É um facto indesmentível: Portugal em 2021/2022 irá celebrar o centenário dos campeonatos nacionais de futebol, sendo que a aritmética determina que existam 100 campeões em 100 anos de competições. Outro facto: esta não é uma discussão nova sendo antes um problema que se arrasta há décadas em Portugal e que recentemente voltou a ganhar o interesse dos amantes do futebol que defendem a verdade desportiva.

Desta forma, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) viu-se obrigada ‘(…) a constituir de imediato uma comissão de especialistas que possa elaborar um parecer técnico cujo conteúdo será objecto de deliberação por parte da Assembleia-Geral da FPF’ (Acta nº21, de 13 de Dezembro de 2017). Passaram 15 meses e não se conhece qualquer rosto desta comissão de especialistas, metodologia aplicada nem qualquer desenvolvimento dos trabalhos (eventualmente) já realizados. Mas o primeiro sinal de alarme ocorreu logo no dia seguinte (14 de Dezembro de 2017) na carta que a FPF enviou ao Sporting Clube de Portugal (SCP) onde referia ser: ‘(…) nossa firme convicção que a leitura dos factos apresentados por vós, não coincidirá com o que a história das competições revela’. Ou seja, existe uma clara tomada de decisão antes de iniciado qualquer trabalho de investigação, não tendo a FPF qualquer vontade em repor a verdade histórica honrando assim todos os clubes e atletas que conquistaram a prova máxima do futebol nacional entre 1922 e 1938: o Campeonato de Portugal.

Tendo como único princípio que os títulos são activos inegociáveis dos clubes, nada nem ninguém poderá alterar o curso da história do futebol em Portugal, pois tudo se encontra documentado nos arquivos da FPF e nos jornais da época que servem como fonte primária em qualquer pesquisa histórica. De seguida, apresentarei 17 factos relevantes que sustentam a luta pelo reconhecimento das 17 edições do Campeonato de Portugal.

UNIÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (UPF)
Fundada em 1914, este foi o primeiro organismo de cúpula do futebol português e que apenas em 28 de Maio de 1926 se passou a designar FPF. Mas para que isso ficasse devidamente legalizado, houve a necessidade de reformular os estatutos, o que viria a acontecer apenas em 3 de Dezembro de 1938 (altura em que o Campeonato de Portugal já não era disputado). Até essa data, a FPF regeu-se pelos estatutos originais de 1914 – as linhas mestras do nosso futebol – onde o artigo 6º referia o dever de organizar o Campeonato de Portugal, a primeira prova nacional de futebol. A Acta nº1, de 19 de Fevereiro de 1922, na página 4 referia a ‘(…) necessidade de criar um troféu, prémio ou taça, para ser conferido ao Campeão de Portugal’ sendo que ainda hoje podemos ler no site oficial da FPF: ‘Em 1922, foi criado o primeiro campeonato de futebol organizado pela UPF. Os vencedores eram considerados os campeões da modalidade em Portugal’.

O QUE SE ESCREVEU EM 1923
A Acta nº4, de 21 de Abril de 1923, na página 9 referia que ‘(…) o Campeonato 1922/1923 será por eliminatórias, sendo obrigatória a inscrição e disputa do Campeonato de Portugal de Football a todos os grupos campeões das associações distritais filiadas na UPF’. Nesta segunda edição do Campeonato de Portugal participaram os seis campeões regionais de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Faro e Funchal. Ao longo de toda a época, o SCP realizou 11 jogos oficiais (nove vitórias e dois empates) tendo o capitão Francisco Stromp afirmado: ‘Ganhámos sem contestação dos nossos adversários e, até com o aplauso de todos eles’. O jornal ‘Os Sports’ de 28 de Junho de 1923 escreveu na capa: ‘Foi este o primeiro ano em que as províncias tomaram parte no grande campeonato, prestando-lhe um brilho invulgar; de esperar é, portanto, que para o ano a concorrência de clubes provincianos seja maior ainda, mercê da criação de novas associações regionais, para que ao Campeonato Nacional concorra Portugal inteiro. O SCP após uma época brilhante traz para Lisboa o título máximo de Campeão de Portugal de Futebol’.

