A Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD informou esta terça feira a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) da renegociação, que está em curso com os bancos Milleniumbcp e Novo Banco, do Acordo do Quadro de Reestruturação Financeira de 2014 que havia vencido no passado dia 31 de Março.

Para tal, foi bastante importante a concretização, no passado dia 20 de Março, da operação de cessão dos créditos decorrentes do contrato celebrado em Dezembro de 2015 entre a Sporting SAD, a Sporting Comunicação e Plataformas, S.A. e a NOS Lusomundo Audiovisuais, S.A.. Tal operação permitiu o encaixe financeiro de 65 milhões de euros que vão servir para substituir passivos financeiros e não-financeiros.

Confira o comunicado na íntegra:

A SPORTING CLUBE DE PORTUGAL – FUTEBOL, SAD (“Sporting SAD” ou “Sociedade”), vem, nos termos e para efeitos do cumprimento da obrigação de informação que decorre do disposto no artigo 248º-A n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários, informar o mercado que:

Em cumprimento das prioridades definidas pelo Conselho de Administração da Sociedade, está em curso a renegociação, com os Bancos Millenniumbcp e o Novo Banco, do Acordo de Quadro de Reestruturação Financeira de 2014, incluindo a concessão de waiver (renuncia temporária), vencido no passado 31 de Março, conforme Prospecto de admissão à negociação no mercado regulamentado de 28.000.000 ações, escriturais e nominativas, do capital social da sociedade, datado de 27 de fevereiro de 2019, pretendendo-se que a mesma esteja concluída até ao final da corrente época desportiva.

No âmbito da estratégia de planeamento financeiro, foi crucial a concretização, em 20 de março de 2019, de operação de cessão dos créditos decorrentes do contrato de cessão de direitos de transmissão televisiva e multimédia, de exploração da publicidade estática e virtual do Estádio José Alvalade, de distribuição do canal Sporting TV e direitos de patrocinador principal, celebrado a 28 de Dezembro de 2015, entre a Sporting SAD, a Sporting Comunicação e Plataformas, S.A. e a NOS Lusomundo Audiovisuais, S.A.; operação esta que permitiu o encaixe financeiro de € 65.000.000, destinando-se as receitas líquidas da mesma a substituir passivos, financeiros e não-financeiros. Os créditos cedidos nesta operação servirão para colateralizar a emissão de obrigações titularizadas até ao reembolso integral das mesmas, tendo ficado assegurados mecanismos contratuais necessários, que poderão permitir à Sporting SAD recuperar a titularidade ou benefício económico dos créditos, simultaneamente com o reembolso das obrigações titularizadas, o que poderá acontecer antecipadamente e a qualquer momento na sequência de
solicitação da Sociedade (os quais não se encontram na sua exclusiva disponibilidade).

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Dentro desta temática, aproveito para recuperar um texto escrito por Carlos Vieira.

Uma brisa que passou
E é assim. De repente parece que se perde uma oportunidade. Leio o que leio na comunicação social. Pedem-me para escrever sobre empresas e empreendedorismo. E empreendedorismo é também saber assumir erros (próprios ou de terceiros) e saber cair com “graciosidade” e com indicações que “para a próxima já não se cometerão os mesmos erros”. Será?

Leio na comunicação social sobre o facto de certos credores terem conseguido o controlo acionista da Auto Estradas Douro Litoral e da Brisal, pertencentes à Brisa, após terem adquirido, a desconto (ou com o já famoso “haircut”, fala-se em 80%), créditos que lhe permitiram fazer o “step in” no capital da empresa. E adquiriram-no associando-se a empresas tão seletas como o Deutsche Bank, o JP Morgan e o Banco Europeu de Investimento (Público, 24/01/2019).

Importa recordar também que a própria Brisa já tinha colocado o Estado português em tribunal, por razões de reequilíbrio financeiro, tendo este sido condenado a pagar 220 milhões. É obra!

Este tema permite-me dizer que, de facto, num negócio ou num investimento que, por determinadas razões não corre como o esperado, pode sempre existir um conjunto mínimo de ativos que conduzem ou autorizam um ajustamento. Por vezes este ajustamento obriga a que credores que, por norma, não trabalham em situações de stress financeiro, cedam as suas posições a terceiros, sejam eles considerados “abutres” ou não. E aqui o digo. Hoje que se discute a necessidade de se recuperar a competitividade de determinadas regiões do país, não seria porventura interessante o Estado português adquirir esta posição destes fundos, remetendo estes ativos para os respetivos municípios para gestão (promovendo a redução dos custos de contexto de quem aí vive e trabalha)? Há de facto uma oportunidade única nestes momentos originados por crises globais ou específicas que importa manter no radar.

