Entrevista a Pedro Gil, homem que tanta falta nos fez ontem. Bom pedaço de leitura para este domingo.
Pedro Gil é, provavelmente, dos desportistas que reúne menos consenso, mas é também dos melhores e mais titulados jogadores do mundo de hóquei em patins. Aos 39 anos, somou mais um título – o de campeão europeu pelo Sporting – e não quer parar por aqui.
À conversa com o Maisfutebol, o espanhol falou do lado mais pessoal, da carreira e não fugiu ao estigma que o acompanha há muitos anos: o de ser um jogador agressivo e violento. Sem esquecer a passagem pelo FC Porto, Pedro Gil falou ainda, e sem qualquer problema, do lugar que o emblema azul e branco lhe ocupa no coração, deixando claro que só tem um «clube do coração». De resto, é o profissional de garra que bem conhecemos e que se vê a terminar a carreira de leão ao peito.
Oito épocas no FC Porto, três no Sporting. O coração continua a ser azul e branco? Já foi visto a assistir aos jogos do FC Porto…
Neste momento sou mais sportinguista e, já o dizia nos tempos do FC Porto, só tenho um «clube do coração»: é o Real Madrid. E tenho a sorte, ou o azar, de que o Real Madrid não tenha hóquei em patins. Se tivesse se calhar estava lá (risos). O Real Madrid é o único clube do meu coração, mas os outros tenho-os no coração pelo que lá passei.
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É evidente que o FC Porto tem um lugar muito importante no meu coração, estive lá oito anos. Foi o clube que representei durante mais tempo, aquele no qual ganhei mais títulos, onde estava quando comecei com a minha mulher e onde cresceram os meus filhos, e isso faz parte da minha história e nunca vou, nem quero, apagar. Só eu sei o que sinto. E tenho lá muito amigos, claro. Ainda outro dia, antes da final da Liga Europeia, encontrei o mecânico lá dentro e dei-lhe um beijinho. Quem não sente, não percebe.
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Quanto ao Sporting é o clube onde estou atualmente, que me dá de comer, está no meu coração, defendo-o até à morte e quero que ganhe em todas as competições. Venho ao pavilhão e quando não venho, estou em casa a ver e quero que ganhe. O Sporting foi o clube que há três anos me abriu a porta num momento em que, se calhar, não esperava jogar num clube desta dimensão. Identifico-me com o clube, gosto da maneira de pensar e do ecletismo. Gosto de ir ao multidesportivo: ir lá acima e ver o taekwondo, o kick-boxing, o boxe, a ginástica, de ver pessoas de 70 anos e crianças a dançar… Há um ambiente como nunca vi em lado nenhum, e adoro isso.
Já passou por oito clubes – Noia, Tenerife, Infante Sagres, FC Porto, Reus, Valdagno, Forte dei Marmi e Sporting -, ainda gostava de jogar em mais algum?
Não, estou mais do que satisfeito e penso que vou terminar a carreira no Sporting. Além de ser o clube que me abriu as portas, está a dar-me condições para poder continuar mais dois ou três anos. Terminar aqui seria bonito. Gostava de terminar noutros clubes pelos quais passei, e pelos quais tenho carinho, mas cheguei aqui há três e acho que vai ser no Sporting que vou pendurar os patins. O clube merece, e eu também mereço terminar num clube desta dimensão.
Nunca jogou foi naquele que é considerado o melhor clube do mundo, o Barcelona, também por ser rival do «clube do coração»…
Sim, mas tive oportunidade quando era mais novo e mais tarde tive outro convite, mas nunca se concretizou por várias razões. Primeiro achei que não era importante ir e depois, mais tarde, que não era o momento até porque tenho uma tatuagem do Real Madrid (risos). Sei que o Barcelona é o melhor do mundo no hóquei em patins, pelo orçamento e pelas condições, mas não quis. O meu filho está lá agora.
Além de títulos, ao longo da carreira também tem colecionado algumas polémicas…
Sim, algumas.
Considera-se um jogador violento?
Cada um tem o seu estilo, o meu é o de dar tudo em todos os lances. É a minha forma de jogar. Tenho muitos jogos e episódios maus, e podemos chamá-los assim porque sei que fiz coisas más, mas de certeza que fiz muito mais coisas boas do que más. No entanto, o que fica registado são esses cinco, seis ou sete ou dez episódios e, por aí, passa a imagem de que sou um jogador muito mau e muito agressivo, mas todas as semanas vejo stickadas ou agressões de que não se fala, das quais não se divulgam as imagens e nem acontece nada. Já eu, se fizer alguma coisa, há logo repercussões…
Sente-se perseguido, é isso?