JOGOS OLÍMPICOS DE AMESTERDÃO
1928 assinala a primeira alegria dada pela Selecção Nacional de futebol em competições internacionais, quando Portugal atingiu os quartos-de-final das Olimpíadas desse ano. A FPF terá de explicar porque razão não considera nove dos 11 jogadores que actuaram no jogo inaugural com o Chile como campeões no seu próprio país! O nome destes heróis são: César de Matos, Augusto Silva e Pepe (CF Os Belenenses), José Manuel Martins e Jorge Vieira (Sporting CP), Vítor Silva e Raúl Figueiredo (SL Benfica), Valdemar Mota (FC Porto) e Carlos Alves (Carcavelinhos FC). Em 1927/1928, quando o Carcavelinhos FC venceu o Campeonato de Portugal a prova tinha já contornos verdadeiramente nacionais com 26 clubes na fase final, metade dos quais apurados através dos regionais que se disputavam em todo o território português. Numa entrevista ao Expresso, em 21 de Outubro de 2017, uma grande figura do desporto nacional (João Alves) afirmou: ‘O meu avô – Carlos Alves – esteve nos Jogos Olímpicos de Amesterdão (…) foi considerado o melhor defesa nessas olimpíadas. Era do Carcavelinhos que foi campeão nacional. Chamava-se Campeonato de Portugal e não Campeonato Nacional como agora’.

LIGA ‘EXPERIMENTAL’ EM SISTEMA FECHADO
Em Março de 1934, uma derrota por 9-0 com a Espanha para a qualificação do Mundial alertou os portugueses para a necessidade de reorganizar o futebol nacional. Em contra-relógio, foi decidido criar um campeonato em ‘poule’ (todos contra todos) num sistema fechado de oito clubes de apenas quatro associações regionais (quatro clubes da Associação de Futebol de Lisboa, dois da AF do Porto, um da AF de Coimbra e um da AF de Setúbal). A Acta nº41, datada de 19 de Setembro de 1936, na página 17 é bastante clara: ‘Há uma flagrante injustiça sempre que se compõe a 1ª Liga, visto que a sua constituição não se funda em nada: é arbitrária. Ninguém pode pôr em dúvida que o Algarve tem categoria mais do que suficiente para entrar na 1ª Liga, sendo mesmo superior a outras regiões que estão nessa liga (…) afinal a 1ª Liga será eternamente composta pelos mesmos oito clubes, e que a maior actividade que se proporciona aos outros é nunca poderem pertencer a essa liga’. Mais adiante, é referido: ‘Cândido de Oliveira julga que ao fim de três anos de experiências, não se deve votar a perpetuidade do princípio de que os campeonatos das ligas se hão-de subordinar mais ao critério financeiro do que ao desportivo’.

ACTAS FPF CONFIRMAM A ‘EXPERIÊNCIA’
Porque uma mentira repetida mil vezes não passa a verdade, é importante derrubar um dos argumentos mais utilizados pela propaganda benfiquista ao dizer que nenhuma acta oficial da FPF considera a nova competição como ‘experimental’. Vejamos apenas três exemplos em páginas distintas da Acta nº37, de 8 de Setembro de 1934: ‘Ribeiro dos Reis diz que se trata de uma experiência que se vai fazer, e por isso, são precisas todas as cautelas. É possível que a distribuição não esteja correcta, mas trata-se de uma experiência, como já foi dito’ (página 99). Mais adiante: ‘Cândido de Oliveira é um descrente do Campeonato das Ligas, mas o Congresso não deve guiar-se por essa descrença. Vai fazer-se uma experiência, e se não der os resultados esperados, a todo o momento é tempo de arrepiar caminho’ (página 101) e finalmente: ‘O José Simões declara que Braga aceita a criação das ligas como experiência’. Em 1934/1935, o futebol em Portugal passava a ter três competições: os campeonatos regionais (Setembro a Dezembro), os campeonatos ‘experimentais’ (Janeiro a Março) e o Campeonato de Portugal (Abril e Maio).