O mesmo se pode dizer do Sporting Clube de Portugal e do seu Grupo. Na semana passada assisti ao anúncio de um financiamento que serviria para pagar créditos vencidos, na SAD. Neste artigo, em que escrevo como docente do ISG, e para não me acusarem de revelar informação confidencial, reporto-me aos recentes relatórios de gestão, prospetos divulgados e ao artigo de Bruno de Carvalho (DN, 30/04/2018) e à entrevista de Carlos Vieira (o VP do SCP, que sou eu, mas agora não sou, também no DN, mas de 22/06/2018), para lamentar que não se tenham conseguido concretizar os acordos que permitiriam uma reestruturação (já estou tão farto desta palavra!) efetiva.

Para não me alongar muito, a base desse acordo era i) situar a operação de titularização de créditos na Sporting SGPS (que é detida a 100% pelo Clube), que iria comprar os créditos detidos pelo BCP e Novo Banco sobre a SAD e o Clube (cerca de € 150M de empréstimos e € 135M de VMOCs – obrigações convertíveis em ações) por um valor de, no máximo, € 150M; ii) a SAD e o Clube ficariam a dever os seus créditos à SGPS pois um haircut direto dos bancos aquelas originaria muito possivelmente IRC a pagar; iii) como a SGPS deve ao Clube cerca de € 70M, acertavam-se as contas e o Clube, sem mais, ficava sem dívida bancária e “arrumadinha” beneficiando os seus mais de 170 mil sócios; iv) a SGPS ficaria com € 135M de VMOCs adquiridas a um baixo valor que, se interessasse ao Sporting, poderia transformar em ações ou vender com ganhos a parceiros a sério; v) todas as restantes garantias prestadas aos bancos ficariam libertas. Note-se que, a SAD não pode adquirir ações ou VMOCs próprias e não pode emprestar dinheiro a terceiros com o objetivo único de as comprar (a designada “simulação”).

Assim, a exemplo da Brisa, ou do Estado português, parece que se pode vir a perder uma oportunidade. Daquelas que passam poucas, ou nenhumas vezes. O que me ainda me mantém esperançoso é que quem nos governa se mantenha alerta. No caso do Estado, vêm aí eleições…. No caso do Sporting, no comunicado à CMVM está escrito que a “Sporting SAD [pode]recuperar a titularidade ou benefício económico dos créditos”. Ainda estamos em tempo. No entanto deixo a minha dúvida. Sendo quem gere agora estes processos um homem da banca (e que a ela necessariamente regressará) porque não manteve os contratos com quem negociava “agressivamente”, à “abutre” (mas do lado certo da barricada)? Porque será que rescindiram esses contratos? Porque será? Desta vez não será certamente do guaraná.

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E termino com um comentário do bigfoot, que me pareceu merecedor de post

Ainda acerca da reestruturação financeira negociada ainda pela direcção do Bruno de Carvalho, são muitos os números que aparecem e importa tentar extrair o que é que podemos confirmar.
Eu não sou financeiro de formação profissional, nem nada que se pareça. Portanto pode haver algumas terminologias menos correctas, mas procurei manter o máximo rigor. Os mais sensíveis a faltas de rigor de pseudo-financeiros devem passar à frente sem ler.
Seleccionei as 4 fontes que encontrei que se referiram a esta matéria e tentei apurar no que consistia a reestruturação planeada e quais as dúvidas que ainda persistem.
Pelos vistos, e segundo Dias Ferreira, a contratação do empréstimo financeiro concedido foi rescindida pela actual direcção, que negociou recentemente um empréstimo de mais baixo valor e por uma taxa de juro mais elevada, com o objectivo de fazer face a compromissos de curto prazo e sem o objectivo mais amplo de uma reestruturação financeira global, que estará a ser preparada e que era a que estava em preparação pela direcção de Bruno de Carvalho.
Tendo sido rescindida, importa mesmo assim tentar perceber a sua configuração, para que possamos comparar com a reestruturação que está a ser preparada, a fim de perceber os méritos de uma e de outra.

