1 – Como nasceu o teu Sportinguismo e quais os momentos do Sporting com que mais vibraste, Cherba? Descreve um deles.
Não sei como nasceu o meu Sportinguismo. O meu pai passou-me o gosto pelo futebol enquanto jogo jogado, mas nunca me guiou em direcção a qualquer clube. Os meus tios e primos, pelo menos os que tentavam influenciar, eram todos lampiões. Os meus amigos de infância, que mantenho até hoje, eram todos lampiões. A maioria dos putos, na escola, eram lampiões. E eu… decidi ser do Sporting. Ou fui escolhido pelo Sporting, sei lá. Tive que procurar referências sozinho, tive que aprender o Sporting por conta própria. E foi óptimo, digo-te, até pelo sentimento de ser diferente que isso me proporcionava. Por exemplo, quando estávamos em molhada e aparecia um típico benfiquista a perguntar aos putos “quem é que é do Benfica?”, dava-me um gozo do cacete não levantar o braço ou não dizer “eu!”. Tal como me foi dando um gozo do cacete ir descobrindo quem era do meu clube e ter quase um mini exército verde na escola primária, que era, sempre, a base para a equipa que formávamos para as futeboladas que ocupavam todos os intervalos. Além de ser o gajo que cascava em quem tinha que cascar nos intervalos (tirando aqueles dois ou três em que ambos sabíamos que ficaríamos muito mal tratados, ahahahaha), era do Sporting. E foi com um desses companheiros do mini exército, o Rui, que comecei a ir ao futebol, à boleia do pai dele, para ver a equipa que tinha o Silas e o Cascavel.

Relativamente aos momentos que mais me fizeram vibrar, creio que seria coisa para passarmos aqui o resto do dia. Mas não estarei a exagerar se disser que nada pode comparar-se às lágrimas que correram, com anos de atraso, quando fomos campeões, em 2000. Aquilo era como ter escalado a puta da montanha mais alta do mundo, com um saco de menires às costas, com gente e mais gente a berrar-te que não ias ser capaz, a pregar-te rasteiras… e chegar lá acima… não sei quanto tempo estive a chorar. De felicidade. De alívio. De sentir que tinha valido a pena tanto sofrimento para chegar até ali. Chorei quando tive a certeza que já nada nos tirava o título, deixei a minha mãe a chorar e continuei a fazer de Julia Roberts na ópera enquanto me vestia, enquanto preparava o meu irmão, enquanto desfraldava a bandeira gigante que havia comprado quando o Sporting foi jogar ao Barreiro, para a Taça, enquanto falava ao telefone com o meu pai e com quem ligava lá para casa numa época em que não existiam telemóveis. Chorei tudo o que tinha a chorar e saí, rumo a Lisboa, para uma festa inesquecível.

Não vejo a hora de passar por tudo isto outra vez, mas, agora, com a minha filha, algo que acredito que vai tornar tudo ainda mais especial, até pelo exemplo que já tive no festejo dos campeonatos de hóquei, andebol, futsal e voleibol.

2 – Como tens visto o Sporting desde que te lembras de ser Sportinguista, ou seja, qual a tua opinião sobre o passado e o presente do clube?
Pode parecer estranho, até pelo cansaço mental que ser Sportinguista implica, mas quanto mais as dificuldades aumentam, maior é a vontade de fazer algo pelo Sporting, esse clube que, passados 42 anos de vida e 37 de Sportinguismo consciente, ainda me consegue surpreender com tantos e tantos pormenores de uma história riquíssima. Essa história, esse passado, deve, sempre, ser preservada. É nela que encontramos as bases que devem guiar-nos incontornavelmente: o respeito pelo desporto, pela competição, pela sociedade; o ecletismo; a defesa de que homens e mulheres, mais ou menos aptos, devem ter as mesmas oportunidades e que, perante elas, é a vontade de pôr em prática o Esforço, a Dedicação e a Devoção que definirão quem atinge a glória!

