Nesta primeira crónica, gostava de analisar mais um grande jogo da nossa equipa de futsal mas não foi isso que aconteceu no derby. O que aconteceu no pavilhão da Luz não sendo trágico é deveras preocupante. Mas explicarei porquê mais à frente.

Antes da análise, uma ressalva. Na minha opinião as palavras “domínio” ou “controlo” não existem no futsal a não ser que a diferença de qualidade seja substancial, o que não é o caso. Para mim, a vitória num jogo destes é a soma das performances nos vários “jogos dentro do jogo” que se disputam durante 40 min e daí achar mais importante analisar os mesmos. O ‘”primeiro jogo” da primeira parte era ver quem cedia primeiro. Fomos nós, algo que é recorrente acontecer nos derbys.

Era visível que a primeira equipa a cometer um erro que desse em golo iria originar outro jogo e foi isso que aconteceu. Entrámos seguros, até mais do que esperaria, e a certa altura senti que estávamos estáveis o suficiente para ganhar essa primeira batalha. Seguros com bola, eficientes sem ela e a prova disso foi que as oportunidades de golo, tanto para um lado como outro, surgiram de finalizações condicionadas dentro da área ou remates fora dela da zona entre os 9 e 12 mts. Até que cometemos um erro fruto de uma nuance táctica dos rivais que foi a chave do jogo: a subida de Roncaglio pela ala no início de construção do Benfica e a nossa decisão, errada, de resolver essa nuance com uma pressão média. Nem recuámos para 4×5 nem pressionámos alto para recuperar a bola ou no mínimo, para condicionar essa construção. E foi nessa circunstância que o rival ganhou superioridade e a bola chegou a Fernandinho para uma finalização fácil.

Depois desse golo, começou outro jogo que ditaria ou a nossa recuperação ou o dilatar do resultado. E não reagimos mal apesar de não termos resolvido nuance táctica que referi acima (e que se manteria inalterada durante o resto do jogo) mas melhorámos a nossa circulação. Antes do 0-2 podíamos ter marcado por mais do que uma vez não fosse a fantástica exibição de Roncaglio em todo o jogo e neste período em particular. Mas não foi isso que aconteceu, falhámos sempre as últimas decisões após ganhar superioridade em transições fruto das más exibições de Cavinato e Dieguinho em particular.

No futsal e sobretudo nestes jogos é sabido que o factor emocional é crítico e quando se falham oportunidades e últimas decisões como nós falhámos neste período a probabilidade do jogo mudar aumenta à medida que o tempo passa. E foi isso que aconteceu com o segundo golo. Desta vez foi o próprio Roncaglio a conduzir na ala, finalizar sem oposição ou sequer condicionamento e sobra para o pivot Fitz concluir de forma fácil. A partir daí o jogo voltou a equilibrar. O golo de Léo surge numa das poucas jogadas colectivas que fizemos, numa finalização típica do fixo mas não tem o impacto desejado devido ao 0-2 alcançado pouco antes. E chegámos ao intervalo.

A segunda parte iniciou com uma tremenda infantilidade de Pany por todos os motivos e mais alguns. Um possível 2-2 só chegaria se os níveis de concentração se mantivessem altos pelo menos no inicio. Era um período que, mais do fazer o empate, era importante não deitar tudo a perder com 1-3. Pany perde a bola de forma inacreditável e a bola chega a Fernandinho que finaliza de forma fácil (leia-se, com tempo e espaço para decidir como rematar) ditando aquele que seria o lance chave do jogo.

Depois disso, começa outro jogo. Mais psicológico do que táctico pois um golo nosso dificilmente desmonoraria o rival (nunca fui na conversa do tudo pode acontecer no futsal em pouco tempo. Pode, se as equipas não tiverem qualidade a defender) mas o contrário teria exactamente esse efeito na nossa equipa pelo avolumar do resultado. Ainda assim, um golo colocáva-nos dentro da disputa e obrigaria, lá está, à mudança para outro jogo. Neste período tivemos um monstro na quadra, Erick. Intratável a defender, especialmente o Fitz e no ataque a criar superioridade por diversas vezes que depois não foi acompanhada pelos companheiros.

