundo do futebol em Portugal quando anunciou a criação de uma equipa de futebol sénior para representar o Clube de Futebol Os Belenenses no escalão mais baixo da Associação de Futebol de Lisboa, após o final da época 2017/2018. O emblema da Cruz de Cristo passaria a ter duas equipas séniores, mas a jogar em estádios diferentes. Era o derradeiro golpe na ‘guerra’ entre o clube e a SAD, que levou a que a equipa de futebol profissional do Belenenses passasse a jogar e a treinar no Jamor.

Tudo começou em novembro de 1999, com a criação da Sociedade Anónima Desportiva do CF Os Belenenses para gerir o futebol profissional. Em 2012 os sócios votaram a favor da venda da maioria do capital da SAD à Codecity Sports Management, um fundo de investimento liderado por Rui Pedro Soares, com o Belenenses a ficar apenas com uma participação de 10 por cento. Desde então, vigorava um protocolo assinado por ambas as entidades, que cessou no dia 30 de junho de 2018. A decisão de acabar com este acordo saiu de uma Assembleia-geral, depois de um tribunal ter dado razão à SAD sobre a extinção do acordo parassocial assinado em 2012 e que previa a recompra da maioria do capital da sociedade por parte do clube. O Belenenses Clube tinha deixado passar o prazo para a recompra da SAD e quando tentou, a Codecity assim não o quis.

Neste ‘divórcio’ a ‘separação de bens’ ficou feita da seguinte forma: a Belenenses SAD ficou com a equipa de futebol profissional e a de sub-23, o Belenenses Clube ficou com o resto: o estádio do Restelo e o complexo desportivo, o património onde também se inclui o bingo e alguns terrenos, o futebol de formação, as modalidades amadoras (cerca de 300 equipas e quase cinco mil atletas em todos os escalões de todas as modalidades). Após a separação, o clube iniciou diligências no sentido de impedir a SAD de utilizar a marca Belenenses.

“Aquela equipa que está aí no Jamor não representa o Belenenses, não representa os valores do Belenenses, representa outra coisa qualquer que a gente não sabe o que é, mas tudo faremos, nos locais próprios, para que aquela equipa não se confunda com o Clube de Futebol Os Belenenses”, frisa Patrick Morais de Carvalho, explicando depois o que o clube pretende com a ação interposta em tribunal contra a Belenenses SAD.

“O que se discute nesta Providência cautelar é a utilização da marca e dos símbolos do clube, nomeadamente o seu emblema e a Cruz de Cristo, que é uma marca identitária desde sempre da fundação do clube. Se a decisão for favorável ao Belenenses, a SAD não tem autorização para os utilizar. Essa autorização tinha-lhe sido conferida em sede de protocolo que foi denunciado, mas não havendo protocolo, não pode utilizar o estádio, como já não está a utilizar, e também não pode utilizar a marca identitária do Clube de Futebol os Belenenses. A Liga e a Federação estão avisadas desde o início da época que o Clube de Futebol Os Belenenses não autoriza a utilização da marca Belenenses por aquela sociedade”, explica.

A decisão de começar tudo do zero no futebol levou a uma divisão entre os sócios, mas o presidente do clube garante que “a massa associativa está unida para dar este exemplo ao país desportivo”, de ver o Belenenses a ser a “bandeira desta luta contra este regime desatualizado da lei das SAD´s que existe em Portugal”.

“Este é o caminho que os sócios do Belenenses escolheram fazer, e por isso descemos ao inferno. Não temos medo de fazer este caminho: sabemos que é duro, difícil, mas somos o grande Belenenses e o grande Belenenses tem resposta para tudo. Já passou por dificuldades muito maiores na sua história: teve de passar por problemas terríveis, desde ficar duas vezes sem estádio a ser espoliado de uma série de coisas, e sempre soube encontrar respostas”, disse, desvalorizando a divisão entre os sócios já que “97 por cento” estão do lado do clube.

“Os sócios que vão ao Jamor ver os jogos da equipa da Primeira Liga dizem que vão enquanto aquela equipa jogar com a Cruz de Cristo e se chamar Belenenses. Apesar de serem três a quatro por cento, são sócios que merecem o meu respeito porque consigo compreendê-los, mas sei que, mais cedo ou mais tarde, voltarão ao seio do Clube de Futebol Os Belenenses, porque eles são tão ou mais Belenenses do que eu”, vaticina.

Nas páginas oficiais das duas equipas na rede social Facebook são frequentes as trocas de acusações sobre quem tem razão. Alguns sócios ouvidos pelo SAPO Desporto mostraram o seu descontentamento pela situação que o clube está a viver.