1 – Fontes de informação consideradas
Temos 4 fontes com conhecimento de causa sobre a matéria:
– O artigo do próprio Bruno de Carvalho no Diário de Notícias a 30/4/2018 – https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/situacao-financeira-do-sporting-cp-emprestimos-obrigacionistas-9294519.html
– A explicação dada por Ricardo Oliveira, candidato a vice na lista de Dias Ferreira, num debate por ocasião das últimas eleições, em Agosto de 2018 – https://misterdocafe.blogspot.com/2019/03/a-reestruturacao-financeira-explicada.html
– A explicação dada pelo Dias Ferreira no programa Quinta da Bola, em Março de 2019 – https://www.facebook.com/watch/?v=1045973102193722
– O artigo escrito recentemente por Carlos Vieira, em 29/3/2019 – http://linktoleaders.com/uma-brisa-que-passou-carlos-vieira/

O que é pacífico e consensual é que houve uma negociação fechada com os bancos detentores de VMOCs para a sua aquisição e que houve uma negociação que envolvia um financiador americano para centralização de todo o passivo bancário da SAD e do clube, incluindo a aquisição das mesmas VMOCs.

2 – As VMOCs – Enquadramento
AS VMOCs estão presentes no nosso vocabulário desde os tempos do Soares Franco. Explicando de forma simples, a SAD emitiu 135Milhões de obrigações (emissões faseadas, aquando das diversas reestruturações financeiras executadas), que foram adquiridas pelos bancos credores. Desta forma, foi possível a eliminação de 135M€ de dívida bancária da SAD.
Parece um golpe de magia, mas é a realidade. 135M€ de dívida desapareceram. Mas com uma consequência grave: quando atingirem a maturidade (2026), as VMOCs são convertidas em capital da SAD, o que significa que nesse momento a constituição accionista da SAD (o peso de cada investidor) muda completamente, podendo o clube perder o controlo maioritário da SAD.
E para aqueles iludidos que ainda pensam que uma eventual perda da maioria da SAD terá que ser aprovada pelos sócios em AG, desenganem-se: basta não fazer nada, por falta de vontade ou por falta de dinheiro, que em 2026 ficamos minoritários, ficando a mandar no clube uma entidade que venha a adquirir à banca uma parte significativa das acções resultantes da conversão das VMOCs em acções.
Para prevenir essa eventualidade, BdC tinha incluído uma cláusula na reestruturação financeira de 2013, dando ao clube direito de preferência sobre 44Milhões de VMOCs, o mínimo imprescindível para manter no clube o controlo de 50,1% da SAD. O valor dessa eventual aquisição estava definido numa fórmula que tinha em conta o valor das acções no mercado de capitais e estava prevista a constituição de uma conta de provisão, cujo principal destino era a recompra dessas VMOCs, que seria alimentada com percentagens dos valores de venda de jogadores e partes dos prémios de participações na Champions.

3 – Reestruturação de 2018
Segundo Dias Ferreira, a negociação arrancou no início do ano de 2018 e foram assinados alguns contratos em Maio. Compreende-se assim que BdC apenas aflorou no seu artigo de Abril a parte do negócio que já estava firme, que correspondia à recompra da totalidade das VMOCs.
Entretanto, por Carlos Vieira, ficámos a saber mais sobre a estrutura deste projecto. O veículo principal por parte do SCP seria a Sporting SGPS (detida a 100% pelo clube). A constituição da SGPS foi a solução encontrada pelo Sporting aquando da constituição da SAD, no início do século, para contornar a legislação que regula a constituição de SADs, que não permite que os clubes detenham mais de 40% do capital social destas.
Com a maioria do capital dividido entre clube e SGPS, foi possível o controlo da maioria do capital, no pleno respeito pela lei. A SGPS tem sido recurso frequente para materialização de diversas operações financeiras que têm sido executadas ao longo dos tempos.
Esta reestruturação foi desenvolvida em 3 componentes distintas: i) A recompra das VMOCs, que terá sido a primeira componente a ser fechada e cuja execução não está dependente das outras componentes; ii) O empréstimo por parte de um banco/fundo americano, que parece ter sido fechado em Maio, segundo Dias Ferreira; iii) a concentração da dívida financeira do grupo na SGPS, através da negociação de um haircut com a banca (BCP+Novobanco), que estaria em curso em Agosto de 2018.

A SGPS seria a empresa a contrair o empréstimo com o fundo americano. Com o montante concedido, realizaria a recompra da totalidade das VMOCs detidas pelos bancos e realizaria ainda a recompra da totalidade da dívida bancária, tanto da SAD como do clube. Esta operação de recompra de dívida, tal como a recompra das VMOCs, seria feita com desconto altamente vantajoso (o dito haircut), já que para os bancos representa dinheiro em caixa de imediato e redução da exposição extremamente arriscada ao negócio-futebol.