E para um Clube assente em tais pilares, não está a ser fácil adaptar-se aos novos tempos. Esta revolução tecnológica e digital obriga-nos a não ter tempo. A não dar tempo. A viver com mais desinformação do que com informação, onde tudo se resume a imperativos económicos que se sobrepõem a valores. A, antes de receber a bola, já saber para onde queremos enviá-la. E existe, creio, um enorme choque de gerações, que ganha maiores proporções pela crescente exigência dos mais novos em que o seu voto tenha uma expressão igual ou mais aproximada da do voto de quem, queira-se ou não, tem definido o rumo do clube de cada vez que vamos às urnas. Esse sentimento de que o clube é de todos, mas que é mais de uns do que de outros, tende a tornar-se numa constante e crescente revolta e num apontar de dedo assacando responsabilidades.

Não vai ser fácil voltarmos a conseguir um equilíbrio. Não vai ser fácil sentarmos à mesma mesa o passado, o presente e o futuro. Não vai ser fácil diminuir a intolerância. Mas temos que encontrar forma de fazê-lo. De juntar os guardiões do passado, as pontes do presente e os adolescentes/ pré adultos do futuro, porque se o Sporting já é tão grande, tão rico e tão apaixonante com os adeptos agrupados em aldeias…

3- Qual a tua perspectiva de futuro do clube? Como gostarias que fosse?
Podes chamar-me utópico, sonhador, romântico, mas eu continuo a olhar para o Sporting e vejo um clube com um futuro do ca… cete! O potencial que o Sporting Clube de Portugal tem é algo deveras impressionante, mas precisa que se olhe atentamente para ele e, mais importante ainda, que se olhe para ele como uma missão de vida! Dirigir os destinos do clube não pode representar uma oportunidade para desenvolver negócios pessoais, para promoções pessoais, para pôr um conjunto de interesses acima dos interesses do Sporting! Quando isso acontecer, tenho a certeza que surgirá um projecto que será apresentado aos sócios e aos adeptos sem receios, sem rodeios, sem chavões, sem meias verdades, sem deixar de lado qualquer modalidade ou qualquer género. E tenho a certeza que os Sportinguistas se mobilizarão e darão tempo a algo que não será pedinchado, mas sim conquistado. É isto que eu desejo.

4 – Se fosses candidato quais as principais medidas que aplicavas (Financeiras-Projecto Desportivo -Futebol e Modalidades)? O que achas do sistema eleitoral ? Quais seriam as tuas bandeiras como candidato?
Paixão e dinheiro. Estranho, não é? Mas, sim, é nisto que qualquer projecto tem que assentar: alimentar a paixão dos adeptos e encontrar viabilidade financeira para fazê-lo.

Essa viabilidade financeira está intimamente ligada à reestruturação da dívida, mas, também, à capacidade de tornar o Sporting apelativo para as grandes marcas e para os grandes parceiros. Como é que o fazemos? Com vitórias e com um projecto sustentado. Pegando no exemplo do futebol, há quantos anos se utiliza a formação como um mero chavão eleitoral? Há quantos anos se espera que exista coragem para assumir que essa aposta pode obrigar a mais anos de seca? Falta esta coragem, pela tal pressão das vitórias. Falta explicar quantos anos de formação paga um Pongolle, um Elias, um Alan Ruiz. Falta apresentar um projecto em que esses milhões, estupidamente gastos, sejam transformados em milhões ganhos com os jogadores que formamos. Porque é que aplaudimos isso ser feito ao nível do futebol feminino e não aceitamos que se faça o mesmo ao nível do futebol masculino?

Modalidades… manter o rumo, manter a exigência, trabalhar pormenores. Formação e extensão às equipas femininas. Olhar para as escolas. Levar o desporto a todos os cantos do país e do mundo. Somos o Sporting Clube de Portugal ou não somos? Como é possível andar a mendigar patrocinadores para as modalidades campeãs?!?

O que são os nossos Núcleos? Alguém parou para pensar nisso? À força que isso representa a todos os níveis? Proximidade dos adeptos que estão longe do Estádio e do Pavilhão; dínamo para a promoção das nossas modalidades e do desporto para todos; uma Loja Verde em cada canto. Paixão. O fechar do ciclo. Ou o início do mesmo.