Carlos Gil Carlota: “O meu apoio vai unicamente para o clube de futebol Os Belenenses. Respeito o treinador e jogadores da SAD mas não os vejo como um clube mas sim uma empresa presidida por um senhor que se aproveitou das debilidades económicas do clube para roubar o nosso nome, identidade e adeptos para investir no futebol.”

Eliana Baptista: “Tenho sérias dificuldades em aceitar que um sócio, adepto ou simpatizante, verdadeiramente empenhado no clube, considere virar as costas ao que a maioria decidiu, apoiando a SAD contra aquela que é a vontade dos sócios e o caminho que melhor defende os interesses do Belenenses, como clube. Acho que não há utilidade nenhuma na constituição de SAD’s, sobretudo quando os clubes ficam sem participação, sem voto, sem poder decisório, à mercê de interesses financeiros pouco transparentes e completamente alheios à vida associativa dos clubes, resumindo-se a ceder instalações, pagar despesas correntes e emprestar um emblema e uma marca que apenas pertence aos clubes. Esses senhores que jogam no Jamor não são Belenenses.”

Carlos Manuel Crespo: “A minha opinião está refletida nos posts que (cada vez menos) vou colocando por aí em resposta à raiva, à frustração, ao autêntico clima de guerrilha espalhada pelas redes sociais e que estão a minar os princípios, valores e memória histórica do CF Os Belenenses. Aparentemente caiu-se na velha armadilha de reduzir o problema a um conflito entre nós e os outros, entre os verdadeiros belenenses (os que apoiam a equipa dita de futebol sénior, amadora, gerida diretamente pela direção do clube) e os traidores, vendidos ao poder do dinheiro (os que apoiam a equipa de futebol profissional, gerida por uma SAD.). Tenho uma certeza, ninguém vai ganhar com esta guerra… Quem escolheu este caminho anarquista, niilista, de que para começar tudo de novo (utopia) é preciso tudo arrasar (e começar do zero)? Esta via tem um nome: Patrick Morais de Carvalho. Para mim, pôs a ultima pedra sobre o meu Belenenses, aquele com o qual vivi e cresci desde o meu nascimento até abril de 2016, quando deixei de pagar as quotas porque sinceramente não aguento ser mais um a seguir o flautista de hamlin para o vazio”.

Vicente Lucas, um dos melhores jogadores de sempre do Belenenses, olha para este diferendo com mágoa.

“Eu não gosto é de ver e ouvir gozar com o Belenenses. Ouvir alguém perguntar: ‘És do Belenenses clube ou SAD?’ É triste. Eu não vou entrar nessa guerra. Eu sou Belenenses, ponto! Gosto muito do Silas [treinador da equipa da SAD na I Liga] e gosto muito do Taira [diretor desportivo da equipa do clube nas distritais de Lisboa]. São dois homens do clube, que honraram esta camisola e merecem o meu respeito. Tenho uma certeza, ninguém vai ganhar com esta guerra e há tradições que se perdem, como o FC Porto ir colocar as coroas de flores no busto do Pepe no Restelo”, disse o irmão de Matateu, outra glória do clube, em declarações ao site ‘Jornal Só Desporto’.

Atlético CP: do sonho de 1.ª Liga às Distritais de Lisboa. Direção tenta resgatar a dignidade e os valores do clube
O caso do Atlético Clube de Portugal é semelhante ao do Belenenses. A diferença é que a SAD do emblema de Alcântara entrou em insolvência e já não existe. Em 2013, Anping Football Club, uma empresa de Hong Kong, adquiriu 70 por cento das ações da SAD, quando o clube era liderado por Almeida Antunes e assumiu o domínio do futebol profissional. O chinês Mao Xiaodong era o homem por detrás do negócio, ele que já estava indiciado pela UEFA por suspeitas de resultados combinados em apostas.

Mas os investidores que iam ajudar o Atlético a crescer para chegar a Primeira Liga acabaram por atirar o histórico emblema (é um dos 15 clubes com mais jogos no principal campeonato português da Primeira Divisão) para a bancarrota. Com o avolumar dos problemas entre os representantes da empresa chinesa, os técnicos e a direção do clube, o Atlético acabou por cortar relações com a SAD, proibindo os representantes desta de ter acesso às instalações do clube e impedindo a equipa da SAD de utilizar o estádio da Tapadinha. O Atlético formou a sua própria equipa, a partir da equipa B para competir nas distritais de Lisboa. A equipa da SAD desceu duas divisões até acabar por completo, com a SAD a inscrever a equipa, mas a não ter jogadores e a ser desclassificada do Pró-Nacional da AF Lisboa em setembro de 2017. Depois de alguns encontros onde lhe foi marcado ‘cover’ por não comparecer, fechou as portas até este ano de 2018, quando a SAD foi declarada insolvente. O clube recuperou o controlo do futebol profissional e está a trilhar o seu próprio caminho, no meio de muitas dificuldades.

