Com os defeitos e os predicados habituais, o Sporting saiu vivo de uma partida que chegou a soar a funeral. E a pergunta que fica é, “o que conseguirão os Leões fazer com este sopro de vida?”

Permitam-me começar esta crónica por algo que me incomoda. Muito. Ou cada vez mais. Adiante. Esse algo é a crescente confusão entre falta de qualidade e falta de entrega e de dedicação. O Sporting tem vários jogadores sem a qualidade suficiente para vestirem a camisola Rampante e, com ela, conquistarem tudo o que queremos conquistar. Isso nota-se à vista desarmada. Na recepção. No passe. Na incapacidade de assumir a posse de bola.

“Exigência!”, berrarão alguns, voltando a confundir tudo. Sim, existiu falta de exigência na selecção de alguns dos futebolistas, mas não vejo falta de exigência em campo. Não vejo falta de entrega. Não vejo falta de dedicação. O Bruno Gaspar dá o que tem. O Petrovic dá o que tem. O Jefferson dá o que tem. O André Pinto dá o que tem e a lista poderá continuar, sendo eu capaz de fazer um esforço para incluir aqui aquele gajo chamado Gudelj que me causa mais asco do que o Alan Ruiz.

Mas a culpa de termos que os ver em campo é de quem escolhe quem vai a jogo. E, ontem, contorci-me todo quando voltei a ver o Gudelj a fingir que é um 6, mais o Wendel cheio de adesivos mágicos e o Bruno Fernandes pronto a desafiar as leis do AVC, tudo isto com o Doumbia na bancada, enquanto o Geraldes e o Miguel Luís jogavam Playstation enquanto aguardavam o início do jogo.

Naquele meio-campo que, mais dia menos dia, vai rebentar, a única mexida era a inversão de papéis entre Bruno Fernandes e Wendel. O português descia para tentar dar critério à saída de bola, o brasileiro tinha a missão de aparecer em tudo o que fosse espaço entre o meio-campo e a defesa encarnada, descaindo muitas vezes para a direita e convidando Jovane a juntar-se a “Luis Filipe” na pressão à saída de bola adversária. O nosso habitual 4-3-3 virava uma espécie de 4-2-3-1 mutável em 4-4-2, com Acuña a médio ala esquerdo, e se é verdade que não permitiu ao benfica jogar, também nos tirou capacidade de esticar o jogo, só havendo de registo da nossa presença na área contrária quando Bruno Fernandes avisou aquele boneco que estava na baliza.

intervalo-derbi

A primeira parte acabou por ser fraca, tendo como ponto alto mais uma perda de bola de Gudelj que gerou um contra-ataque e um golo oferecido por Renan, claramente a apostar tudo numa segunda mão onde vamos estar a ganhar 2-0 e ele vai fazer autogolo só para poder brilhar nos penaltis. A propósito de autogolo e de 2-0, haveríamos de levar o segundo já na segunda parte, num autogolo do regressado Tiago Ilori, uma espécie de castigo cósmico que acaba por nos bater a todos no lombo.

Antes disso, Wendel apareceu pela primeira vez no jogo fazendo aquilo que se esperava dele: explorar o espaço entre linhas. E lá estava ele, na cara do Svilar, a rematar como nos lembramos de ver um Koke rematar. Nós não marcámos, eles marcaram e logo a seguir, com a equipa de cabeça perdida e Coates e Bruno Fernandes a tentarem acordar os restantes à leio do grito, quase levámos o terceiros que poderia ser o início de uma descida ao fundo do poço. Não aconteceu, aguentámo-nos, equilibrámo-nos e Wendel teve nova oportunidade de golo, desta vez rematando como mandam as regras mas com a mira meio metro ao lado.

Por esta altura muitos de nós já estávamos a Anti-histamínicos, incapazes de aguentar a alergia de Keizer a mexer na equipa quando a vê a afogar-se. Até que o careca de gelo tira as mãos dos bolsos e surpreende o mundo: toma lá o Bas Dost (memorável a raiva do gajo e do Raphinha, no banco) para o lado do Phellype, enquanto o Dyabi já acelerava pela direita. As toupeiras punham cada vez menos a cabeça de fora, mas nós não tínhamos algo fundamental: a bola, para poder fazê-la chegar aos dois avançados.

Farto desta merda, Bruno Fernandes ganha uma falta, agarra a bola, ajeita a bola e chuta a bola como se estivesse a chutar todos os fantasmas que nos ensombram. E nós, agarrados à corda do balde, gritamos “golo!” como quem grita para saber que esta merda mói, mas não nos mata. Como que grita que somos da raça que nunca se vergará, mesmo que nos queiram vergar anulando-nos o 2-2 de forma inexplicável, num momento em que o Godinho mostrou que o pessoal do apito sabe bem quando deve ou não deve esperar pelo VAR (e ele esperou sempre, até ali…).

A segunda parte desta meia-final será daqui por dois meses e a pergunta que fica é “o que seremos capazes de fazer no intervalo, com esta bombada de ar que nos impediu de asfixiar?”