E é quando penso que o abraço terminou, que te sinto mais presa a mim…
Já se passaram alguns dias. Nas horas que se seguiram, continuaste a cantar noite fora. Experimentaste fazê-lo sob um túnel e percebeste que não é preciso sermos muitos para, nesse eco, sermos tantos. Comeste uma bifana com tudo. E, já em casa, um hambúrguer que fomos buscar com um sorriso especial (afinal, se há coisa que estás longe de habituar-te, nas idas à bola, é não poderes ter a tua refeição sossegada, sentada, completa). Vimos os penaltis outra vez. E, quando acordaste, quiseste ver o resumo do jogo, antes de vestires uma das nossas camisolas e saíres para a rua a inventar cânticos com a palavra Taça.
Não sei, dentro de alguns anos, que memórias guardarás deste dia. Se tudo correr bem, serão seleccionadas, pois a elas se juntarão várias outras de conquistas onde estaremos presentes. A elas se juntarão várias manhãs de impaciência, como a deste dia 25 de Maio, em que não será preciso dizer-te para te vestires, penteares, lavares os dentes. Em que estarás sempre pronta antes de mim, repetindo em loop o “vá lá, pai!” e me perguntarás duas mãos cheias de vezes “que pessoal é que vai lá estar?”.
E é quando penso que o abraço terminou, que te sinto mais presa a mim…
Esse pessoal, entre amigos e conhecidos, vai começando a ser o teu pessoal. Gostas, adoras. Quanto mais gente conheces, mas feliz estás. E o mais certo é, nesta crescente vontade das novas gerações darem rosto a tudo o que fazem, não precisares de usar um MaDost no boné ou na camisola para saberem quem és. Acredito que, mesmo inconscientemente, farás por isso. E não te espantarás, como eu ainda me espanto, confesso-te, quando alguém me pergunta se eu sou o Cherba. “Mais malta da Tasca!”, dizes tu depois, querendo saber os nomes.
Sentes que fazes parte de um todo verde e branco. Não te queixas por deixar o carro longe e ter que andar. Não te importas de carregar a bandeira grande, aquela que te ofereci quando eliminámos o benfica, nas meias, e que rumou connosco ao Jamor para o final deste capítulo. Acabou por ficar o pau da bandeira à porta, numa daquelas medidas de segurança ridículas que impedem uma criança de nove anos de poder agitar uma bandeira no topo da bancada onde, mais abaixo, pessoal referenciado e cadastrado agita bandeiras três vezes maiores.
Não te importas. Abrimos os dois o pano, que queres mostrar para o lado azul o símbolo do teu clube. Está à pinha. Um calor daqueles calores tão típicos das finais da Taça. Conto-te como, há cerca de 20 anos, toda a água se acabou no Jamor, também num Sporting vs fcp. Fomos buscar os pedragulhos de gelo que sobraravam e aguentámos até final de uma final que haveria de ser finalíssima. Gostas destas histórias. Queres saber pormenores. E vaticinas que vamos ganhar com golos do Bruno Fernandes e do Acuña e se calhar mais um livre do Mathieu. Estás confiante. Como eu estou, numa estranha acalmia que me invade desde manhã, como se não houvesse outra possibilidade que não a de ganharmos.
E é quando penso que o abraço terminou, que te sinto mais presa a mim…
Talvez por isso nem sinta o golo adversário, a não ser para berrar desesperado que foi mão do Herrera (e eu sou míope e não levei óculos, porque o jogo era de dia e de dia sente-se menos a miopia). Não tarda a aparecer o golo do empate, tão longe e tão perto, celebrado com conhecidos e desconhecidos, enquanto gastas a água das garrafas a molhar tudo e todos à nossa volta e ganhas energia redobrada para cantar até já não haver um único jogador sobre o relvado.
Vem de lá o Bas Dost. Tu sorris. Eu vaticino que «vai marcar o golo que falhou há um ano». E marca mesmo. «Na na na na na na na na, Bas Dost!», cantamos os dois, sorrisos rasgados, olhos esbugalhados, corações apaixonados de crianças sem idade. E cantas, cantas tanto que fica a doer-te a cabeça onde resiste estoicamente um boné que, em condições normais, já terias encontrado forma de tirar. Nada que um gelado não cure, ainda para mais se empurrado por uma cola que cravas com a distinta lata de uma criança da tua idade.