“Financeiramente o Atlético está a passar pela pior crise financeira de sempre. Não só pela situação da SAD que, na altura, fez com que os sócios se afastassem do clube, mas também porque em termos de gestão atual, o clube estava muito parado e com uma gestão fechada sobre si mesma. Mas há um caminho a ser feito desportivamente, financeiramente estamos a reestruturar o clube para que possa ter um futuro. Para já tem de ter eficiente e isso é algo que todos os clubes têm de ter porque, caso contrário, vão todos passar por dificuldades, mais cedo ou mais tarde. Já os próprios ‘três grandes’ têm os passivos que têm porque em Portugal o futebol vive acima das suas possibilidades”, conta-nos Ricardo Delgado, atual presidente do clube, numa entrevista por telefone.

O dinheiro escasseia, as dificuldades são mais que muitas. Mas a caminhada da equipa deste presidente de apenas 38 anos vai-se fazendo paulatinamente, tentando nunca dar passos maiores que as pernas. Depois de começar na última divisão distrital de Lisboa, o Atlético subiu à Divisão de Honra da Distrital, foi à final da Taça da Associação de Futebol de Lisboa e está apenas a uma época e meia de voltar aos campeonatos profissionais de Portugal. Ricardo Delgado diz não ter como pagar grandes jogadores para ajudar o emblema da Tapadinha. Puxa pela história para tentar convencer os atletas que este clube pode ser uma boa opção nas suas carreiras.

Em 2017, quando esta jovem direção assumiu o clube, havia apenas 320 sócios pagantes. Em apenas um ano, passaram para 650. O afastamento dos sócios aquando dos problemas entre a SAD e o clube levou a que muitos lisboetas se desinteressassem pelo clube. Ricardo espera que possam voltar para ajudar o Atlético a crescer até chegar, quem sabe, a uma Primeira Liga.

“É um dos históricos de Portugal, tem um palmarés gigante, com a situação da SAD resolvida e com um projeto concreto e objetivo. Dos clubes que passaram por problemas com as SAD´s e dissolução das mesmas, será, a par do Beira-Mar, o que está mais perto dos campeonatos profissionais”, lembra.

Para chegar ao Campeonato Nacional de Seniores, o Atlético terá de ‘caminhar’ pelas próprias pernas. Para já, “está completamente posta de parte a entrada de investidores”. “O caminho é difícil, mas há um projeto para este caminho difícil”, completa Ricardo. Um caminho elogiado por Patrick Morais de Carvalho.

“O Atlético está a fazer um caminho de honra, de dignidade, de recuperar os seus valores. É um caminho muito digno: foi até a última divisão distrital, já teve duas subidas de divisão, está a uma divisão acima de nós, com o encurtamento das divisões distritais. Desejamos as maiores felicidades ao Atlético, fazendo votos que possamos encontrar-nos em breve numa liga profissional”, sublinha.

Clube vs SAD: outros casos
Beira-Mar SAD vs Beira-Mar Clube

O Beira-Mar, histórico emblema de Aveiro, foi o primeiro a ter problemas com a sua Sociedade Anónima Desportiva. Criada em 2011, a SAD foi adquirida pela 32 Group, de Majid Pishyar, principal acionista. Com um passivo de vários milhões de euros, o empresário indiano não conseguiu cumprir a promessa de resolver o problema. Na época seguinte, em 2012/2013, são denunciados salários em atraso da equipa principal de futebol, a equipa cai para a Segunda Liga.

Com a equipa na Segunda Liga, Majid Pishyar é substituído pelo italiano Omar Scafuro na SAD, através do Grupo Pieralisi, que passa a ser o principal acionista. Após trocas de acusações entre os dois, que meteram burla e roubo, a 32 Group volta a recuperar o controlo da SAD. Em falência, a SAD foi alvo de dois Processos Especiais de Revitalização (PER) em menos de seis meses e que previam o pagamento de milhões de euros. Sem dinheiro, o Beira-Mar vê-se na impossibilidade de disputar a Segunda Liga na época 2015/2016, e nem mesmo no Campeonato Nacional de Seniores, agora designado de Campeonato de Portugal. Com tantos problemas, o Beira-Mar teve de começar do zero, na Segunda Divisão Distrital da Associação de Futebol de Aveiro. Subiu uma divisão, mas por lá continua.