Sim, um pouco, e isso talvez aconteça por causa das rivalidades. Eu acho que não sou assim tão agressivo e quem me conhece sabe disso. Além disso, até devo ser dos jogadores que menos faltas faz e que menos cartões azuis tem. Mas, claro, é normal que, se me dão uma stickada, reaja e que, por vezes, a quente não nos consigamos controlar.
Mas, e como disse, admite que errou algumas vezes?
Sim.
E tem algum pedido de desculpas a fazer ou «o que acontece dentro de campo, fica em campo»?
Não tenho qualquer problema. O que faço dentro de campo fica lá, seja bom ou mau. Tanto aquilo que fiz como o que me fizeram a mim. Quando acaba o jogo, acabou. No entanto, como disse, quando me dão tento que não fique por aí… é uma forma de me fazer respeitar. Isso vem desde pequenino, desde o colégio, e vai continuar a ser assim até morrer. Faz parte. Quem leva, dá. Todos somos assim. Se nos dão uma galheta, não sorrimos, damos outra mais forte.
E tem noção que por isso, e pelas coisas boas também, é um dos jogadores mais amados (pelos adeptos) e mais odiados (pelos rivais)?
Sim e percebo, porque entendo que haja rivalidade. Estou em Portugal há 13 anos, sou espanhol e do Real Madrid, sei e gosto de rivalidades. Ainda assim, acho que o Pedro Gil vai ser sempre criticado seja pelo que for.
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Quando jogava no FC Porto era odiado pelos adeptos do Benfica, agora jogo no Sporting continuo a ser odiado pelos do Benfica e sou odiado por alguns do FC Porto e até do Sporting. Há os que dizem que ao Benfica marco sempre e ao FC Porto não. É o que digo: vou ser sempre criticado.
Como é que lida com isso?
Tento abstrair-me desde sempre e tento não ler nada de hóquei – só vejo os resumos. Oiço rádio e vejo coisas do Real Madrid, e tento abstrair-me do hóquei e das redes sociais – nunca leio os comentários. Só tenho Instagram, que foi ideia do meu filho e é ele praticamente que o gere, porque já sei como seria se tivesse mais e não estou para isso.
E o seu filho lê…
Sim, ele e a minha mulher às vezes leem.
E como reagem?
Não é fácil para eles, mas tento há anos dizer-lhes para não ligarem.
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Sei que sou amado ou odiado, e que esta é a minha maneira de ser, mas podem ter a certeza: o clube que sirvo defendo-o até à morte, só que nunca esquecerei de onde vim, onde joguei e tudo aquilo que todos os clubes me deram – todos me fizeram crescer como jogador e, sobretudo, como homem. Falo ainda com muita gente dos clubes pelos quais passei, deixei as portas abertas em quase todos eles e é isso que me preocupa: que as pessoas que me conhecem falem bem, o resto dá-me igual. Dou mais importância a que dez pessoas que tenham trabalhado comigo falem bem de mim, do que cem mil que não me conhecem e que falem mal.
Terceira época em Alvalade, o segundo clube em Portugal depois do FC Porto. O Sporting tem-no surpreendido?
Não, já sabia da grandeza e do potencial do clube e sei que pode ser ainda melhor em tudo. Não me surpreende nada daquilo que temos conquistado e espero, e desejo, que nos próximos anos se faça mais e melhor. Espero que no futuro, ganhar a Liga Europeia e o campeonato seja algo normal e não estejamos tanto anos sem ganhar.
Mas quando veio, e sobretudo porque há pouco mais de cinco anos o clube estava na III Divisão, esperava conquistar tudo isto?
Quando escolho os clubes, escolho o projeto e o facto de poder ganhar – obviamente que gosto de ganhar, gosto muito de ganhar muito e gosto pouco de perder. O Sporting já me tinha tentado contratar anteriormente e não vim, vim depois porque o projeto me pareceu melhor. No primeiro ano não correu bem, também porque tínhamos de andar com a casa às costas, mas no segundo ganhámos o campeonato e agora a Liga Europeia. Os cinco grandes clubes, os da «final four» [Sporting, Benfica, FC Porto e Barcelona] e a Oliveirense, estando várias vezes nas decisões acabam por ganhar alguma vez, mas aquilo que o Sporting tem de fazer é criar equipa e estabilidade para estar nessas finais e poder ganhar mais vezes. É isso que o Barcelona faz há 30 anos, porque não podemos fazer nós também?