Estamos todos em pé, quando levamos aquela paulada mesmo em cima do apito final. Custa. São dez segundos que parecem uma eternidade. E só olho para ti depois de respirar fundo e soltar um «bem, temos mesmo que despachar estes gajos em penaltis outra vez». Sento-me a teu lado. Sorrio. «Tanto pediste penaltis, miúda…». O teu sorriso é nervoso, próprio de quem, naquele momento, não trocava a emoção dos penaltis pela certeza do 2-1.
Do nosso lado, mesmo à nossa frente, enquanto eu, como qualquer lunático futebolístico crescido na década de 80, começo a fazer contas ao número de jogos decididos em penaltis, em que baliza foram marcados e de que lado estávamos. Afasto as zandinguices e vejo os teus olhos resistirem às lágrimas de desespero quando falhamos o primeiro. Outro soco no estômago. «Calma. Nós não falhamos mais penaltis e eles vão ter que falhar». E falham. Depois vem o Coates e tu juntas-te ao coro de adultos desconfiados. «Respeito pelo Sebastião, caray!». E vamos para a roleta.
«Vai, Renan!», gritas bem alto. E ele ouve-te. E ele vai, deixando tudo nos pés do Luiz felipesquisito. Tu, eu, amigos e possíveis amigos, numa loucura contagiante que procura onde se agarrar. E é quando penso que o abraço terminou, que te sinto mais presa a mim… deixo-te ficar. Foi uma batalha dura. Foram tantas emoções, agora transformadas em lágrimas que te refrescam o rosto. A pequena guerreira, aliviada depois de tão grande jornada. «Já está… é nossa», digo-te baixinho, olhos nos olhos, quando te afastas um pouco e ficamos onde só nós podemos ouvir-nos. Acenas que sim com a cabeça e procuras novamente o abraço. Feito de nós. Feito de Sporting. Feito de amor.
30 Maio, 2019 at 8:17
30 Maio, 2019 at 8:25
Oh Cherba..,
Ler este texto “é mergulhar convosco na epopeia do Jamor..,”
Caramba “senti-me “ lá…
Um beijinho do tamanho do mundo para a. Madalena…
E a certeza de que o “mundo Sporting “…
Jamais se apagará…
Abraço Cherba…
E Sporting Sempre …!
SL
30 Maio, 2019 at 8:28
A força deste clube está nos sócios, nos adeptos, nas crianças que extravasam a sua paixão por um clube que não lhes alimenta de títulos. Este clube é meu, é teu, é nosso. Arrepiei me a ler o texto tal como me arrepiei naquele mar de gente.
Sporting Sempre
30 Maio, 2019 at 8:35
Epá, obg por partilhares este texto.
As emoções num dia como este e os momentos que relatas são do c*******.
“a elas se juntarão várias outras conquistas onde estaremos presentes.”
Como eu desejo que isto se verifique com os meus dois pequenos ao meu lado…
Grande abraço e um bj à M.
30 Maio, 2019 at 8:36
Mais um texto escrito enquanto descascam cebolas … porra pá …
30 Maio, 2019 at 8:47
😀
30 Maio, 2019 at 12:16
Pois é. Este sacana põe um gajo a olhar para todos os lados antes de ler um texto que desconfia ser “destes”.
30 Maio, 2019 at 17:31
😀
30 Maio, 2019 at 8:42
Do melhores textos da Tasca de sempre! Grande emoção, grande sentimento!
Isto tudo :
“Feito de nós. Feito de Sporting. Feito de amor.”
30 Maio, 2019 at 8:47
Priceless..
30 Maio, 2019 at 8:50
T O P!!!
Sem palavras…
“… e ficamos onde só nós podemos ouvir-nos”
SL
30 Maio, 2019 at 8:51
Enorme texto!
“E é quando penso que o abraço terminou, que te sinto mais presa a mim…”
Linda a união e cumplicidade que tens com a tua filha. Não há nada que pague isso e são essas coisas que dão todo o sentido à vida.
30 Maio, 2019 at 9:06
Obrigado Cherba por mais um texto espectacular que me deixou com uma lágrima no canto o olho. Um bem haja e saudações leoninas.