E o jogo foi correndo com o Benfica confortável sem bola e a criar perigo em transições e o Sporting sem encontrar o golo que pudesse aumentar os níveis de confiança. Até que avançámos para o 5×4 a cerca de 4 min do fim, e foi um dos piores que já vi resultando em 2 golos do rival. Considero que fizemos o pior jogo em anos e se me cingir apenas à segunda parte não sei se me lembro de 20 min tão maus em termos colectivos e individuais (excepção de Guitta e Erick que pareciam ser os únicos cientes que aquele jogo era um derby). Foi com naturalidade que saímos com 1-4 num jogo bem arbitrado, que foi uma novidade ainda maior do que a nossa exibição.

Destaques:

Guitta
É raro ver um jogador acabado de chegar e encarar um jogo destes com a frieza que se exige. Os golos do adversário foram todos de finalização fácil, a curta distância da baliza ou sem GR, e sem oposição. Tudo o resto, Guitta parou. Seja nas manchas, nos remates de fora da área ou a fazer 5×4, definitivamente, acertámos no GR. Este era um jogo para confirmar o que já tinha demonstrado na Uefa Futsal Cup e o brasileiro fê-lo.

Erick
Se há jogador que, neste momento, tem de estar no topo dos jogadores com mais minutos na rotaçâo, é Erick. Defensivamente garantiu o que se precisa num jogo destes: atitude, intensidade. E com bola exactamente o mesmo somado ao conforto de ter a bola. Numa palavra, personalidade. Apesar do resultado, toda a gente que viu aquele jogo, se nâo conhecia, ficou a conhecer Erick Mendonça. E com performances destas em jogos destes, o céu é o limite.

Léo
Não foi por ele que perdemos este jogo. Seguro em todo o jogo, a partilhar a frieza do seu compatriota (até se ter passado da cabeça já no fim) e, mais importante, a colocar-nos dentro do jogo quando ele nos começou a fugir com um golo que seria grande em qualquer lugar e em qualquer jogo mas que no caso de Léo foi “só mais um dia no escritório”.

Cavinato
Do artilheiro da equipa espera-se, obviamente, mais. Teve poucas oportunidades de finalização, coisa rara para ele, e as poucas que teve não foi feliz. Perfeitamente normal, é para isso que nos reforçámos, para que outro jogador possa compensar um ou outro mau jogo do Cavi.

Dieguinho
No caso do pivot, bem mais grave. Dieguinho está a anos-luz do nível que apresentou no ano passado e está a revelar uma displicência recorrente. Está claramente a merecer menos minutos na quadra e foi para isso que veio, Rocha e já tinhamos Cardinal.

Nuno Dias
Se já foi uma surpresa ver a forma como defendemos o 5×4 com Roncaglio mais surpreendente foi ver que a manteve após o intervalo. Não percebi o pouco tempo de jogo de Merlim e começo a ver sinais de desgaste do nosso fantástico estratega, normal quando se está muito tempo na mesma casa e a ganhar de forma consecutiva.

Futuro:
Os factos estão à vista: nos dois jogos de maior dificuldade que tivemos até agora claudicámos de forma clara (Kairat e Benfica). Obviamente que não é um bom sinal. Mas se Nuno Dias é o fenómeno que é (e é mesmo!) saberá tirar partido disso. Penso que é altura de mudar a rotação. Há jogadores que merecem mais tempo e outros menos.

Penso que a solução imediata poderá passar por dar mais tempo a Rocha e Erick, tempo esse que neste momento é de Dieguinho e Pany. Alex tem muito futsal para mostrar e quem sabe não seja hora de introduzir um elemento novo e imprevisível na rotação como pode ser o miúdo Dani. Penso que a subida dos habituais que estão num momento pior poderá passar por aqui.

Já colectivamente, muito a rever. Os golos que o adversário marcou não podem acontecer daquela forma, em finalizações a curta distância e sem oposiçäo, à excepção do 5×4. Com bola, Nuno Dias tem de promover uma maior disciplina na circulação e nas decisões em transição ou punir na rotação quem a “fura”. Demasiadas bolas perdidas em zona proibida, com destaque negativo neste particular para Pany e Déo. E melhorar a última decisão sobretudo nos periodos em que estamos por cima e se torna obrigatório capitalizar.

Parece muita coisa a melhorar para uma equipa tricampeã e vice da Uefa Futsal Cup e, efectivamente, é. Há pontos positivos como o acerto na escolha de Guitta e a ascensão meteórica de Erick mas temos de ser bem mais consistentes nestes jogos pois será este o nível que encontraremos na Ronda de Elite que é o nosso objectivo mais imediato.

*às quintas, o Sá mostra que manda mais do que o Albuquerque e põe as novidades do Futsal todas na ordem