E como foi ganhar esta Liga Europeia? O Pedro tem dezenas de títulos nacionais e internacionais, de clubes e pela seleção espanhola…
Foi espetacular! Esta prova escapou-me várias vezes [tem agora duas no currículo] e ganhá-la em casa, frente aos rivais nacionais e com o pavilhão cheio… Foi um fim-de-semana perfeito. Além disso, ganhar esta prova dá-te a oportunidade de ganhar mais títulos no próximo ano e quando ganhamos pensamos nisso também.
A Supertaça Europeia e a Intercontinental…
Sim, duas provas que nunca joguei porque quando ganhei os troféus que as permitem jogar saí desses clubes, e agora, aos 40 anos tenho oportunidade de as jogar e ganhar. Ou seja, aos 40 anos posso conseguir a minha melhor época. Isso é incrível e motivante
Para já, faltou revalidar o título…
Sim, o que foi uma desilusão para nós. O difícil não é ganhar, é continuar a ganhar e nós queríamos mostrar que não foi um acidente termos ganho no ano passado. Acho que fizemos um bom campeonato, mas perdemos muitos e impensáveis pontos nas primeiras jornadas. Quem quer ganhar campeonatos não pode perder pontos em casa e nós perdemos sete que agora fizeram falta.
Diz-se que o Sporting vai começar a desinvestir nas modalidades, isso assusta-o?
Já ouvi falar, mas acho que isso é algo que se faz sempre de forma gradual. Não vai ser de um ano para o outro e isso percebe-se que não acontecerá, porque se fala em investir no hóquei e no basquetebol feminino e masculino por exemplo. Por vezes, desinvestir com cabeça é bom. Acho que quem está à frente do clube está a pensar bem e tem uma visão realista.
E no hóquei em patins, pode-se apostar na formação?
A formação é boa, mas a forma como a própria modalidade está pensada é um processo difícil seja aqui ou em que equipa for. Só há 12 jogadores e mesmo assim dois ficam sempre de fora dos jogos. É difícil ir buscar alguém aos juniores e apostar logo nele, é sempre melhor ir ganhando ritmo fora para depois chegar e competir ao mais alto nível.
Pedro Gil, o jogador de hóquei em patins, dispensa apresentações. E o homem, como é?
(envergonhado) Não há muito para dizer, sou uma pessoa muito simples e muito reservada, que gosta de estar com os seus – família, animais e amigos – em casa e que basicamente leva a vida de casa-treino e treino-casa. Não tenho grandes hobbies, sou muito focado no hóquei em patins e nas pessoas que me são próximas.
Não tem grandes hobbies, mas tem um grande vício…
Sim, as tatuagens são um vício (risos).
Quantas tem… sabe ou já perdeu a conta?
Já perdi a conta, devem ser umas 50.
Têm todas significado?
Não, nem todas. Algumas têm a ver com a minha família e com a minha carreira, outras são animais fortes com os quais me identifico – leão, tigre, dragão -, e outras foram feitas para encher ou porque o tatuador quis fazer.
E ainda há espaço para mais?
Há, claro, arranja-se sempre (risos).
E para si, no hóquei em patins? Tem 39 anos e joga há mais de 20….
Não sei dizer com que idade acabarei ou dizer o momento exato, a única certeza que tenho é que quero acabar em boa forma. Não me quero arrastar. De há algum tempo para cá, penso ano a ano porque não sei o que o corpo me vai deixar fazer.
Mas, e ao fim de tanto tempo, continua motivado?
Claro! Continuo super-motivado e acordo todos os dias com vontade de treinar e de ser melhor, porque sei que posso melhorar sempre alguma coisa.
E se terminasse agora a carreira, estava mais do que satisfeito com tudo aquilo que fez e conquistou?
Sim, mais pelo que fiz, e faço, do que pelos títulos. Os títulos, ainda que obviamente goste muito de os ganhar, dizem-me pouco. Interessa-me mais o meu trabalho diário, o querer ser melhor todos os dias e mostrar-me a mim mesmo que sou o melhor ou dos melhores nos treinos e nos jogos.
E quando terminar a carreira pensa ser treinador ou imagina-se a fazer outra coisa?