MODELO COMPETITIVO DE 1935 A 1938
Devido à forte implantação dos campeonatos regionais, a FPF promoveu a título experimental os campeonatos das ligas sem prejuízo dos primeiros (‘Os concorrentes às ligas dependem dos campeonatos regionais’ – Acta nº41, de 19 de Setembro de 1936) nem do Campeonato de Portugal (‘Pergunta se a Comissão entende que o Porto não tem três clubes que possam igualar os de Lisboa. Não se trata só do interesse financeiro, mas do desportivo, porque dos Campeonatos das Ligas se parte para o Campeonato de Portugal’ – Acta nº37, de 8 de Setembro de 1934). Ao longo de quatro anos, esta nova prova ‘experimental’ nunca substituiu o Campeonato de Portugal, nem sequer se sobrepôs, bem pelo contrário, colocando os campeonatos ‘experimentais’ em plano de subalternação da prova principal, ao dizer no artigo 4º do regulamento: ‘Ficarão apurados para o Campeonato de Portugal, os oito clubes da 1ª Liga, os vencedores das quatro zonas da 2ª Liga, os dois apurados nas eliminatórias entre os segundos classificados das mesmas quatro zonas e um representante dos clubes insulares’. Desta forma, o Campeonato de Portugal congregava os 15 melhores clubes de todas as zonas do país para a disputa da prova máxima do futebol português.

DECLARAÇÃO PRESIDENTE FPF
No dia do início da nova competição, a 20 de Janeiro de 1935, o Presidente da FPF – Professor Cruz Filipe – enviou a seguinte circular a todas as associações e clubes: ‘Inicia-se hoje o Campeonato das Ligas (…) mais um passo firme e necessário no progresso do football nacional. Esta iniciativa vai certamente permitir a demonstração de um torneio sério para que a sua finalidade possa ser briosamente atingida’. Dois dias antes, o jornal ‘Os Sports’ questionava: ‘Em Portugal, vamos ter a primeira edição esta época, mais como tentativa para favorecer o desenvolvimento do nosso football (…) trata-se duma tentativa que os próprios clubes aliás foram os primeiros a reconhecer legítima, oportuna e necessária. Que resultará destas experiências?’. O primeiro campeonato ‘experimental’ foi ganho pelo FC Porto sendo que o SL Benfica venceu o Campeonato de Portugal diante do eterno rival SCP. O ‘Jornal de Notícias’ de 1 de Julho de 1935 escreveu: ‘A circunstância de terem aparecido na final os dois mais populares clubes de football da capital (…) deu à partida de ontem uma importância muito especial e favoreceu o brilhantismo que se podia desejar para o fecho de um ciclo de jogos que, a começar no Campeonato de Lisboa, com passagem pelo torneio das Ligas até ao Campeonato Nacional foi rodeada de extraordinário luzimento e elevado mérito desportivo’. Por sua vez, o ‘Diário de Lisboa’ na sua edição de 12 de Junho do mesmo ano, escreveu: ‘O público desportivo tem os olhos postos no Campeonato de Portugal. Quer dizer, o campeonato das ligas não esgotou o entusiasmo da massa desportiva. Aproxima-se o fim da competição, pois estamos nas meias-finais. Apenas três domingos e conhecer-se-á o Campeão de Portugal, aquele que ostentará durante uma temporada inteira o melhor dos títulos portugueses’.

O QUE SE ESCREVEU EM 1937/1938
Antes da época começar e porque havia a secreta esperança de Portugal marcar presença inédita no Mundial de futebol do ano seguinte, ficou escrito na Acta nº42, de 25 de Setembro de 1937: ‘A proposta é uma previsão, não só quanto a esses jogos, mas também em relação ao Mundial se Portugal for apurado nas eliminatórias. Pode, portanto, não haver tempo para se jogar o Campeonato Nacional na forma actual (…) a FPF só em última instância modificará o actual sistema do Campeonato de Portugal e procurará compensar os clubes dos prejuízos financeiros que possam com isto vir a ter’. O SCP venceu a 17ª (e última) edição do Campeonato de Portugal sendo que a imprensa da época escreveu: ‘Encerrando a época de 1937/1938 vai disputar-se depois de amanhã a partida final do Campeonato Nacional’ (jornal ‘Os Sports’ de 24 de Junho de 1938); ‘O Sporting Clube de Portugal conquistou pela 4ª vez o título de campeão nacional vencendo por 3-1 o Benfica, num jogo presenciado por 20 mil pessoas’ (jornal ‘O Século’ de 27 de Junho de 1938) e ‘Nos preliminares do 17º Campeonato Nacional – a prova máxima do futebol português’ (revista desportiva ‘Stadium’ de 29 de Junho de 1938).