No global, esta reestruturação apresenta diversas vantagens óbvias para o mundo-Sporting:
– Redução efectiva e substantiva da dívida bancária tanto do clube como da SAD, por via do haicut;
– Eliminação do risco de perda de controlo da SAD por parte do clube, com reforço significativo da sua posição acionista para perto de 90%;
– Eliminação de todas as reservas e garantias prestadas à banca no âmbito de reestruturações anteriores;
– Eliminação da dívida de cerca de 70M€ da SGPS ao clube, que vem desde os tempos do Soares Franco, quando todos os recursos do clube foram sendo delapidados para pagar passivos da SAD, até acabarem esses recursos e aparecerem as VMOCs…

E quais as desvantagens? Sinceramente não sei. É claro que toda a operação teria um custo, que ainda ninguém adiantou.
E obviamente existiria uma taxa de juro, que Dias Ferreira indicou ser de 6,5%, o que corresponderá a um montante anual de 10 a 13M€. Mas este não seria um valor a acrescer na totalidade à estrutura de custos existente, já que substituiria os custos de capital já actualmente existentes, decorrentes da totalidade da dívida bancária actual. Não temos dados para avaliar, mas acredito que no computo geral, os custos de serviço de dívida aumentassem.

3.1 – Valores em causa
VMOCs
Aqui tudo é pacífico. Todos coincidem que a negociação com a banca resultou na possibilidade de resgate da totalidade das VMOCs (que tinham sido subscritas pelos bancos por 135M€) por 0,3€ cada, perfazendo um total de 41M€.
Este valor representa uma perda para a banca de 94M€, mas tendo em conta que são 41M€ na mão e que a banca já tinha declarado imparidades sobre a totalidade da operação, não deixa de ser uma boa solução do ponto de vista da banca.
Do ponto de vista do Sporting, é óptima! Resgata por 41M€ a totalidade das VMOCs, quando estava previsto o resgate de apenas uma terça parte por um valor entre os 30 e os 40M€. Posição acionista na SAD reforçadíssima, que poderia arrumar de vez com pretensões de controlo por alguns tubarões que se perfilavam…

Dívida Financeira
Aqui aparece uma discrepância entre o testemunho de Carlos Vieira e o de Ricardo Oliveira:
– Carlos Vieira refere-se a um valor de 150M€ como o passivo bancário do Clube+SAD a reestruturar com haircut;
– Ricardo Oliveira refere-se a um valor de 230M€, sem esclarecer se é da SAD, SAD+Clube ou outro.
É estranha tal divergência. Investigando no relatório de contas consolidadas do universo SCP (junho 2017 – o último que conheço), vejo que a dívida financeira total é de 206M€, e poderia estar mais elevada em 2018. Mas esta rúbrica junta empréstimos bancários, obrigacionistas, factorings, leasings … Excluindo empréstimos obrigacionistas, leasings e factorings, chegamos a a um valor na ordem dos 133M€, que em 2018 poderia estar mais próximo dos 150M€ referidos por Carlos Vieira.

Valor do empréstimo concedido pelo banco americano
Aqui temos divergência entre os testemunhos de Carlos Vieira, Dias Ferreira e Ricardo Oliveira:
– Carlos Vieira refere um montante de 150M€;
– Dias Ferreira refere um montante de 200M€ e esclarece que a taxa de juro negociada é de 6,5%. Nunca diz, ao contrário da interpretação de alguns, pelo menos em declarações a que eu tenha tido acesso, que seriam 200M€ para investir na bola;
– Ricardo Oliveira refere um montante de 180M€.

É muito estranha esta divergência! Sem outra explicação para tal, posso especular admitindo que o empréstimo a conceder seria eventualmente uma linha de crédito variável, que dependeria da negociação do haircut (que, segundo Ricardo Oliveira, estaria ainda curso em Agosto de 2018).

Como chegar ao valor do haircut?
Sabemos que o empréstimo se destina à recompra das VMOCs e à compra da dívida financeira do Clube+SAD:
a) Versão Carlos Vieira
– VMOCs………………………………………………… 41M€
– Empréstimo………………………………………….150M€
– Dívida financeira antes do haircut ….. 150M€
Dívida financeira após o haircut : < 110M€ (150-41). Haircut superior a 40M€ b) Versão Ricardo Oliveira – VMOCs…………………………………………………………………………….. 41M€ – Empréstimo……………………………………………………………………..180M€ – Dívida financeira antes do haircut ….. …………………..…… 230M€ – Valor sobrante em caixa para cobrir outros custos……. 60M€ Dívida financeira após o haircut : < 80M€ (180-41-60). Haircut superior a 100M€ Pessoalmente, dou mais credibilidade à versão do Carlos Vieira, já que esteve bem dentro da negociação, enquanto que Ricardo Oliveira terá sido informado em período de campanha eleitoral.