Já tenho o curso e fiz estágio nos juniores do FC Porto e nos sub-20 do Marmi. Gostei muito disso e gosto muito de ensinar os miúdos, mas para já não quero pensar nisso e sim em jogar que é algo de que gosto muito. O que eu gosto mesmo é de jogar e andar lá dentro a divertir-me. Sei que aquilo que fizer a seguir não vai ser tão bom, que não vou gostar tanto. Por isso, de há um ano para cá, tento desfrutar de todos os treinos e jogos porque sei que é menos um dia que tenho.
2 Junho, 2019 at 9:18
Aqui está uma excelente entrevista para o Varandas ler. Espero que aprenda alguma coisa.
2 Junho, 2019 at 9:23
Que falta fez ontem…
2 Junho, 2019 at 9:45
Mas que grande entrevista.
São estes gajos que fazem a diferença…
2 Junho, 2019 at 10:41
Bela entrevista. Este é daqueles a que nao dá para ficar indiferente.
2 Junho, 2019 at 11:31
É daqueles que só gostamos estando do nosso lado.
Até nisso o desporto mudou.
2 Junho, 2019 at 13:09
Rigoroso.
2 Junho, 2019 at 11:43
Excelente entrevista! Termos um jogador deste gabarito no Sporting é um luxo!
Pedro Gil e Ruesga (e talvez agora Guitta) trazem aquele extra que diferencia os campeões.
2 Junho, 2019 at 11:48
Entrevista de um jogador de bravura e carisma, um portento sobre patins ao nivel dos melhores do mundo de todos os tempos.
2 Junho, 2019 at 12:16
Subscrevo, Sonhador!
2 Junho, 2019 at 11:54
Boa entrevista que define o tipo de profissional que o Gil é.
À volta deste perfil pode e deve-se construir uma equipa, seja de que modalidade for.
Um pouco off, porque será que excepto o futsal (não sabemos como terminará ), e todas as modalidades que estivemos muito bem nas provas europeias, caimos de redondos na fase final dos respectivos campeonatos.
As causas, são planteis curtos, mau planeamento, excesso de jogos, falta de mentalidade/focus competitivo
2 Junho, 2019 at 12:48
Creio não ser apenas isso. Vê no futebol: o vencedor da champions não ganhou nada a nível interno, o vencedor da liga Europa idem, o campeão português ficou pelo caminho nas taças, o campeão espanhol perdeu na final da taça… Enfim, isto para dizer que é algo comum um campeão ser o alvo a abater, e também o foco excessivo para ganhar uma das competições que gera bastante desgaste. E quando as ligas são competitivas (como a inglesa, a portuguesa de hóquei, e mesmo as taças portuguesas – foram as Big 3 +1 as semi finais), torna tudo mais imprevisível.
2 Junho, 2019 at 13:15
A minha última frase devia ser uma pergunta e saiu afirmação, mas acabaste por responder.
2 Junho, 2019 at 11:55
Atletas destes são sempre bem-vindos ao nosso clube.
E ontem notou-se bastante a sua ausência.
2 Junho, 2019 at 12:04
Um craque, um líder, um campeão.
São estes jogadores que trazem títulos e não tem que ser bonzinhos e perfeitos.
A raça e vontade de ganhar de um jogador passada aos restantes elementos da equipa.
Houvesse um Pedro Gil no futebol e a história se calhar seria outra.
2 Junho, 2019 at 12:46
Lenda.
2 Junho, 2019 at 13:56
LENDA!!!
2 Junho, 2019 at 12:53
Puta madre, hombre! olé!
2 Junho, 2019 at 15:08
“Sei que aquilo que fizer a seguir não vai ser tão bom, que não vou gostar tanto. Por isso, de há um ano para cá, tento desfrutar de todos os treinos e jogos porque sei que é menos um dia que tenho.” PG
Fantástico!
Máquina!
2 Junho, 2019 at 15:18
E hoje estamos de parabéns!
Faz um ano…
https://youtu.be/0CL_hzUNH3w
Parabéns Sportinguistas!
2 Junho, 2019 at 15:24
“Diz-se que o Sporting vai começar a desinvestir nas modalidades, isso assusta-o?
Já ouvi falar…”
Versão bananinha: é cabala!
2 Junho, 2019 at 19:21
Boa entrevista.
É uma pena não ter vindo para o Sporting há mais tempo!