30 Maio, 2019 at 9:08
A tasca é isto!
Emoção, grandes textos do Cherbatov, emoção da MaDost.
Para mim próximas emoções ao vivo quinta no PJR
E O SPORTING É O NOSSO GRANDE AMOR
30 Maio, 2019 at 9:24
Mais um grande texto, mais uma grande partilha! Muito obrigado Cherba!
30 Maio, 2019 at 9:35
E aqui estou eu abraçada a ti e à tua filha com as lágrimas a cair livremente!!! Que esta tasca e estes textos nunca acabem!!!
30 Maio, 2019 at 9:37
Oh Cherba, caramba por-nos a chorar logo de manhã que estamos para partir para ir ver o rally de Portugal a Arganil amanhã é duro.
30 Maio, 2019 at 9:37
Grande texto. Se o Sporting inspira-nos, Sporting + filhos/netos/sobrinhos muito mais.
Engraçado este desejo das crianças de preferirem as grandes penalidades à vitória no tempo regulamentar.
Talvez pela emoção do desempate por grandes penalidades, talvez por quererem prolongar o jogo até o último “suspiro”, talvez para verem brilhar uma última vez, naquele dia, os seus ídolos.
Antigamente não gostava de decisões nas grandes penalidades, mas nestes últimos anos não tenho tido razão de queixa…
30 Maio, 2019 at 9:56
Standing Ovation! Clap Clap Clap x10000!
Isto é o Sporting!
30 Maio, 2019 at 10:01
todos aos abraços e aos saltos no golo do dost e olho para trás e atrás de mim está a madost a procura de um abraço no meio de tantos abraços e o meu primeiro abraço vai para a madost, não esquecerei.
um dia inesquecivél.
foi um prazer ver o jogo ao lado destes Sportinguistas malucos, começando bem cedo saindo do Porto no meu carro na companhia da malta do Sporting160, estão tão vips que arranjaram um motorista hahahaha.
conhecer malta nova, rever amigos de outrpos tempos, sem palavras.
um abraço especial ao Sá que me aturou a tarde toda hehee,
também ao tasqueiro Iron Horse por tudo que fez por mim e foi um prazer Cherba.
enquanto eu e o pessoal 160 estavamos a comer a nossa bifana antes de nos fazermos a estrada para o regresso, ver o emplastro roubar um frango inteiro a nossa frente foi o hit da noite.
30 Maio, 2019 at 10:06
O emplastro do FCP? 🙂
30 Maio, 2019 at 10:12
ele agora é Sportinguista
30 Maio, 2019 at 10:16
Se andava a roubar continua a ser morcão 😀
30 Maio, 2019 at 11:01
Também já o vi nos festejos de um lampeonato…
30 Maio, 2019 at 10:35
Tal como o Futre!!!
30 Maio, 2019 at 17:33
só faltou teres consigo trazer-lhe água fresca ahahahaha
30 Maio, 2019 at 17:43
pois foi mas para conseguir as ultimas garrafas de água quentinha tive de mandar 5 gajos abaixo hehehehe
30 Maio, 2019 at 21:44
Top
30 Maio, 2019 at 10:23
Muito bom
30 Maio, 2019 at 10:45
Adoro um excelente texto. Adoro quando quem o escreve consegue transformar “sentimento” em “palavra”. Quando esse “sentimento” vem carregado de “vida” e com um poder descritivo, quase queirosiano, o texto torna-se algo inspirador. Conseguimos visualizar tudo como se de um filme se tratasse. Quando ao “Sentimento”, à “Palavra” e à “Vida” se junta essa pertença única de “Ser Sporting”, ficamos com textos destes que definem o que é “ser do Sporting”. Isto é o Sporting na sua plenitude! Uma Paixão que passa de pais para filhos e que nem o “roubo” de titulos no futebol consegue esmorecer. Isto é o Sporting, os abraços, os olhos dos nossos filhos a brilhar por mais um titulo. Isto é o Sporting, esse Amor Maior que nos une e que nos leva à loucura. Parabéns Cherba e Madalena pelo Enorme exemplo de “Sportinguismo”
30 Maio, 2019 at 10:54
Há meses que não venho cá….vim ontem…á procura disto. E não achei….Mais do que dececionada, achei estranho.