E a propósito dos Núcleos, é quase ofensivo não tê-los como “mesa de voto” a cada novo acto eleitoral. A tal outra parte da tua pergunta. Estamos ultrapassados a nível de processo eleitoral. Na forma como o organizamos, na forma como permitimos aos Sportinguistas expressarem-se, na forma como damos um poder de voto tão diferente aos Sportinguistas. Sim, tem que esbater-se a diferença de votos pelo ano de associativismo, até chegarmos ao “um sócio, um voto”. Ser sócio há mais anos, não significa ser mais apaixonado pelo clube. Tal como ter lugar de época há anos, deixando-o vazio em 80% dos jogos, obriga a repensar a forma como compensamos os sócios e os adeptos. A militância resume-se ao poderio económico? Quantos adeptos estão longe de Lisboa e vão a todos os jogos disputados a norte do país? Alguém já se preocupou com o facto de cerca de 30% dos votantes terem abaixo de 30 anos e terem até 3 anos de associativismo?

Isto obriga a repensar como comunicamos e como nos promovemos enquanto marca, começando na raiz! O que existe do Sporting para crianças? É tarefa dos pais passar o Sportinguismo? O “de geração em geração” não tem que ser, também, responsabilidade do Clube ou, pelo menos, o Clube assumir-se como ferramenta para ser utilizada pelos pais? E os nossos adolescentes, fãs de gaming?!? E se metêssemos tudo isto dentro do saudoso Camião Verde, que percorreria kms a espalhar Sportinguismo?!? (sim, é um sonho que mantenho)

5 – O que achas dos denominados notáveis ou ilustres e o que farias em relação às claques?
Grupos, grupinhos, grupetas. Gente de bem. Uma estupidez pegada. Um dos maiores cancros do Sporting. Afrontá-los será afrontar as verdadeiras dinastias que têm comandado os destinos do Sporting? Pois que seja. Não admito que qualquer Sportinguista me diga ser mais do Sporting do que eu sou!
Quanto às claques… muito da minha paixão pelo Sporting foi alimentada nos anos em que fui sócio da Juve Leo. Apanhar o barco com o pessoal… as concentrações no Terreiro do Paço, no Saldanha… os cortejos… o cantar até ficar sem voz… os dossiers da faculdade forrados a fotos das coreografias… Isso é o lado bom das claques. É o lado que deve ser defendido até à exaustão. Se o desporto deve ser festa, as claques podem e devem ser um dos motores dessa festa! Creio que a questão que se coloca é, como lidamos com o outro lado? Pego num exemplo simples: será normal acharmos normal que alguém que representa o Clube, que tem acesso às instalações do Clube, que tem acesso aos atletas, tenha um reforçado cadastro criminal?!?

6 – Que medidas aplicarias em relação à melhoria do futebol nacional em todas as suas áreas (arbitragem -ligas -campeonato – mais ou menos clubes, no fundo organização do futebol nacional)?
O primeiro passo é acabar com a hipocrisia. O futebol português é hipócrita! Dois ou três exemplos simples:
– batemos palminhas ao futebol inglês e ao seu profissionalismo e comportamo-nos como amadores. Quão ridículo é o tempo que demoramos até uma decisão ou um recurso ser analisado? Quão ridículo é termos um Portimonense – Santa Clara às 21h de uma segunda-feira?
– sim, a culpa é da SportTV. Vamos para a guerra! Acabemos com esta vergonha dos jogos à hora que este canal quer! Acabemos com este matar o futebol em família a conta gotas! O futebol joga-se ao fim-de-semana. Às 12h. Às 15h. Às 17h. Querem atirar um jogo grande para as 19h? Muito bem. Sejam as excepções
– vale a pena falar da hipocrisia em relação aos direitos televisivos?
– há quanto tempo falamos da necessidade de profissionalizar a arbitragem? Porque não podem os árbitros, incluindo VAR, ir ao flash interview, justificando as suas decisões?
– de que nos serve uma Liga sub23 se não existe uma obrigação dos clubes apostarem na sua formação? Porque não existe obrigatoriedade de, num plantel de 24 jogadores, pelo menos 7 serem da formação? E dos 3060 que, actualmente, um clube disputa só no campeonato, cada um desses jovens atletas terem que cumprir, pelo menos, 360 minutos, com um mínimo de 45 minutos consecutivos em cada utilização?
– existe algum projecto para apoiar e o futebol a nível distrital?
– até quando vamos dizer aos adeptos que ir ao futebol é chegar, comer uma bifana, beber uma bujeca, ver a bola e voltar para casa? até quando vamos ignorar que as pessoas precisam e querem viver uma experiência?!? (e isto vale, também, para o Sporting).