DOCUMENTO HISTÓRICO: AGOSTO 1938
Chegara a hora de uma profunda remodelação na orgânica das provas nacionais e, para apresentar o novo projecto, a FPF nomeou uma comissão constituída por Maia Loureiro, Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira. Um documento precioso, antecedido, no preâmbulo com as seguintes palavras: ‘Imperfeições e lacunas houve neste trabalho. Alguns problemas devem ter tido solução contrária aos interesses particulares desta ou daquela associação (…) e não faltará, até, quem possa supor que tivemos em mira favorecer esta ou aquela associação’. A seguir, a regulamentação das novas provas – os Campeonatos Nacionais e a Taça de Portugal – dizendo-se a dada altura que ‘(…) para pôr em prática toda esta realização há que acabar com os Campeonatos das 1ª e 2ª Ligas e substituir o Campeonato de Portugal das jornadas em sucessivas eliminações, por um campeonato de maior rigor e regularidade pelo sistema de poule em duas voltas’. O sistema adoptado foi de facto, o mesmo dos campeonatos ‘experimentais’, mas esta prova ainda no dizer dos legisladores: ‘(…) restrita a oito clubes de apenas quatro associações, não tinha dimensão nacional, por isso, a solução encontrada é a abertura de uma porta de acesso aos Campeonatos Nacionais da 1ª e 2ª Divisões’. Só com esta abertura, a prova deixava de ser um torneio fechado sem expressão nacional – como era a liga ‘experimental’ – para atingir a dimensão do Campeonato de Portugal, necessariamente aberto a todos os clubes do país.

1º OU 18º CAMPEONATO EM 1939
Quando este novo regulamento foi submetido a votação no Congresso da FPF de 1938, a cláusula de passagem da 2ª à 1ª Divisão foi rejeitada pelas Associações de Futebol do Porto, Coimbra e Setúbal. O jornalista Ricardo Ornellas no jornal ‘Os Sports’ de 6 de Janeiro de 1939, levantou a seguinte discussão: ‘Ficou-se, assim, com um campeonato nacional injustificadamente fechado por isso é questão a colocar à FPF: da prova que depois de amanhã começa sai o 18º Campeão de Portugal cujo nome se inscreverá a seguir ao do Sporting Clube de Portugal na lista dos vencedores que começou em 1922… ou apenas o 1º vencedor do Campeonato Nacional – prova nova?’. A questão nunca se colocou pondo em causa os campeonatos ‘experimentais’ que foram muito importantes, tiveram a sua história, mas nunca foram considerados oficialmente como ‘nacionais’. A resposta da FPF foi clara: ‘São Campeões de Portugal todos os clubes que ganharam esta prova de 1921/1922 a 1937/1938 e serão Campeões Nacionais os clubes que vierem a ganhar a competição, organizada em novos moldes, a partir de 1938/1939’. No próprio livro História do Sport Lisboa e Benfica (1904-1954) na página 245 é referido: ‘(…) o árbitro invalidou o golo que daria ao Benfica, na edição inaugural do Campeonato Nacional da 1ª Divisão, o título de campeão 1938/1939’.

O INÍCIO DA TAÇA DE PORTUGAL
A 26 de Junho de 1939, a Académica de Coimbra conquistou a primeira edição da Taça de Portugal, após vencer na final o SL Benfica por 4-3. Dois dias depois, a revista desportiva ‘Stadium’ trazia uma foto de equipa desta conquista histórica: ‘Os aguerridos componentes que venceram a Taça de Portugal – troféu que teve o seu primeiro ano de disputa’. O próprio Presidente da Câmara Municipal de Coimbra aquando da chegada dos heróis proferiu as seguintes palavras: ‘Estamos aqui para receber estes briosos rapazes que acabam de vencer a 1ª Taça de Portugal’. Por último, e para que não haja qualquer dúvida, o actual Presidente da FPF (Fernando Gomes) em 2012, na revista oficial da final entre o Sporting CP e a Académica escreveu: ‘Bem-vindos à 72ª edição da final da Taça de Portugal (…) Para a Académica será o regresso a um Estádio que bem conhece, mas do qual já estava afastada há 43 anos. O primeiro vencedor da competição disputa, agora, a sua 5ª final, emprestando a este jogo uma mística muito própria’. As cinco finais que Fernando Gomes faz referência são 1939, 1951, 1967, 1969 e 2012. Ou seja, não contabiliza (nem podia contabilizar) a presença da Académica na final do Campeonato de Portugal de 1923 ganha pelo SCP, pois esta competição nunca foi – e nunca será – uma Taça de Portugal.