União Desportiva de Leiria vs União de Leiria SAD
Depois de entrar em conflito com a Leirisport, empresa municipal, a SAD da União de Leiria mudou-se para Torres Novas, em 2011/2012. Na época seguinte foi despromovida das competições profissionais.
Com milhões de euros em dívida, a União de Leiria SAD, de João Bartolomeu, foi extinta em 2014. No mesmo ano, 60 por cento da SAD foi adquirida pela DS Investment LLP, uma empresa liderada pelo grupo russo D-Sports, onde Alexander Tolstikov era presidente. Tolstikov, antigo jogador e empresário russo nascido na Moldávia, acabava por ficar conhecido graças a Operação Matrioskas, onde a SAD do Leiria era acusada de branqueamento de capitais. A União de Leiria, que já tinha sido despromovida da Primeira Liga em 2011/2012, viu a sua inscrição na Segunda Liga ser recusada por não cumprir os requisitos financeiros. E tão pouco foi admitida na então II Divisão. Acabou por cair até a Distrital de Leiria, com um plantel amador, depois de voltar ao velhinho Estádio Magalhães Pessoa. Neste momento disputa o Campeonato de Portugal, depois de a SAD e o clube terem feito as pazes.

Leixões Sport Clube vs Leixões SAD
O diferendo que opõe Duarte Anastácio, presidente do clube, e Paulo Lopo, presidente da empresa ‘Playfair’, que lidera a SAD, começou este ano. Duarte Anastácio é acusado por Paulo Lopo de querer adquirir a maioria do capital da SAD. Paulo Lopo autossuspendeu-se das suas funções para integrar a lista de Rui Rego à presidência do Sporting, nas últimas eleições do emblema leonino. A 19 de agosto, registaram-se cenas de violência no final do Leixões – Varzim, no Estádio do Mar. A SAD retirou o apoio à claque do clube, acusando-a de estar ao serviço da direção, presidida por Duarte Anastácio.
Depois de várias trocas de acusações, com comunicados de um lado e de outro, a direção do Leixões decidiu avançar para uma Assembleia-Geral para impedir a equipa principal da SAD de utilizar o Estádio do Mar. Entretanto as duas direções estiveram reunidas e acabou por ‘cair por terra’ a ideia de afastar a equipa do Estádio do Mar. A relação entre a direção do clube e da SAD continua tensa.

Clube Desportivo Cova da Piedade vs CDCP Futebol SAD
Em 2015/2016, quando subiu à Segunda Liga, o Clube Desportivo Cova da Piedade formou uma Sociedade Anónima Desportiva para gerir o futebol profissional do emblema de Almada. Em 2016, 90 por cento da SAD do Cova da Piedade foi comprada pela Cadi, uma empresa sediada em Macau, controlada por Long. A SAD, pelo seu porta-voz Ji Yi, entrou em conflito com a direção do clube, liderada por Paulo Veiga, vencedor das últimas eleições do clube. A empresa detentora da SAD tem dívidas ao clube, mas que não estão a ser pagas.

Sorting Clube Olhanense vs SAD do Olhanense
Desde que o Olhanense formou uma Sociedade Anónima Desportiva que o emblema do Algarve tem passado por vários dificuldades. Isidoro Sousa, presidente do clube, negou assinar as contas da época 2015/2016 e chegou mesmo a chamar a polícia ao José Arcanjo por sentir-se ameaçado. A SAD negou e colocou uma ação em tribunal contra o presidente. As relações entre a SAD, detida na sua maioria pela Ensaio Triunfo, do italiano Luigi Agnolin, e a direção, presidida por Isidoro Sousa, têm sido tumultuosas, com acusações mútuas. Em 2017 o Olhanense caiu para o Campeonato de Portugal, mas o objetivo de subida à Segunda Liga não foi consumado. Luigi Agnolin, antigo árbitro internacional italiano, acusa Isidoro Sousa de populismo e hostilidade, o algarvio ‘ataca’ com dívidas e erros de gestão da SAD.

P.S.: O SAPO Desporto entrou em contacto com o Leixões, a Belenenses SAD e o Beira-Mar no sentido de saber a opinião dos responsáveis destes emblemas, mas tal não foi possível. Após várias chamadas e e-mails para um dos assessores da SAD do Belenenses, sem resposta, entrámos em contacto com Rui Pedro Soares que declinou falar. O presidente do Beira-Mar, Hugo Coelho, respondeu que não queria voltar a falar do passado doloroso do clube. O presidente do Leixões nunca respondeu às nossas solicitações, apesar da insistência e de muitos telefonemas para o clube, onde nos era pedido sempre para enviar e-mail ao presidente, e-mails esses que nunca tiveram resposta.