Hoje voltei e cá está…cá está ele…o texto que sabia que iria chegar.
O texto que ainda antes de existir já estava na minha cabeça. Verdade Cherba, no Sábado, depois da épica vitória pensei:
“Que texto maravilhoso o Cherba vai escrever esta semana na Tasca.”
Não falhaste.
Foi isto que me trouxe á Tasca…é isto que não me deixa sair.
Obrigada.
Ass: Leoa Ferrenha
30 Maio, 2019 at 17:34
sinto-me o homem aranha: “Grandes poderes trazem grandes responsabilidades” 🙂
30 Maio, 2019 at 10:56
“ver o emplastro roubar um frango inteiro a nossa frente foi o hit da noite.”
ahaahhhaaahh granda emplastro, deve ter comido logo o frango feito homem das cavernas.
30 Maio, 2019 at 10:57
dsc não era para aqui mas sim em resposta ao “$10 Dollar Bill”.
30 Maio, 2019 at 11:09
Que texto lindo. Que dizer? Todos aqueles que sofrem ao longe, por vezes sozinhos, que gostariam de poder partilhar estes momentos junto de sportinguistas certamente irão ler este texto com profunda emoção. Grande cherba
30 Maio, 2019 at 11:11
Foi um prazer também, Nota Verdadeira 😀
Ainda deu tempo para ver a MaDost com a bandeira intacta 😀
30 Maio, 2019 at 11:34
Caricato tirarem aquela pauzinho da bandeira da criança que era de material tipo pvc.
No outro lado da bancada dos tripeiros milhares de bandeiras dessas, coisas inexplicáveis.
30 Maio, 2019 at 11:37
Era o que eu estava a pensar.
Do lado do porco estavam milhares de bandeiras pequenas sem serem de claque…
30 Maio, 2019 at 17:35
se soubessem a vontade que tive de arranjar merda por causa da bandeira…
30 Maio, 2019 at 11:11
O Sporting nunca há-de acabar, sobretudo enquanto houverem Madalenas!
Obrigado Cherba, pela partilha! Muito bom! Parabéns tb por esse Sportinguismo!
30 Maio, 2019 at 11:32
Esmagador, não arranjei bilhete, mas revi o jogo ao vivo neste texto
Ao ler este brilhante texto, só me lembrava dos abraços aos meus gémeos com 8 anos em cima da cama quando o Yannic e o Vukcevic fecharam os 5-3.
Este sabado quando o porco empata o puto deita-se no tapete a chorar e a mãe ex-lampiã já convertida, diz, tem calma ganhamos nos penaltis, o resto … bem, acabou tudo a chorar de alegria.
Como já disseram acima, nunca acabaremos por muito que tentem.
30 Maio, 2019 at 11:44
És um piegas. Um verdadeiro lamechas. Olha a sorte da Madalena! E nossa também, um bocadinho, que levamos por tabela com estas pieguices lamechas de vez em quando. E que bem que sabem!
30 Maio, 2019 at 17:35
romântico incurável me assumo!
30 Maio, 2019 at 12:05
Só de vos ver dá para perceber a cumplicidade e o Sportinguisno transbordante 🙂 muitos parabéns a vocês e a todos nós, esta já cá canta !
30 Maio, 2019 at 12:28
Caro cherba,
Excelente texto!
Obrigado!
SL
30 Maio, 2019 at 12:32
Depois de teres servido mais este fabuloso prato na Tasca, queres ser o responsável pelo »catering« do meu camarote?
30 Maio, 2019 at 17:36
“aqui há croquetes bem fritos”, é uma das máximas da casa 😀
30 Maio, 2019 at 12:49
Foi lindo, foi épico e no fim, enquanto encontrava mais uma barraquinha para celebrar e beber umas, pude dar-te um abraço. O nosso ar de alívio, de alegria, de sentir que algo mudou para melhor. O teu “finalmente”. Fico feliz que a tua miúda tenha testemunhado este dia de sportinguismo.
Eu fui com o namorado portista, cada um viu o jogo do seu lado. Mas acho que até ele sabia que aquela taça tinha de ser nossa, tínhamos contas para ajustar com o Jamor. Não nos ia fugir nunca.