LIVRO OFICIAL FPF DE 1989
Para comemorar os 75 anos da FPF e o 1º centenário do futebol em território nacional foi editado pela FPF um livro oficial que para se perceber a sua importância basta enumerar os três textos de abertura: Presidente da FIFA (João Havelange), Presidente da UEFA (Jacques Georges) e o Presidente da FPF (Silva Resende). O jornalista Henrique Parreirão escreveu na sua nota de autor: ‘Só possível a elaboração deste trabalho, rebuscando – desde a poeira do passado aos ventos que, ultimamente, sopram de feição – o que já veio publicado em jornais e revistas de todos os tempos. Essa, portanto, a nossa principal fonte de recolha de dados com o apoio dos arquivos federativos postos à nossa disposição’. Na página 102 é referido: ‘Só oito anos depois da fundação da UPF se realizou a primeira prova do calendário federativo nacional: o Campeonato de Portugal, no fim da época 1921/1922 (…) tardou, mas chegou e viria a ser até 1937/1938, a prova máxima do futebol português, passando mais tarde o testemunho aos campeonatos nacionais com novas estruturas, pouco a pouco melhoradas até à perfeição que, hoje, se reconhece’.

O INÍCIO DO ESCÂNDALO
A 22 de Maio de 2005, o SL Benfica sagrou-se campeão no Estádio do Bessa sendo que os três jornais desportivos apresentaram três visões distintas com um silêncio total da FPF liderada, na época, por Gilberto Madaíl: ‘O Jogo’ referia 31 títulos mas contava com os três Campeonatos de Portugal (1930, 1931 e 1935). ‘A Bola’ atribuía os mesmos 31 títulos, mas numerava as três ligas ‘experimentais’ (1936, 1937 e 1938). Por último, o ‘Record’ contabilizava 28 títulos pois fazia a contagem somente a partir de 1938/1939. Dois dias depois, o jornalista Rui Cartaxana escreveu: ‘A contabilidade dos campeões nacionais de futebol não é, em Portugal, uma simples questão aritmética. Muito à portuguesa, é o reino da confusão. Cada jornal, senão cada jornalista, faz as contas à sua maneira e ninguém se entende (…) A tentação de somar os vencedores da Liga ao Campeonato Nacional que se lhe seguiu é enganadora e não corresponde à verdade. De facto, havia na altura e desde 1921/1922 uma outra prova – o Campeonato de Portugal – disputado em eliminatórias, mas cujo vencedor a FPF de então reconhecia como campeão nacional’.

REALIDADES NOUTROS PAÍSES
Em Itália, o primeiro campeonato de futebol no sistema de todos contra todos a duas voltas realizou-se em 1927, sendo que antes (e desde 1897/1898) vigorava o sistema de eliminatórias entre os vários vencedores regionais para encontrar o campeão. Todos estes primeiros títulos são reconhecidos, sendo o melhor exemplo, o Génova FC com os seus únicos nove títulos a serem conquistados no sistema a eliminar, tal e qual como era disputado o Campeonato de Portugal. Na Alemanha, o primeiro campeonato com jornadas sucessivas só foi realizado em 1963/1964. Até aí, e desde 1902/1903, vigorava o sistema de eliminatórias entre os vários campeões regionais, sendo que o Bayern Munique contabiliza o seu único título no anterior modelo (1931/1932) no somatório dos seus campeonatos nacionais. A Eredivisie é a competição mais importante da Holanda, sendo que tudo começou em 1898. O primeiro campeão foi o Concordia de Roterdão, após ter vencido o campeonato distrital e depois – na fase final – ter levado a melhor sobre os outros campeões distritais. Apenas em 1956/1957 começaram a jogar no modelo de todos contra todos a duas voltas, com o primeiro campeão a ser o Ajax, que contabiliza actualmente 33 campeonatos nacionais, ou seja, inclui os oito títulos conquistados no antigo modelo competitivo.