7 – Qual o teu jogo mais marcante como Sportinguista? E qual o teu onze ideal, incluindo um técnico?
Heish… tantos jogos marcantes, cada um à sua maneira… suponho que estás a referir-te a jogos presenciados ao vivo, certo? Olha, é inesquecível ter visto o Maradona em Alvalade e o Douglas a pregar-lhe uma cueca… Aquele maldito 2-2 com o Madrid… o golaço do Balakov aos 13 segundos, com os lampiões… o ainda maior golaço, em Setúbal… a remontada com o Newcastle… a reviravolta épica nos 5-3 aos lampiões… a conquista da Taça, em 95, com bis do Iorda… o 2-0 aos dourados, com golos do André Cruz e do Acosta, que nos permitiu passar para a liderança do campeonato… aquele 1-0 (ou 0-1, pois ganhámos) no Barreiro, com o velhinho Manuel de Melo à pinha e eu, no peão, vivendo a bola à moda antiga… os 5-1 ao Arouca, na abertura do campeonato, numa tarde de verão, e as lágrimas da minha filha, com três anos, sem perceber se havia de rir ou de chorar… a negra do voleibol, no João Rocha… o dérbi que nos dá o título, no andebol… o clássico com o fcp que confirma a conquista do campeonato de hóquei em patins… as negras do futsal…

O meu onze, só com gente que vi jogar, seria treinado por Mirko Jozic e alinharia da seguinte forma
Rui Patrício
Valckx, Luisinho, André Cruz
William Carvalho
Figo, Douglas, Nani
Balakov
Cristiano Ronaldo e Acosta

desculpa, Damas, mas vi-te jogar tão pouco tempo;
desculpa, Schmeichel, mas sou um formação lover;
desculpa Marco Aurélio, serás sempre o Imperador, mas só tenho 3 defesa;
desculpa, Beto, mas teres aqueles mestres a taparem-te o lugar não é desprimor;
desculpa, Oceano, mas jogarás tantas e tantas vezes;
desculpa, Duscher, mas o Douglas foi paixão à primeira vista;
desculpa, Paulo Sousa, mas serás sempre o melhor ao lado do Redondo;
desculpa, Adrien, mas serás sempre uma inspiração na defesa do Leão;
desculpa, Silas, mas existe o Balakov;
desculpem, Manuel Fernandes e Jordão, mas as memórias com 8, 9 ou dez anos não são tão fortes como outras;
desculpa, Liedson, mas não me esqueço a quantidade de épocas em que andaste com uma equipa às costas
desculpem, Jardel e João Vieira Pinto, não me esqueço do título que me deram, mas qualidade não é tudo;
desculpa, Cherbakov. Se o destino tivesse querido, farias parte da história. Da nossa e da do futebol mundial.

8 – Cherba, supõe que estás a falar às massas Sportinguistas num momento importante. Qual seria a tua mensagem?
Orgulha-te, sempre, de ser do Sporting e lembra-te que não basta dizermos que o Sporting somos nós! É preciso prová-lo! Já perguntaste a ti mesmo, o que podes fazer pelo teu Sporting para torná-lo tão grande quanto os teus sonhos?

*às sextas, o Sonhador convida um tasqueiro para a mesa do canto e coloca-lhe uma mão cheia e meia de perguntas às quais não vale dizer talvez