CAMPEONATO DA EUROPA (UEFA)
Mas se quisermos ir além das realidades nacionais, exemplos não faltam nas maiores competições internacionais de futebol. Em 1960 disputou-se o primeiro grande torneio organizado pela UEFA com a designação de Campeonato Europeu das Nações, sendo que na fase final realizada em França, entre 6 a 10 de Junho, apenas participaram quatro países: França, Jugoslávia, Checoslováquia e União Soviética (que viria a ganhar esta primeira competição). Em 1968, e já com a actual designação de Campeonato da Europa, a meia-final entre a União Soviética e a Itália foi decidida por moeda ao ar sendo que a sorte sorriu aos italianos que viriam depois a conquistar o troféu. Em momento algum, a UEFA deixou de considerar ambos os vencedores pois na realidade as duas provas foram ganhas com as regras da época e que eram do conhecimento de todos os participantes. Mais: a UEFA não reconhece oficialmente a Taça Latina pois era uma competição fechada entre quatro países (Portugal, Espanha, França e Itália). Porque razão em Portugal o título máximo é atribuído a uma liga ‘experimental’ fechada a quatro associações (Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal)? O SC Olhanense e o CS Marítimo (anteriores Campeões de Portugal, por exemplo) nunca participaram nesta competição ‘experimental’ pois as suas associações de futebol ficaram pura simplesmente excluídas.

CAMPEONATO DO MUNDO (FIFA)
O Mundial foi disputado, até hoje, com quatro modelos competitivos diferentes, sendo que a FIFA reconhece todos os vencedores desde 1930. Para além do modelo vigente e mais comum (fase de grupos e depois fase a eliminar), houve em 1950 uma dupla fase de grupos sem final convencional e, em 1982 uma dupla fase de grupos seguida de fase a eliminar com final. Mas o mais curioso são as provas de 1934 e 1938 (curiosamente, no mesmo intervalo de tempo, onde em Portugal se jogou a liga ‘experimental’) com estes dois mundiais de futebol a serem disputados no sistema de eliminatórias, exactamente como era o Campeonato de Portugal. Uma outra curiosidade: apenas na 12ª edição do Mundial (Espanha – 1982) estiveram presentes os cinco continentes. Noutro âmbito e mais recentemente, em Outubro de 2017, a FIFA reconheceu oficialmente os títulos mundiais obtidos pelos clubes sul-americanos e europeus entre 1960 e 2004, colocando assim ponto final numa polémica que durava há muitos anos.

O LADO HUMANO
Porque esta história tem rostos é importante que a FPF tenha noção que o seguinte onze histórico totalizou 190 internacionalizações por Portugal, com 43 golos marcados. Estes foram alguns dos primeiros grandes heróis do futebol nacional e que deviam merecer todo o nosso respeito pois os Campeonatos de Portugal que ganharam dentro de campo ninguém lhes poderá retirar na secretaria: João Azevedo (Sporting CP), Carlos Alves (Carcavelinhos FC), Augusto Silva (CF Os Belenenses), Jorge Vieira (Sporting CP), Raúl Figueiredo (SC Olhanense e SL Benfica), Valdemar Mota (FC Porto), Vítor Silva (SL Benfica), Pepe (CF Os Belenenses), Jorge Tavares (SL Benfica), Pinga (Marítimo e FC Porto) e Fernando Peyroteo (Sporting CP). Se algum destes homens fosse vivo, quem da FPF teria coragem para olhos nos olhos lhes dizer que afinal não foram campeões?

Não é de todo admissível que a FPF – entidade de utilidade pública e responsável pelo património histórico do futebol em Portugal – permita que sejam esquecidos os primeiros 17 anos de competições, sendo óbvio pela leitura das actas da própria FPF que ao longo das quatro épocas em que se disputou o campeonato ‘experimental’, a principal prova do calendário desportivo nacional continuava a ser o Campeonato de Portugal.

Contrariamente ao que as pessoas pensam, é importante reforçar que esta não é uma luta pelos quatro Campeonatos de Portugal que o Sporting CP venceu no campo, com as regras da altura e com o aplauso dos adversários. Esta é uma luta pela reposição da verdade histórica das 17 edições do Campeonato de Portugal que tiveram sete clubes vencedores: FC Porto e Sporting CP (quatro cada) SL Benfica e CF Os Belenenses (três cada) e SC Olhanense, CS Marítimo e o Carcavelinhos FC (um cada).
Em Janeiro de 2019, este assunto foi debatido no plenário da Assembleia da República sob a forma de uma petição com 4.470 subscritores (obrigado a todos os que assinaram). Os deputados foram claros e pretendem que a FPF esclareça esta matéria o mais rapidamente possível e que a decisão seja tomada com absoluto rigor histórico para evitar mais polémicas. A palavra final caberá à FPF, mas convém não esquecer as sábias palavras de Platão: ‘O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis’.

Texto escrito por Paulo Alexandre Silva Almeida